Islamismo

Definição

Syed Muhammad Khan
por , traduzido por Bernardo R. Carvalho
publicado em 25 novembro 2019
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol, Turco
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Gates of the Prophet's Mosque, Medina (by AishaAbdel, CC BY-SA)
Portões da Mesquista do Profeta, em Medina
AishaAbdel (CC BY-SA)

O Islã é uma religião monoteísta abraâmica baseada nos ensinamentos do profeta Muhammad ibn Abdullah (570-632 d.C., [conhecido em português como Maomé] e após seu nome os muçulmanos tradicionalmente acrescentam: “que a paz esteja com ele”). Ao lado do Cristianismo e do Judaísmo, o Islamismo é também um desdobramento dos ensinamentos de Abraão (apresentado nas escrituras judaicas e cristãs, e considerado um profeta no Islã, e após seu nome os muçulmanos dizem, igualmente, "que a paz esteja com ele"), mas difere de ambos em alguns aspectos. Os adeptos do Islamismo são chamados de muçulmanos, dos quais existem cerca de dois bilhões no mundo hoje, perdendo em número apenas para os cristãos.

Após criarem raízes na Península Arábica, os seguidores de Maomé conseguiram conquistar as superpotências da época: o Império Sassânida e o Império Bizantino. Em seu auge (no ano de 750), o Império Islâmico se estendia entre o atual Paquistão, a leste, e ao Marrocos e à Península Ibérica, a oeste. Embora inicialmente tendo-se expandido por meio das conquistas, o Islã floresceria depois por meio do comércio, expandindo-se para além de suas fronteiras iniciais e ao redor do mundo. Atualmente, é a religião que mais cresce no planeta.

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A Missão do Profeta

O profeta Maomé nasceu no ano 570. Ele era membro do clã Coraixita, de Banu Hashim, um grupo bastante respeitado, apesar de sua declinante riqueza. Órfão em tenra idade, foi criado por seu tio Abu Talib, que, segundo dizem, amava-o ainda mais do que a seus próprios filhos. Maomé se tornou comerciante e era conhecido por sua honestidade (o que era uma característica rara na Arábia daquela época), atraindo assim a atenção de uma viúva rica chamada Cadija, que enviou-lhe uma proposta de casamento, aceita por ele, apesar dela ser 15 anos anos mais velha (Maomé tinha 25 anos na época). O apoio de Cadija a Maomé foi fundamental para que o Profeta cumprisse sua missão.

Maomé começou a pregar a unidade de Deus para sua família e amigos mais próximos, e depois, para o público geral.

Quando próximo de seus quarenta anos, ele começou a adorar a Deus em reclusão, em uma caverna chamada Hira, na montanha Jabal al-Nour (“Montanha da Luz”), perto da cidade de Meca. Diz-se que um dia, no ano de 610, o anjo Gabriel aproximou-se dele com a primeira revelação de Deus - Alá (que significa “o Deus”). Maomé, a princípio, teria reagido negativamente à revelação - perplexo e assustado, voltou correndo para casa, tremendo de medo - mas, depois, percebeu que era um profeta de Deus.

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Maomé começou a pregar a unidade de Deus para sua família e amigos mais próximos, e depois, para o público geral. A Arábia era politeísta na época e, portanto, a pregação de Maomé de um único deus o colocou em conflito com os habitantes de Meca, cuja economia dependia do politeísmo (os mercadores vendiam estatuetas, figuras e amuletos dos vários deuses) e da estratificação social nele baseada. Os habitantes de Meca tomaram sérias medidas para impedi-lo, mas ele continuou a pregar a nova fé, já que entendia que devia a Deus que o fizesse. No ano de 619, ele perdeu seu tio Abu Talib e sua esposa Cadija (uma data conhecida pelos muçulmanos como O Ano da Dor), e passou a sentir-se solitário e profundamente angustiado, o que se agravou pela perseguição que sofreu em Meca.

