Teodorico, o Grande

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Joshua J. Mark
por , traduzido por Rogério Cardoso
publicado em 09 outubro 2014
Disponível noutras línguas: Inglês
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Nuremberg Chronicle (Theodoric and Odoacer) (by Schedel1, Public Domain)
Crônica de Nuremberg (Teodorico e Odoacro)
Schedel1 (Public Domain)

Teodorico, o Grande (c. 454-526 d.C., r. 493-526 d.C.), também conhecido como Flávio Teodorico, foi o rei dos ostrogodos que, com o incentivo e a orientação do imperador romano oriental Zenão, invadiu a Itália, depôs o rei Odoacro e, por fim, reinou sobre romanos e godos de 493 a 526 d.C. Ele, originalmente, chamava-se Dietrich (ou Diederich) e passou para as lendas alemãs com o nome de Dietrich von Bern (Teodorico de Verona), herói de muitos contos da literatura do alto-alemão médio, embora tal identificação tenha sido questionada por vários estudiosos.

Ele era cristão ariano, mas a sua tolerância para com o Cristianismo Trinitário - em que pese às tensões entre ambos os grupos - garantiu a eficiência do seu governo até os seus últimos anos de vida, graças às suas cuidadosas políticas para com os direitos dos súditos. Cada vez mais cercado de inimigos, ele começou a sofrer de paranoia aguda e tomou parte na perseguição de muitos trinitários de alto escalão da sua corte, como o filósofo Boécio e Símaco, padrasto do próprio Boécio. Ainda se encontra de pé nos dias atuais o mausoléu de Teodorico em Ravena, cujo dono é lembrado como um governante simpático, sábio e justo.

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Vida Pregressa e Ascensão ao Poder

Teodorico nasceu em 454 d.C., filho do rei Teodomiro dos ostrogodos com uma de suas concubinas. Ele foi batizado como Dietrich, mas, aos oito anos de idade, foi enviado a Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, como refém para garantir que o seu pai cumprisse um tratado firmado entre os romanos e os godos, de modo que o seu nome fosse romanizado para Theodoricus (Teodorico). Ele permaneceu na corte e foi educado segundo os valores greco-romanos ao longo de uma década, sob a proteção do imperador Leão I (r. 457-474 d.C.) e depois sob a proteção do imperador Zenão (474-475, 476-491 d.C.). Embora não tenha aprendido a ler ou escrever, ele adotou as normas culturais romanas e foi mais tarde descrito pelo escriba Sidônio Apolinário como um indivíduo altamente refinado tanto na vida privada quanto na pública.

Epic of Dietrich von Bern, Sintram, and the Dragon
Epopeia de Teodorico de Verona, Sintram e o Dragão
Marc Auer from France, uploaded by Edelseider (CC BY-SA)

Segundo Jordanes (século VI d.C.), ele pertencia à família Amalo, que reinara sobre os godos desde épocas remotas, e tinha sangue real (embora tal afirmação, bem como boa parte da obra de Jordanes, tenha sido questionada). Ele era um ávido caçador e um excelente arqueiro. Além disso, parece ter mostrado um talento precoce para comandar homens, pelo que se tornou mestre dos soldados (magister militum) em 483 d.C., no reinado de Zenão, e, um ano depois, foi eleito cônsul e recebeu o nome de Flavius Theodoricus (Flávio Teodorico).

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Essas gratificações lhe foram dadas pelos serviços prestados ao império quando rechaçou outro líder ostrogodo de nome Teodorico Estrabão ("o Estrábico"), que acossava os próprios bizantinos quando não estava lutando pelas causas destes. Tanto Teodorico Amalo quanto Teodorico Estrabão eram considerados reis pelas respectivas facções godas e competiam um com o outro pelo bem maior do império, embora, alternadamente, também mudassem de lado e devastassem as terras bizantinas quando sentiam não ter o devido reconhecimento ou utilidade nos exércitos. O estudioso Guy Halsall escreve:

