Escrita

Definição

Joshua J. Mark
por , traduzido por Wesley G P Gomes
publicado em 28 abril 2011
Disponível noutras línguas: Inglês, Árabe, francês, Russo, sérvio, espanhol
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Cuneiform Writing (by Jan van der Crabben, CC BY-NC-SA)
Escrita Cuneiforme
Jan van der Crabben (CC BY-NC-SA)

A Escrita é a manifestação física de um idioma. Acredita-se que os seres humanos desenvolveram idiomas em aproximadamente 35.000 a.C., o que é evidenciado por pinturas rupestres feitas durante o período do Homem Cro-Magnon (aprox. 50.000 – 30.000 a.C.) que parece expressar conceitos sobre a vida diária. Essas imagens sugerem a existência de uma língua porque, em alguns momentos, elas mais parecem contar uma história (como uma expedição de caça, por exemplo) do que serem simples desenhos de pessoas e animais.

A linguagem na sua forma escrita, no entanto, não apareceria até a sua invenção pelos Sumérios, no sul da Mesopotâmia, aprox. 3500 - 3000 a.C. Essa primeira forma de escrita é chamada de cuneiforme e consistia em criar símbolos específicos em tábuas de argila com instrumentos feito de junco. No Egito, um sistema de escrita conhecido como hieróglifos já era utilizado desde antes a ascensão do Período Pré-Dinástico (aprox. 3150 a.C.) e acredita-se que ele foi desenvolvido a partir da escrita cuneiforme (apesar de ser uma teoria contestada) e veio a ser conhecida como hieróglifos.

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O sistema de escrita fonética (do grego phōnētikós – “relativo ao som, à palavra”) dos Gregos, e mais tarde dos Romanos, veio da Fenícia. Mesmo sistema de escrita Fenício, bem diferente do Mesopotâmio, ainda devia seu desenvolvimento aos Sumérios e seus avanços na escrita. De forma independente do Oriente Próximo e da Europa, a escrita também foi inventada na Mesoamérica pelos Maias em aprox. 250 d.C., com algumas evidências sugerindo uma data ainda mais cedo em 500 a.C., e, também de forma independente, pelos Chineses.

Escrita & História

A escrita na China foi desenvolvida a partir de rituais de divinação que usavam ossos oraculares aprox. 1200 a.C. e parece ter surgido de forma independente uma vez que não existem evidências da época de transferências culturais entre a China e a Mesopotâmia. Essa antiga prática de divinação Chinesa envolvia entalhar marcas em ossos e conchas que depois seriam aquecidas até racharem. As rachaduras eram então interpretadas por um Adivinho. Se esse Adivinho tivesse entalhado as marcas “Vai chover na próxima Terça” e “Não vai chover na próxima Terça”, os padrões das rachaduras no osso ou na concha diria qual seria o caso. Com o tempo, esses entalhos evoluiriam para a escrita Chinesa.

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Escrever registros sobre a vida de um povo é o primeiro passo para se ter uma história sobre uma cultura ou civilização. Essa história é impossível sem palavras escritas, uma vez que a falta de contexto dificultaria, se não impossibilitasse, a interpretação de evidências físicas do passado antigo. Um ótimo exemplo desse problema da falta de contexto é a dificuldade que pesquisadores do final do século 19/início do 20 tem em entender a Civilização Maia, já que eles não conseguiam ler os glifos maias e acabavam por interpretar incorretamente várias das evidências físicas que eram escavadas. Os primeiros exploradores das ruinas Maias, como Stephens e Catherwood, acreditavam terem encontrado evidências da antiga civilização Egípcia na América Central.

Esse mesmo problema é evidenciado pelo entendimento do antigo Reino de Meroe (no atual Sudão), cuja escrita Meroítica ainda não foi decifrada assim como a escrita conhecida como Linear-A da antiga cultura Minoica em Creta que também ainda é um mistério.

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Inicialmente, os Sumérios inventaram a escrita como uma forma de comunicação de longas distâncias, o que era uma necessidade no comércio.

A Invenção da Escrita

Inicialmente, os Sumérios inventaram a escrita como uma forma de comunicação através de longas distâncias, o que era uma necessidade no comércio. Com a ascensão das cidades na Mesopotâmia e a necessidade por recursos que existiam na região, o comércio a longa-distância se desenvolveu e, com ele, a necessidade de comunicação através das vastos extensões entre as cidades ou regiões.