Entrance to the Cave of Hira
Entrada da Caverna de Hira
User Nazli (Public Domain)

Em seu socorro, em 621, alguns cidadãos de Yathrib (mais tarde conhecida como Medina), que aceitaram o Islã, convidaram o Profeta e seus seguidores para irem à sua cidade. Em 622 Maomé fugiu de Meca para escapar das conspirações contra sua vida (uma fuga conhecida como Hégira, que marca o início do calendário muçulmano), e foi para Yathrib. Na cidade, admirava-se seus ensinamentos e quiseram que o profeta atuasse como seu governante. Maomé encorajou seus seguidores em Meca a migrarem para Yathrib, e eles o fizeram em bandos. Apenas depois que a maioria de seus companheiros já havia partido, ele migrou com um amigo de confiança (e futuro sogro), chamado Abu Bakr (573-634) [em português, Abacar].

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A partir de sua terra nova, os muçulmanos agora queriam contra-atacar aqueles que os haviam perseguido. Eles começaram a conduzir ataques regulares, ou “Razzias”, a caravanas de comércio de Meca. Tecnicamente, estes ataques constituíam atos de guerra; a economia de Meca foi abalada, e eles decidiram acabar com os muçulmanos definitivamente. Os muçulmanos enfrentaram um ataque dos habitantes de Meca na Batalha de Badr (624), na qual 313 deles derrotaram um exército de cerca de 1.000 homens de Meca; alguns atribuem essa vitória à intervenção divina, e outros ao gênio militar de Maomé.

Após a vitória em Badr, os muçulmanos, mais do que apenas um grupo de seguidores de uma nova religião, tornaram-se uma força militar considerável. Vários enfrentamentos se seguiram entre os muçulmanos e outras tribos árabes, com grande êxito dos muçulmanos. No ano de 630, as portas de Meca, a cidade da qual eles haviam fugido em pânico uma década antes, foram abertas ao exército muçulmano. Meca estava agora nas mãos dos muçulmanos e, contra todas as expectativas, Maomé ofereceu anistia a todos aqueles que se rendessem e aceitassem sua fé.

View of Mecca and the Sacred Mosque, 1900 CE
Vista de Meca e da Mesquita Sagrada, em 1900
World Digital Library (Public Domain)

Quando morreu, em 632, Maomé era o líder político e religioso mais poderoso da Arábia. A maioria das tribos já havia se convertido ao Islamismo e a ele jurado lealdade. Ele morreu em sua própria casa, em Medina, e lá mesmo foi sepultado. O local depois foi convertido em uma tumba chamada de “Roza-e-Rasool” (Tumba do Profeta), que fica ao lado da famosa “Masjid al-Nabwi” (Mesquita do Profeta) em Medina, e é visitada por milhões de muçulmanos todos os anos. O acadêmico J.J. Saunders comenta sobre o Profeta do Islamismo em sua obra Uma história do Islã medieval:

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Sua devoção era sincera e natural, e sua crença honesta na verdade de seu chamado só pode ser negada por aquele que estiver preparado para afirmar que um impostor suportou conscientemente por dez ou doze anos a ridicularização, o abuso e a privação, ganhou a confiança e o afeto de homens dignos e inteligentes, e desde então tem sido reverenciado por milhões como o principal instrumento da revelação de Deus ao homem. (34)

As revelações que afirma-se terem sido dadas a Maomé pelo anjo Gabriel foram memorizadas por seus seguidores e, poucos anos após sua morte, foram escritas como o Alcorão ("o ensinamento" ou "a declamação"), o sagrado livro do Islã.