Entre 474 e 488, um complexo carrossel de alianças, traições, assassinatos e intrigas constantemente alterava o equilíbrio do poder. O imperador, às vezes, precisava do apoio dos godos contra outras facções, mas não podia deixar que eles se tornassem fortes demais. O imperador Zenão, embora fosse isauro, teve de encarar as rebeliões do seu próprio povo, que desejava dominar a corte de Constantinopla. Além disso, ele colocou os dois Teodoricos um contra o outro com alguma habilidade até que, em 483 e 484, esse excesso de confiança cobrasse o seu preço. Estrabão morreu num acidente ao cair do cavalo sobre uma lança, e, na sequência, Zenão encorajou Teodorico Amalo (a quem ele concedeu consideráveis honrarias, inclusive o consulado) a assassinar Recítaco, filho do Estrábico. Em vez de rechaçar uma das problemáticas facções, isso simplesmente fez com que os godos de Recítaco se juntassem aos do Amalo... Em vez de dois grupos godos competindo entre si, Zenão foi confrontado por uma única grande e poderosíssima força inimiga. (286-287)

A Campanha na Itália

Após a morte de Recítaco e a consolidação dos exércitos godos sob sua liderança, Teodorico foi enviado por Zenão para enfrentar um rival do imperador, o general Ilo, que promovera uma revolta entre os isauros na Ásia Menor. Assim que derrotou Ilo e pôs fim à revolta, Teodorico marchou de volta a Constantinopla com o seu exército. Tendo derrotado os seus rivais godos e os isauros, ele se tornou o mais poderoso líder militar da região e decidiu tomar de Zenão aquilo que julgava merecer, mas que não lhe haviam oferecido: um lote de terra para o seu povo e o reconhecimento oficial como seu rei. Ele deu início a uma campanha sistemática contra o império e contra o imperador que o havia colocado no poder. Tendo sido educado na corte, Teodorico entendia bem como o poder militar poderia traduzir-se em poder político e, por isso, invadiu as cidades e as vilas que ele outrora havia protegido. Halsall escreve:

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Os godos ameaçaram Constantinopla e devastaram os Bálcãs, mas não conseguiram tomar a capital, enquanto Zenão, que estava protegido atrás da famosa muralha tripla da cidade, dificilmente conseguiria expulsar Teodorico das terras bizantinas. Precisava-se de uma solução aceitável para ambas as partes, que para os ostrogodos de Teodorico foi: dirigir-se à Itália e depor o "tirano" Odoacro. Em 488, os ostrogodos seguiram por uma longa estrada em direção ao oeste. (287)

Tem-se debatido se a invasão da Itália foi inicialmente proposta por Zenão ou Teodorico, porém é mais provável que tenha sido uma solução de Zenão para dois problemas prementes.

Embora Teodorico não soubesse ler ou escrever, ele foi um grande patrono da educação, apreciando discussões filosóficas e incentivando o povo à alfabetização.

Odoacro (r. 476-493 d.C.) havia se tornado rei da Itália, com a permissão de Zenão, em 476 d.C., mas vinha causando cada vez mais problemas para o imperador bizantino. Afinal, Odoacro havia apoiado a revolta de Ilo, anexado impunemente a região da Dalmácia e vinha atuando mais como um monarca independente do que como o governador de uma província romana. Zenão precisava livrar-se tanto de Odoacro quanto de Teodorico, e, segundo se supõe, ele considerava ser essa a melhor solução, já que um deles certamente mataria ao outro, sobrando apenas um problema com que o imperador deveria lidar.

Teodorico, por seu turno, almejava a oportunidade de obter mais glórias militares, e, caso vencesse, de assegurar uma terra para o seu povo e um governo legítimo para si. Ele invadiu a Itália, devastando o país pelo caminho, e encontrou uma primeira resistência por parte do povo gépida no rio Vuka, em 488 d.C. Não se sabe se eles eram aliados de Odoacro ou se estavam simplesmente protegendo as suas terras de uma invasão, mas, de qualquer maneira, foram rapidamente derrotados e massacrados pelas forças de Teodorico. O general godo continuou marchando e encarou as forças de Odoacro em batalha na ponte sobre o rio Isonzo, onde este foi derrotado em 28 de agosto de 489 d.C. Odoacro recuou até Verona com Teodorico no seu encalço, de modo que ambos voltassem a se confrontar em 29 de setembro do mesmo ano. Odoacro foi novamente derrotado. Depois, ele fugiu para Ravena e preparou as defesas da cidade, enquanto Teodorico continuava a conquistar o resto do país. O estudioso Herwig Wolfram escreve:

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A marcha de Teodorico até a Itália parecia destinada a uma rápida e decisiva vitória. Em Milão, que Teodorico capturou depois de Verona, dignitários seculares e eclesiásticos o receberam como o representante do imperador. Mesmo o comandante em chefe de Odoacro, Tufa, e grandes porções do exército derrotado se juntaram ao general vitorioso. (281)

Confiando no gesto de submissão e lealdade de Tufa, Teodorico o enviou a Ravena no comando das suas tropas de elite para que ele capturasse Odoacro. Todavia, Tufa estava apenas fingindo lealdade ao conquistador e acabou traindo as tropas em favor dos soldados Odoacro; a tal força de elite foi destruída, e "Teodorico sofreu a sua primeira grave derrota em solo italiano"(Wolfram, 281). Odoacro deixou Ravena e travou uma batalha contra o inimigo que repetidamente o repeliu. Tufa encarou Frederico dos rúgios em batalha, em agosto de 491 d.C., e ambos acabaram mortos.

As hostilidades continuaram até 25 de fevereiro de 493 d.C., quando João, o bispo de Ravena, intermediou um tratado pelo qual Odoacro e Teodorico governariam conjuntamente. Teodorico cavalgou até Ravena em 5 de março de 493 d.C. e, no dia 15 do mesmo mês, num jantar formal realizado para celebrar o tratado, assassinou Odoacro perfurando-o até a morte. As últimas palavras de Odoacro foram "Onde está Deus?", ao que Teodorico respondeu "Isto é o que tu fizeste ao meu povo", em referência à suposta opressão contra os godos na Itália e à dizimação da tribo dos rúgios, que eram aparentados aos godos. Wolfram descreve o que aconteceu após a morte de Odoacro:

A natureza deliberada e metódica do ato de Teodorico é claramente revelada pelos eventos subsequentes: a Odoacro não foi permitido ter um funeral cristão, e sua esposa Sunigilda morreu de fome. O irmão de Odoacro, Hunulfo, refugiou-se numa igreja e foi usado como alvo pelos arqueiros godos... No dia do assassinato de Odoacro, seus seguidores e as respectivas famílias foram atacados. Eles morriam onde quer que os godos pusessem as mãos neles. No decorrer do ano 493, Teodorico havia se tornado o inconteste senhor da Itália. (284)

Odoacro governara prudentemente a Itália, de modo que Teodorico herdasse um reino de substancial riqueza. Entretanto, como a terra fora destruída por anos de guerra, a maior prioridade de Teodorico era a sua restauração.

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O Início do Reinado de Teodorico e a sua Legitimação

Teodorico empenhou-se em consolidar os seus domínios enquanto fazia reparos no país, que havia sido devastado entre 488 e 493 d.C. Muitas das florestas haviam sido destruídas, seja por causa da sua dizimação nas batalhas, seja por causa da extração de madeira usada para defesa. Sem nenhuma árvore para absorver a água da chuva, inúmeras regiões se viam frequentemente inundadas, enquanto outras se tornavam áridas devido à remoção da camada superficial do solo durante os combates. Teodorico ordenou a drenagem de pântanos e o plantio de árvores e conseguiu empregar escavadores experientes para furar poços, a fim de criar canais de irrigação e cultivar a terra.

Theodoric
Teodorico
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Ele reinou sobre uma diversificada população de romanos e godos e emitiu éditos para assegurar uma representação equitativa diante da lei. Além disso, o país estava dividido em vertentes religiosas, já que boa parte dos romanos era adepta do Cristianismo Trinitário, enquanto boa parte dos godos seguia o entendimento ariano do Cristianismo. Teodorico, que era em si ariano, impunha uma política de tolerância religiosa e esperava com isso unir completamente o reino sob seu domínio, não importando a nacionalidade ou as crenças religiosas dos seus súditos. Para esse fim, segundo se supõe, ele precisava legitimar o seu passado criando para si e para o seu povo uma genealogia digna de um rei que seria respeitado tanto pelos godos quanto pelos romanos.