A forma mais antiga de escrita foi o pictograma – símbolos que representavam objetos – e serviam para auxiliar a memorização de objetos ou coisas como quais sacas de grãos foram para onde ou quantas ovelhas seriam usadas em eventos como sacrifícios nos templos. Esses pictogramas eram impressos em argila úmida e depois secadas; essas tábuas de argila eram os registros oficiais de comércio. Como a cerveja era bastante popular na Mesopotâmia, muitos desses primeiros registros eram sobre a venda dessa bebida. Com os pictogramas, era possível dizer quantos jarros ou tonéis de cerveja foram vendidos em uma transação, mas não necessariamente o que essa transação significava. Como dito pelo historiador Kriwaczek em suas anotações,

Tudo o que se tinha até aqui eram técnicas para se escrever a respeito de coisas, itens e objetos, e não um sistema [propriamente dito] de escrita. Um registro que diz “Duas Ovelhas Templo deusa Inana”, diz quase nada a respeito dessas ovelhas, se estavam elas sendo entregues ao templo ou então sendo recebidas dele, se eram carcaças ou se eram para serem abatidas, ou qualquer outro detalhe sobre elas. (63)

Para que fosse possível expressar conceitos mais complicados que transações financeiras ou uma lista de itens, era necessário ter uma forma mais elaborada de escrita, e essa forma foi desenvolvida na cidade Suméria de Uruk, aprox. 3200 a.C. Apesar de ainda serem usados, os pictogramas deram lugar para o fonograma – símbolos que representam sons – sons que eram produzidos pelo idioma falado pelo povo da Suméria. Com os fonogramas, era possível comunicar significados mais precisos e, como no exemplo das duas ovelhas e o templo de Inana, era mais fácil saber se essas ovelhas estavam indo ou vindo do templo, se elas estavam vivas ou não, e qual era o objetivo que elas tinham. Inicialmente, tinha-se apenas imagens estáticas de pictogramas mostrando objetos como ovelhas e templos. Com o desenvolvimento do fonograma, agora era possível expressar ideias mais dinâmicas como a movimentação de ou para um lugar.

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Além disso, enquanto que nas primeiras formas de escrita (conhecidas como protocuneiforme) a mensagem era restrita a uma lista de coisas, o escritor agora consegue dizer que significado essas coisas podiam ter. O estudioso Ira Spar escreveu:

Essa nova forma de interpretar sinais é conhecida como o princípio do rebus. Há apenas alguns exemplos de seu uso nos estágios iniciais da escrita cuneiforme entre 3200 e 3000 a.C. O uso consistente desse tipo de escrita fonética só começa a ficar aparente depois de 2600 a.C. Esse uso constituiu o início de um verdadeiro sistema de escrita caracterizado pela combinação de sinais-palavra e fonogramas – sinais para vogais e silabas – isso permitia ao escriba expressar ideias. A partir da metade do Terceiro Milênio a.C., a escrita cuneiforme, inicialmente escrita em tábuas de argila, era utilizada para uma vasta gama de documentos econômicos, religiosos, políticos, literários e eruditos.

The Art of War by Sun-Tzu
A Arte da Guerra por Sun-Tzu
Coelacan (CC BY-SA)

A Escrita & a Literatura

Essa nova forma de comunicação permitia aos escribas registrarem os eventos de seu tempo assim como suas crenças religiosas e, com o tempo, criar uma forma de arte que não era possível antes da escrita: a literatura. O primeiro escritor do mundo que se sabe o nome é a sacerdotisa Enheduanna (2285-2250 a.C.), filha de Sargão de Acádia, que escreveu seus hinos a deusa Inana e os assinou com seu nome e selo.

O chamado Matérias de Aratta, quatro poemas que tratam do rei Enmerkar de Uruk e seu filho Lugalbanda, foi provavelmente composto em algum momento entre 2112-2004 a.C. (porém só foi escrito em entre 2017-1763 a.C.). No primeiro poema, Enmerkar e o Lorde de Aratta, é explicado que a escrita foi desenvolvida por Enmerkar, que vendo seu mensageiro começar a ter dificuldade em lembrar todas as suas mensagens para o rei da cidade de Aratta, decidiu escreve-las; e assim nasceu a escrita.

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A Epopeia de Gilgamesh, considerado o primeiro poema épico da história e um dos mais antigos, foi composto em algum momento antes de 2150 a.C., data em que foi escrito e trata do grande rei de Uruk (e descendente de Enmerkar e Lugalbanda) Gilgamesh e sua busca pelo significado da vida. Os mitos dos povos da Mesopotâmia, as histórias de seus deuses e heróis, suas próprias histórias, suas técnicas de construção, a forma de enterrar seus mortos e de celebrar seus dias de festas, tudo isso era agora possível de serem registrados para a posterioridade. A Escrita fez da história possível porquê agora eventos podiam ser registrados e, mais tarde lidos por qualquer pessoa instruída, ao invés de depender dos contadores de histórias locais para se lembrarem e recontar os eventos passados. O estudioso Samuel Noah Kramer comenta:

[Os Sumérios] criaram um sistema de escrita em tábuas de argila que foi emprestado e usado por todo o Oriente Próximo por quase dois mil anos. Quase tudo o que sabemos sobre o início da história do ocidente Asiático vem de milhares de tábuas de argila inscritos com a escrita cuneiforme desenvolvida pelos Sumérios e escavadas por arqueólogos. (4)