Alcorão, Suna e Hádice

De acordo com os muçulmanos, os versos do Alcorão, ditados pelo anjo a Maomé, são as palavras de Deus e a revelação final da verdade divina à humanidade. Após a morte de Maomé, essas revelações foram compiladas na forma de um livro por seu sogro Abacar (que reinou entre 632 e 634 como o primeiro califa - o sucessor da missão e império do Profeta), a fim de preservá-las para gerações futuras. Durante a vida do Profeta, estas revelações haviam sido escritas individualmente em pergaminhos ou outros materiais, e depois foram organizadas na sequência ditada pelo Profeta para formar o Alcorão. Os muçulmanos memorizavam os versos e os declamavam (por isso, uma das traduções do Alcorão é “a declamação”). Mais tarde, notando-se que diferentes muçulmanos estavam recitando os versos em diferentes dialetos, um projeto de padronização foi realizado para preservar as palavras da mensagem do Profeta.

Os adeptos ainda são encorajados a aprender o Alcorão no original.

Foi tomado um extremo cuidado para evitar qualquer adulteração do texto. Esta tarefa foi iniciada ainda com relutância pelo sucessor imediato do império de Maomé - o califa Abacar (que tinha receio de realizar algo que o Profeta não havia feito) e foi finalizada no reinado do terceiro califa - Uthman ibn Affan ([em português, Otomão], que reinou entre 644 e 656). Para os muçulmanos, o Alcorão só pode ser compreendido corretamente quando lido - ou ouvido - na língua original. Embora traduções precisas sejam consideradas aceitáveis ​​por certas seitas, os adeptos ainda são encorajados a aprender o Alcorão no original.

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Depois do Alcorão, uma importante fonte de orientação para os muçulmanos é a vida do Profeta: seus caminhos (Suna) e seus ditos (Hádice); ambos atuam como um suplemento ao texto do Alcorão. O Alcorão é considerado a Palavra de Deus, como observado anteriormente, mas os muçulmanos também encontram segurança e orientação ao aprender como Maomé teria se comportado em certas situações e, para isso, a Suna e o Hádice são importantes.

Calligraphy of Abu Bakr
Caligrafia de Abacar
Petermaleh (CC BY-SA)

Por exemplo, o Alcorão enfatiza repetidamente: “estabelecer a oração e pagar as esmolas”, mas pode-se perguntar, como? A resposta está na Suna e no Hádice, que deixam claro que se deve simplesmente fazer da maneira que o Profeta fez e agir como o Profeta instruiu. Na verdade, em muitos casos, o Alcorão declara: “Obedeça a Alá (Deus) e obedeça ao seu Profeta” (o que enfatiza a importância da Suna e do Hádice). O Hádice, assim como os versos do Alcorão, foi compilado, mas foi mantido separado do Alcorão, de novo para evitar qualquer tipo de adulteração das revelações divinas. A acadêmica Tamara Sonn explica a importância desses elementos em seu livro Islã - Uma breve história:

Sendo a palavra de Deus, ela (o Alcorão) é co-eterna com Deus... O público geral da escritura é a humanidade como um todo... Os muçulmanos acreditam que o Alcorão reitera, confirma e completa essas escrituras anteriores (Torá, Salmos e Evangelho), conclamando todas as pessoas a lembrar e respeitar as verdades nelas carregadas... Juntos, o Alcorão e o exemplo (chamado de Suna) dado pelo Profeta Maomé constituem a orientação de que os muçulmanos precisam em sua responsabilidade coletiva de estabelecer a justiça. (linhas citadas na página 2 e seguintes)

O Alcorão, portanto, fornece aos seguidores a Palavra de Deus, enquanto a Suna e o Hádice dão orientação sobre como alguém observa essa palavra e inclui seus preceitos na vida cotidiana.