A fonte primária sobre a história dos godos é a Gética, de Jordanes (século VI d.C.), que foi escrita como sinopse de uma obra anterior de Cassiodoro (c. 485-585 d.C.), mestre de ofícios (magister officiorum) de Teodorico e, por consequência, o seu principal escriba. Cassiodoro era romano e, por esse motivo, imbuiu a sua história sobre os godos de ideais romanos, criando assim uma narrativa que agradaria justamente a um público romano (conforme Jordanes também faria mais tarde). O estudioso Roger Collins escreve:

O interesse em estabelecer uma continuidade dentro de uma linhagem real era muito mais do que o produto de pressuposições romanas sobre o funcionamento das sociedades germânicas; era algo de interesse dessas próprias sociedades. Na primeira metade do século VI, o regime ostrogodo na Itália precisava criar para si uma história e um papel constitucional que atendesse às expectativas das classes superiores romanas, de cuja boa vontade e cooperação ele dependia largamente, e as quais também gostavam de imaginar grandes continuidades familiares entre si próprias e as aristocracias da República e do início do Império. (104-105)

Acredita-se que a história goda escrita por Cassiodoro (hoje perdida) tenha pegado alguns aspectos genuínos da história dos godos e os tenha moldado numa tradicional forma de narrativa romana, acrescendo aqueles elementos que o escritor considerava desejáveis, com o intuito de criar uma nobre história sobre o grupo reinante na Itália. Segundo observaram os estudiosos, o próprio Jordanes disse por escrito que "transformou a origem dos godos numa história romana" seguindo os passos de Cassiodoro, que também o teria feito da mesma maneira.

Não se conhece de todo qual foi o impacto da obra de Cassiodoro sobre a população em geral, mas ela decerto elevou a posição de Teodorico perante a elite. Independentemente de ser ele um membro da família Amalo (e independentemente de essa família ter realmente conquistado aquilo que afirmava a obra de Cassiodoro), ele passou a ser considerado um legítimo governante romano, em vez de um rei bárbaro. Zenão já estava morto quando Teodorico assassinou Odoacro - à época, no reinado do imperador Anastácio I, que, em 497 d.C., reconheceu oficialmente Teodorico como Rei dos Godos e dos Romanos.

Políticas e Programas

Embora fosse legítimo no papel e tivesse o reconhecimento formal do Império Romano do Oriente, Teodorico percebeu que precisava de mais do que isso para se estabelecer de forma segura no trono. Ele despachara uma de suas filhas, Teodegoda, para casar-se com o rei Alarico II dos visigodos em 494 d.C., e outra filha, Ostrogoda, para casar-se com Sigismundo dos burgúndios em 496 d.C. Teodorico, por seu turno, se casara com Audofleda, irmã do rei Clóvis I dos francos, logo após a sua vitória sobre Odoacro, em 493 d.C. Por meio dessas alianças, ele esperava formar um reino em que todos aqueles povos conhecidos pelos romanos como "tribos bárbaras" pudessem viver juntos pacificamente. A Enciclopédia Católica o comenta, afirmando:

Orgulhoso de sua nacionalidade goda, Teodorico acreditava ser possível reconciliar interesses romanos e germânicos. Para ele, o seu povo parecia equiparar-se ao povo romano na antiguidade de sua descendência e no renome militar. Além disso, ele percebeu que o seu poder se assentava unicamente na bravura dos godos. O seu reino parecia ser uma continuação do Império Romano, porém, na realidade, a sua política estava em direta e fundamental contradição com a concepção romana de que todas as nacionalidades individuais deveriam se perder dentro do Estado como um todo. Essa ideia de governo que visava à supressão das nacionalidades era combatida por Teodorico, que tinha um profundo respeito pela independência nacional, razão por que ele havia repetidamente pegado em armas para mantê-la. (1)

Palace of Theodoric Mosaic
Mosaico do Palácio de Teodorico
Nick Thompson (CC BY-NC-SA)

A sua corte incluía homens de todas as nacionalidades e, assim como fizera Odoacro, ele trabalhou diligentemente para manter a paz entre os seus súditos, sem favorecer o seu próprio povo em detrimento dos demais. O Édito de Teodorico (Edictum Theodorici) de 512 d.C. reformou as antigas leis para deixar claro que todos no reino teriam acesso aos mesmos direitos perante a lei, nesse caso, a lei criminal. Embora não soubesse ler ou escrever, ele foi um grande patrono da educação, apreciando discussões filosóficas e incentivando o povo à alfabetização - motivo pelo qual manteve na sua corte o filósofo Boécio (480-524 d.C.). Além disso, ele proveu entretenimentos regulares aos seus súditos, com o reavivamento dos espetáculos de circo em Roma, e iniciou um programa pelo qual os mais pobres recebiam fornecimentos gratuitos de milho.