A escrita foi tão importante para a Mesopotâmia que, sob o Rei Assírio Assurbanipal (685-627 a.C.) mais de 30.000 livros de tábuas de argilas foram coletados para a biblioteca em sua capital Nínive. Assurbanipal esperava preservar o patrimônio, a cultura e a história da região e entendeu com muita clareza a importância da escrita para alcançar esse objetivo. Entre os muitos livros de sua biblioteca, Assurbanipal incluiu obras literárias como o Épico de Gilgamesh ou a história de Etana, por que ele entendeu que a literatura expressava não apenas a histórias de certos indivíduos, mas de todos as pessoas. O historiador Durant escreveu:

A Literatura consiste mais de palavras do que letras, apesar do nome; ela surge como cantos clericais ou encantos mágicos, recitados normalmente por sacerdotes, e transmitidos oralmente de memória para memória. Carmina, como os Romanos conheciam a poesia, significava tanto versos quanto encantos; ode, entre os Gregos, era originalmente um feitiço; semelhante ao inglês rune e lay, e o alemão Lied. O ritmo e a métrica influenciados, talvez, pelo ritmo da natureza e a vida corpórea, foram aparentemente criados por mágicos e xamãs para preservar, transmitir e melhorar as encantações mágicas de seus versos. Dessa origem sacerdotal, o poeta, o orador, e o historiador foram diferenciados e secularizados; o orador como o louvador oficial do rei ou o solicitador da divindade; o historiador como o registrador dos documentos reais; o poeta como o cantor de cantos originalmente sagrados, o criador e conservador das lendas heroicas, e o músico que musicalizou seus contos para instruir a população e os reis.

Book of the Dead Papyrus
Papiro do Livro dos Mortos
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

O Alfabeto

O papel do poeta em preservar as lendas heroicas se tornaria uma importante função em diversas culturas por todo a Antiguidade. O escriba Mesopotâmico Shin-Legi-Unninni (escrito 1300-1000 a.C.) iria ajudar a preservar e transmitir a Epopeia de Gilgamesh. Homero (aprox. 800 a.C.) faria o mesmo para os Gregos e Virgílio (70-19 a.C.) para os Romanos. O Épico Indiano Mahabharata (registrado em aprox. 400 a.C.) preserva as lendas orais da região da mesma forma que os contos e lendas da Escócia e da Irlanda. Todas essas obras, e aquelas que vieram depois, só foram possíveis através do advento da escrita.

Os primeiros escritores cuneiformes estabeleceram um sistema que iria mudar completamente a natureza do mundo que eles viviam. O passado, e a história dos povos, agora podia ser preservada através da escrita. O alfabeto contribuído pelos Fenícios fez a escrita ficar mais fácil e acessível para outras culturas, mas o sistema básico de colocar símbolos em um papel para representar palavras e conceitos começou muito antes. Durant nota:

Os Fenícios não criaram o alfabeto, eles o comercializaram; pegando-o aparentemente do Egito e de Creta, eles o importaram aos poucos para Tiro, Sidon e Biblos, e o exportaram para todas as cidades do Mediterrâneo; eles eram o intermediário, não os produtores, do alfabeto. Já pelos tempos de Homero, os Gregos já haviam tomado conta desse alfabeto Fenício – ou o aliado Aramaico – e o chamaram pelo nome Semita de suas duas primeiras letras, Alpha, Beta; do Hebreu Aleph, Beth.

Importado para outras culturas, esses primeiros sistemas de escrita se tornariam a linguagem escrita dessas culturas, da mesma forma que eventualmente o Grego e o Latim serviram como base para a escrita Europeia e o Semita Aramaico seria a base para o Hebreu, o Arábico e, possivelmente, o Sânscrito. E da mesma forma que a escrita, o material usado para escrever também evoluiu, indo dos cortes de juncos usados pelos primeiros escribas Mesopotâmicos para escreverem seus símbolos cuneiformes nas tábuas de argila para os lápis feitos de caniço e o papiro Egípcio, os pergaminhos dos Gregos e Romanos e a caligrafia Chinesa; uma evolução que continua até os dias atuais com a composição computadorizada e o uso do papel processado

Em qualquer era, desde a sua criação, a escrita serviu para comunicar os pensamentos e sentimentos dos indivíduos e de sua cultura, da sua história coletiva, das suas experiências com a condição humana, e para preservar essas experiências para as futuras gerações.

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Sobre o tradutor

Wesley G P Gomes
Um programador que acabou de sair da faculdade e que tem interesse na história, particularmente, do comércio e da viagem durante o mundo medieval e antigo. Sinceramente, não se tem muito mais do que falar.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Joshua J. Mark é cofundador e diretor de conteúdos da World History Encyclopedia. Anteriormente, foi professor no Marist College (NY), onde lecionou história, filosofia, literatura e redação. Ele viajou bastante e morou na Grécia e na Alemanha.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2011, abril 28). Escrita [Writing]. (W. G. P. Gomes, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-72/escrita/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "Escrita." Traduzido por Wesley G P Gomes. World History Encyclopedia. Última modificação abril 28, 2011. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-72/escrita/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "Escrita." Traduzido por Wesley G P Gomes. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 28 abr 2011. Web. 20 nov 2024.