Os pilares do Islamismo

Os atos de adoração no Islamismo, ou os “pilares” sobre os quais repousa sua fundação, são os deveres formais que todas as pessoas que o escolhem como seu caminho devem reconhecer e cumprir. Os Cinco Pilares do Islamismo são:

  • Shahada (testemunho)
  • Salat (oração cinco vezes ao dia)
  • Zakat (esmolas/tributos pagos para ajudar os outros)
  • Saum (jejum durante o Ramadã)
  • Haje (peregrinação a Meca pelo menos uma vez na vida)

O primeiro pilar - Shahada - é essencial para qualquer um se tornar muçulmano; é o reconhecimento da unidade de Alá (Deus) em todos os atributos, e é comumente expresso na frase: “Não há ninguém digno de adoração, exceto Alá (Deus), e Maomé é o Profeta de Alá”.

O conceito de Deus no Islamismo afirma que ele está além de todas as imaginações (o pronome “ele” é meramente uma conveniência para o nosso uso, e de forma alguma indica qualquer um de seus atributos) e é o ser mais supremo; seu é tudo o que há no universo, e tudo se submete à sua vontade; portanto, os seres humanos devem viver em paz. De fato, a palavra “Islã” significa literalmente “submissão”, isto é, submissão à vontade de Deus.

Name of Allah in Arabic Calligraphy
Nome de Alá em Caligrafia Árabe
Adam Kliczek (CC BY-SA)

O segundo pilar são as orações diárias - Salah - que devem ser oferecidas cinco vezes ao dia. Os homens são obrigados a oferecer essas orações em congregação em locais de culto islâmico especiais chamados Masjid (as mesquitas), enquanto as mulheres podem orar em casa. O projeto básico das mesquitas varia em cada lugar e, na maioria dos casos, muitos elementos da arquitetura local são nelas introduzidos (por exemplo, a Mesquita Azul de Istambul baseia-se em muitas características arquitetônicas da famosa catedral Hagia Sophia). As áreas de uma mesquita são divididas entre os fiéis masculinos e femininos, e entre os o imãs que dirigem o culto de adoração.

O terceiro pilar - Zakat - é a doação de esmolas que devem ser pagas por todas as pessoas elegíveis (indivíduos que possuem uma certa quantidade de riqueza que não está atualmente em seu uso) uma vez por ano para companheiros muçulmanos desprivilegiados (embora outros atos de caridade sejam também aplicáveis para não-muçulmanos, o zakat é reservado apenas para os fiéis islâmicos). Os não-muçulmanos (conhecidos como dhimmi - pessoas protegidas) foram por muito tempo obrigados a contribuir com o imposto conhecido como jizya, mas essa política já foi abolida em muitos países muçulmanos desde o início do século XX.

Prophetic Mosque in Medina, Ottoman Era
Mesquita do Profeta em Medina, na Era Otomana
Unknown (GNU FDL)

O quarto pilar - Saum - é o jejum durante o mês islâmico do Ramadã (o nono mês do calendário islâmico). Durante o período de jejum, o fiel deve se abster de comer, beber e de todos os prazeres mundanos, e devotar tempo e atenção a Deus. O Ramadã encoraja os fiéis a se aproximarem de Deus e a examinarem suas prioridades e valores na vida; privar-se de alimentação e outras distrações é algo voltado para o foco completo na atenção ao divino.

O quinto pilar - Haje - é a peregrinação anual à Ka'aba [Caaba], a Qiblah dos muçulmanos (a direção em que eles oram - em sinal de unidade) em Meca. A Haje só é obrigatória uma vez na vida de uma pessoa, e somente se ela puder pagar e tiver forças para fazer a jornada. Se não for possível ir, deve-se pelo menos expressar o desejo sincero de fazê-lo e, se possível, contribuir para a peregrinação de outra pessoa.