Ele também empregou parcelas significativas da população nos seus programas de construção, segundo observa Collins:

O programa de Teodorico voltado para novas construções e para a restauração das já existentes era muito mais extensivo (que o de Odoacro) e incluía a criação ou o reparo de aquedutos, banhos públicos, muralhas urbanas e palácios - sendo estes últimos centros de administração, em vez de residências privadas - em várias cidades, incluindo Roma, Ravena, Verona e Pavia. (108)

As suas políticas concernentes à tolerância religiosa também fomentaram a paz entre os seus súditos e propiciaram o entendimento de que qualquer crença religiosa tinha o mesmo valor. Ao mesmo tempo, as suas habilidades diplomáticas asseguraram a paz com os reinos vizinhos.

O Declínio e a Morte de Teodorico

A despeito de todos esses sucessos, ele ainda assim teve de lidar com alguns desafios e reveses. Em 507 d.C., Clóvis I derrotou e matou Alarico II, aliado de Teodorico; depois, os francos se recusaram a intervir quando os burgúndios, que deveriam também ser aliados, começaram a fazer incursões contra a Itália vindo pela costa. Teodorico enviou as suas tropas contra os burgúndios para proteger o reino, chegando inclusive a expandir os seus territórios, em 513 d.C. Ele continuamente manipulava os seus supostos aliados na tentativa de manter a paz e, ao mesmo tempo, também reconhecia a importância de satisfazer Roma, mais ao leste. Dentre as suas demais preocupações, estava a incapacidade de produzir um herdeiro masculino para sucedê-lo, pois sabia que precisaria dele para que a sua dinastia fosse reconhecida pelas autoridades romanas.

Não conseguindo produzir esse herdeiro, ele nomeou como sucessor o seu neto Atalarico, que era filho de Amalasunta (filha de Teodorico) com o príncipe visigodo Eutarico. Este último morreu pouco tempo após o casamento, e Amalasunta permaneceu viúva, de modo que o jovem príncipe Atalarico fosse realmente a única opção restante, mas, para além disso, ao fazer essa nomeação, Teodorico trouxe o Reino Visigodo para o seu domínio, já que o príncipe deles passou a ser herdeiro do trono.

Sentindo-se mais seguro no poder, Teodorico parece ter passado por mudanças tanto na vida privada quanto na vida pública. Halsall escreve: "Ele cada vez mais adotava um estilo quase imperial. Teodorico não estava de todo isento desse tipo de postura antes no seu reinado, porém isso ficou mais nítido nas últimas fases, associado a uma mudança de ideologia" (290). Parte dessa mudança ideológica foi uma adesão mais estrita ao seu próprio Arianismo, em detrimento dos trinitários.

O imperador Anastácio I morreu em 518 d.C. e foi sucedido inicialmente por Justino I (r. 518-527 d.C.) e depois por seu jovem sobrinho Justiniano I (r. 527-565 d.C.). No reinado de Justino, Justiniano teve um papel ativo na política, sobretudo na perseguição perpetrada contra os cristãos arianos em Constantinopla. Justiniano I era trinitário e considerava o Arianismo uma heresia e um perigo à "verdadeira Igreja". Em resposta, Teodorico deu início à sua própria perseguição contra os trinitários na Itália, o que, evidentemente, gerou tensões entre o seu reino e Constantinopla.

No ano 523 d.C., o ex-cônsul Albino foi acusado de traição por supostas correspondências com o imperador Justino. O filósofo Boécio saiu em sua defesa e também acabou sendo acusado e depois executado; o seu padrasto Símaco em breve seguiria o mesmo caminho. O expurgo dos católicos trinitários, sem dúvidas, teria se intensificado, mas a saúde de Teodorico começou a definhar até que ele morresse em 526 d.C., após um reinado de 30 anos.