Propagação do Islamismo

Como já observado, Meca foi a cidade que originalmente rejeitou Maomé e sua mensagem, mas que, mais tarde, tornou-se o coração da fé (pois abriga a Caaba), enquanto Medina, a cidade que acolheu o Profeta quando ninguém mais o fez, tornou-se a capital do império. A Arábia se encontrava na encruzilhada do Império Persa Sassânida (224-651) e do Império Bizantino (330-1453). Como essas duas superpotências estavam quase constantemente em guerra, com o tempo, o povo da Arábia sofreu com a perturbação da região ao seu redor e, uma vez unida sob a fé islâmica, lançou uma invasão em grande escala sobre ambos os impérios para viabilizar a expansão do Islamismo. O acadêmico Robin Doak explica em seu livro O império do mundo islâmico:

Os bizantinos competiam pelo controle do Oriente Médio. O Império Sassânida, ou Persa, dominava áreas a sudeste de Bizâncio (atual Istambul)... Estes dois impérios estavam constantemente em guerra entre si... Para pagar por estas guerras, os dois impérios impuseram pesados ​​impostos sobre os cidadãos sob seu controle. Estes impostos, junto a outras restrições, causaram inquietação nas terras sassânidas e bizantinas, especialmente entre as tribos árabes que viviam nas periferias dos dois impérios. (6)

Os árabes originalmente tinham uma natureza tribal e careciam de unidade. Essas tribos precisavam ser unidas em prol de estabilidade, e o Islamismo tornou-se o meio para tal. Após a morte do Profeta Maomé em 632, a liderança da Ummah (comunidade) muçulmana foi herdada por Abacar, que assumiu o título de califa (sucessor do Profeta). Em seu breve reinado de dois anos (632-634), ele uniu toda a Península Arábica sob a bandeira islâmica (já que a maioria das tribos abandonou a comunalidade), e então enviou exércitos para expandir seu domínio sobre ainda outras tribos árabes, que viviam sob domínio bizantino e sassânida. Estas campanhas foram tão rápidas e bem-sucedidas que, na época do terceiro califa, Otomão, todo o Egito, Síria, Levante e o que antes era a maior parte do Império Persa Sassânida agora estava nas mãos dos muçulmanos, e todas as tentativas de recuperar o território perdido foram derrotadas com a ajuda dos habitantes locais, que em sua maioria aceitaram o domínio muçulmano.

O quarto e último dos “califas corretamente guiados” (como os primeiros quatro são chamados pelos muçulmanos sunitas), foi Ali ibn Abi Talib (reinou entre 656 e 661). Ali passou a maior parte de seu governo em constantes lutas civis e a expansão foi interrompida. Após sua morte, em 661, ele foi sucedido por Moáuia I (reinou entre 661 e 680), que fundou a Dinastia Omíada. Moáuia I declarou seu filho, Yazid I ([ou, Iázide I] reinou entre 680 a 683), seu sucessor, mas isso foi contestado pelo filho de Ali (neto de Maomé) Hussayn ibn Ali ([ou, Haçane ibne Ali] 626-680). O fraco exército de Hussayn foi derrotado na Batalha de Karbala em 680 pelas tropas de Yazid, na qual ele também foi morto; outras revoltas foram igualmente esmagadas uma a uma, e os califas da Dinastia Omíada continuaram a expansão militar.

Expansion of Early Islamic Caliphates
Expansão dos Primeiros Califados Islâmicos
DieBuche (Public Domain)

No final da Dinastia Omíada (em 750) haviam sido adicionadas ao império a Transoxiana, partes do atual Paquistão, todo o norte da África e a Península Ibérica (também conhecida como Al Andalus - a terra dos vândalos). Durante o governo dos abássidas (750-1258), alguns ganhos territoriais menores foram feitos, mas a tendência de conquistas rápidas anteriores por meio de avanços militares acabou. Essa tendência foi revivida pelo Sultanato Otomano (1299-1922), que mais tarde adotou o título de Califado do Mundo Islâmico.

A Anatólia e o coração do Império Bizantino - Constantinopla - foram conquistados pelos otomanos em 1453, que então fecharam as rotas comerciais conhecidas como Rota da Seda (que eles então passaram a controlar), forçando as nações europeias a buscarem outras fontes para os bens aos quais haviam se acostumado, e assim lançando a chamada Era dos Descobrimentos, que fez as nações europeias zarparem seus navios para ao redor do planeta, assim “descobrindo” o chamado Novo Mundo. De acordo com alguns estudiosos, no entanto, o Novo Mundo já havia sido alcançado pelo explorador muçulmano chinês Zheng He (1371-1435) em 1421 (embora esta afirmação seja contestada). A Era dos Descobrimentos (também conhecida como Era das Explorações) abriu o mundo, para o bem e para o mal, levando povos de diversas culturas a terem contato uns com os outros em uma escala muito maior do que antes.

As conquistas militares dos otomanos também levaram à expansão do Império Islâmico, mas nesta altura a fé espalhou-se tanto pela conquista como pelo comércio, como é apontado por Ruthven e Nanji, no Atlas histórico do Islã:

O Islamismo expandiu-se por meio da conquista e da conversão. Embora por vezes seja dito que a fé islâmica foi espalhada pela espada, ambas não se confundem. O Koran (grafia arcaica para o Alcorão) afirma inequivocamente, [na Sura 2:256], “Não há coerção na religião”. (30)

Embora o Alcorão tenha vários versos contrários à conversão forçada, é inegável que o islamismo espalhou-se inicialmente por meio das conquistas militares. A maioria das populações locais das terras recém-conquistadas aderia a suas crenças anteriores; algumas se converteram por livre decisão, mas também houve vários casos de conversões forçadas (o que, ironicamente, é considerado uma prática não-islâmica). No tempo dos otomanos, no entanto, foi sobretudo o comércio que levou a fé para além das fronteiras, pois muitos pregadores se misturavam às populações locais e estrangeiras, espalhando a fé por meio das excursões.

O Cisma Islâmico: Sunitas e Xiitas

Apesar disso, desde muito cedo o Islamismo não foi uma fé completamente unificada em toda sua extensão. Após a morte do Profeta Maomé em 632, seus seguidores se debateram sobre quem deveria sucedê-lo. Foi decidido, logo após a morte de Maomé, que Abacar deveria se tornar seu sucessor - seu califa. Outro grupo, porém, pressionou para que Ali, primo e genro do Profeta, o sucedesse. A vez de Ali de fato viria, como o quarto califa, mas seus seguidores - Shia't Ali (adeptos de Ali) afirmaram que ele era o sucessor legítimo de Maomé e, mais tarde, afirmariam que seus três califas predecessores eram, na verdade, usurpadores; estes seguidores de Ali são os muçulmanos xiitas.

A maioria dos muçulmanos, no entanto, afirmava que Abacar, Umar ibn al-Khattab ([em português, Omar] que reinou entre 634 e 644) e Otomão eram sucessores legítimos de Maomé, como Ali, e os consideram legítimos; esses muçulmanos são conhecidos como sunitas (seguidores da Suna, ou, do caminho de Maomé). Inicialmente, ambos eram grupos meramente políticos, mas depois se transformaram em diferenças religiosas.

Battle of Karbala
Batalha de Karbala
Andreas Praefcke (Public Domain)

As crenças básicas destas seitas são quase idênticas, com a exceção central sendo o conceito dos imãs. Os sunitas consideram os imãs os guias, ou, professores, que orientam os muçulmanos ao longo do caminho do Islamismo (e é a pessoa que lidera a congregação durante as orações), sendo o mais famoso deles o Imã Abu Hanifa - fundador da escola Hanafi de pensamento islâmico sunita. Por outro lado, os xiitas consideram os imãs como um elo de ligação entre Deus e os humanos (um semidivino), e consideram dignos deste título apenas os descendentes de Maomé por parte de Ali e Fátima (filha do Profeta), e posteriormente apenas os descendentes de Ali (com outras esposas), como o Imã Hussayn [ou, Huceine], filho de Ali, que foi morto pelo exército Omíada na Batalha de Karbala em 680.