Mausoleum of Theodoric, Ravenna
Mausoléu de Teodorico, Ravena
F. Tronchin (CC BY-NC-SA)

Repercussão e Legado

Após a sua morte, o seu neto Atalarico deveria sucedê-lo, porém, como ele tinha apenas dez anos de idade à época, não poderia governar; por esse motivo, a filha de Teodorico, Amalasunta (c. 495-535 d.C.), assumiu o trono na condição de regente. Mostrando apreço pelas sensibilidades e cultura romanas, ela confiou o próprio filho a tutores romanos, que se aproveitaram dessa posição para introduzir o príncipe no consumo excessivo de álcool, o que, segundo dizem, contribuiu para a sua morte precoce em 534 d.C.; entre 534 e 535 d.C., Amalasunta reinou na condição de rainha.

Ela já havia aberto negociações com Justiniano I em Constantinopla para tentar assegurar a sua posição, mas não recebeu uma resposta satisfatória. Dessa forma, a rainha convocou um confiável primo do sexo masculino, Teodato, para se juntar a ela, e este prontamente veio. No entanto, Amalasunta foi depois presa e exilada numa propriedade na ilha de Martana, onde, por ordens de Teodato, foi estrangulada pelos criados durante o banho, em 535 d.C.

O genro dela, Witigis (também conhecido como Vitiges), então, rebelou-se contra Teodato, assassinando-o e tornando-se rei em 536 d.C. Ele governou a Itália até a sua derrota e consequente captura por Belisário em 540 d.C. Após a vitória de Belisário sobre Vitiges, os godos desejavam coroá-lo como seu novo rei, mas ele, por ser leal ao imperador Justiniano I, enganou os cabeças do movimento, fingindo aceitar-lhes a proposta, e depois mandou prender a todos eles. Belisário, então, reivindicou toda a Itália para Justiniano I e para o Império Romano do Oriente.

Embora Teodorico não tenha conseguido manter as suas políticas de tolerância religiosa nem fazer valer a sua experiência diplomática no trato com Constantinopla, ele ainda assim é lembrado como "o Grande" pelo esforço de transformar a população sob seu domínio num único povo e por, essencialmente, reconstruir a Itália - plantando árvores, cultivando os campos, construindo novos edifícios e mantendo os inimigos a uma distância segura. A sua visão de um reino unificado composto por nacionalidades independentes vivendo harmoniosamente sob uma única autoridade foi revolucionária para a época.

Nem mesmo Alexandre, o Grande, que, na maioria das vezes, permitia às regiões conquistadas manter certo grau de autonomia desde que apoiassem a sua causa, fomentou o tipo de orgulho nacional permitido aos povos sob domínio de Teodorico. Durante 30 anos de reinado, o rei unificou os godos e os romanos, manteve a paz e trabalhou pelo bem-estar do reino, fazendo a Itália ascender das ruínas à estabilidade e depois à prosperidade e ao luxo.

Ele foi enterrado com todas as honras no seu mausoléu em Ravena, que, embora tenha sido mais tarde profanado após a vitória de Belisário sobre os godos em 540 d.C., foi restaurado e ainda se encontra de pé na cidade, nos dias atuais. Teodorico é lembrado como "o Grande" pela sua revitalização da Itália e pelos seus esforços de governar uma população diversificada sem tentar assimilar uma cultura à outra.

O seu legado continua nos dias atuais na figura de um grande rei que soube governar sabiamente o seu povo, visando a um reino unificado composto por populações diversas, porém iguais em direitos. A sua posterior perseguição contra os cristãos trinitários se atribui a uma reação emocional às políticas antiarianas de Justiniano em Constantinopla, e não a uma clara e premeditada política de discriminação. A sua memória continua a ser honrada pela visão que ele tinha e pelos seus esforços de torná-la realidade.

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Sobre o tradutor

Rogério Cardoso
Rogério Cardoso nasceu em Manaus, Brasil, onde inicialmente obteve um grau em Letras Portuguesas, e mais tarde se mudou para São Paulo, onde obteve um grau de mestre em Filologia Portuguesa. Ele é um entusiasta da História.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Joshua J. Mark é cofundador e diretor de conteúdos da World History Encyclopedia. Anteriormente, foi professor no Marist College (NY), onde lecionou história, filosofia, literatura e redação. Ele viajou bastante e morou na Grécia e na Alemanha.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2014, outubro 09). Teodorico, o Grande [Theodoric the Great]. (R. Cardoso, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-725/teodorico-o-grande/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "Teodorico, o Grande." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. Última modificação outubro 09, 2014. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-725/teodorico-o-grande/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "Teodorico, o Grande." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 09 out 2014. Web. 22 nov 2024.