A perda de Huceine é lamentada pelos muçulmanos xiitas anualmente no festival de Ashura, que é criticado por muçulmanos sunitas que rejeitam as reivindicações xiitas sobre o papel do imã e, embora respeitem Huceine e considerem trágica sua morte, eles não o consideram como semidivino, como fazem os xiitas.

À parte esta divisão, e algumas outras diferenças teológicas, as duas seitas são quase iguais; mesmo assim, seus adeptos têm sido rivais por quase todo o tempo que existiram, como exemplificado pela rivalidade entre a Dinastia Abássida Sunita e os Fatímidas Xiitas, e entre os Otomanos Sunitas e os Safávidas Xiitas, etc.

O Legado do Islamismo

Apesar do recurso precoce à conquista para espalhar a fé, e da violência sectária que persistiu entre sunitas e xiitas, o Islamismo contribuiu muito para a cultura mundial desde seu nascimento. O renascimento europeu nunca teria acontecido se as obras dos eruditos clássicos romanos e gregos não tivessem sido preservadas pelos muçulmanos. Para citar apenas um exemplo, as obras de Aristóteles - tão fundamentais para desenvolvimentos posteriores em tantas disciplinas - teriam se perdido se não tivessem sido preservadas e copiadas por escribas muçulmanos. As obras do polímata muçulmano Avicena (c. 980-1037) e do erudito Averróis (1126-1198) não apenas preservaram a obra de Aristóteles, mas a sofisticaram por meio de seus comentários brilhantes e, portanto, eles espalharam o pensamento aristotélico por meio de suas próprias obras. Avicena escreveu o primeiro livro coletivo sobre medicina - o Al- Qanun fi-al-Tib (Cânone de Medicina), que era muito mais preciso do que os textos europeus sobre o assunto na época.

Al-Khwarizmi (c. 780-850), o brilhante astrônomo, geógrafo e matemático, desenvolveu a álgebra, e Al- Khazini (século XI) desafiou e encorajou modificações no modelo ptolomaico do universo. O café, provavelmente a bebida mais popular do mundo hoje, foi desenvolvido por monges sufistas muçulmanos no Iêmen no século XV, e foi apresentado ao mundo por meio do porto de Mocha, no Iêmen (associando assim a palavra “mocha” ao café).

Estudiosos, poetas, escritores e artesãos islâmicos contribuíram para o desenvolvimento de praticamente todas as áreas da cultura mundial e continuam a fazê-lo nos dias de hoje. É lamentável que atualmente, no mundo ocidental, o Islamismo seja frequentemente associado à violência e ao terrorismo, porque em sua essência o Islã é uma religião de paz e compreensão. Os muçulmanos ao redor do mundo, constituindo um terço da população mundial, seguem - ou pelo menos tentam seguir - o caminho da paz que Maomé os revelou há 14 séculos, e seu legado de compaixão e dedicação ao divino e ao bem maior continua até hoje na forma de seus seguidores.

Nota do autor: Grato reconhecimento a Joshua J. Mark, por sua ajuda na preparação deste artigo.

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Sobre o tradutor

Bernardo R. Carvalho
Historiador brasileiro, doutorando e tradutor freelance.

Sobre o autor

Syed Muhammad Khan
Muhammad é biólogo, entusiasta de história e escritor freelancer. Ele tem contribuído ativamente à seção de história islâmica da Enciclopédia desde 2019.

Citar este trabalho

Estilo APA

Khan, S. M. (2019, novembro 25). Islamismo [Islam]. (B. R. Carvalho, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-731/islamismo/

Estilo Chicago

Khan, Syed Muhammad. "Islamismo." Traduzido por Bernardo R. Carvalho. World History Encyclopedia. Última modificação novembro 25, 2019. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-731/islamismo/.

Estilo MLA

Khan, Syed Muhammad. "Islamismo." Traduzido por Bernardo R. Carvalho. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 25 nov 2019. Web. 20 nov 2024.