A Construção Naval e Navegação Romana

Artigo

Victor Labate
por , traduzido por Wesley G P Gomes
publicado em 06 março 2017
Disponível noutras línguas: Inglês, francês
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Diferente de como é feito atualmente, onde a construção naval é baseada na ciência e navios são construídos usando computadores e ferramentas sofisticadas, a construção naval na Roma antiga era muito mais uma arte do que uma engenharia, baseada mais em regras gerais, em técnicas hereditárias e na experiencia dos construtores. Tradicionalmente, os Romanos não eram marinheiros e sim, majoritariamente, um povo terrestre que aprendeu a construir navios através da conquista de outro povos, em especial os Cartagineses (e seus predecessores Fenícios), os Gregos e os Egípcios.

Ship Relief, Saguntum
Alto-relevo de Navio, Sagunto
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Existem poucos documentos remanescentes da época que nos fornecem descrições e representações dos mastros, velas e cordames dos navios romanos. Embarcações escavadas também fornecem algumas pistas sobre as antigas técnicas de construção naval. Estudos dessas escavações e documentos nos mostrou que os construtores navais na Roma antiga primeiro começavam pelo casco externo, depois o cavername [as “costelas” do navio] e por fim o restante do navio. As tábuas usadas para construir o casco externo eram inicialmente costuradas juntas e a partir do século 6 a.C., elas passaram a serem unidas através da técnica de encaixe e espiga. Começando do século 1 a.C., construtores navais do Mediterrâneo mudaram de técnica e passaram a utilizar um método que ainda é utilizado atualmente, e consiste primeiro em construir o cavername e depois continuar com o casco e o restante dos componentes do navio. Este método era muito mais sistemático e diminuiu dramaticamente o tempo de construção.

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Feitos para Guerra

A marinha romana virou a maior e mais poderosa força maritima do Mediterrâneo, que eles passariam a chamar de Mare Nostrum (“Nosso Mar”)

Os Navios de Guerra eram construídos para serem leves, rápidos, facilmente manobráveis e deviam ser capazes de viajar próximos da costa, exemplificado pela falta de lastro, e eram construídos na relação comprimento-largura de casco submerso em 6:1 ou 7:1. E mesmo depois de serem bastante danificados, eles continuavam flutuando após uma batalha naval. O aríete era normalmente de bronze e era usado para penetrar o casco ou quebrar os remos dos navios inimigos. Os navios de guerra usavam tanto a energia do vento quanto humana (remadores) e eram, portanto, bastante rápidos.

Antes da Primeira Guerra Punica, que durou 23 anos (264-241 a.C.), os Romanos tinham bem poucos navios de guerra. Inclusive, em 311 a.C., um comitê foi criado para planejar a construção de uma marinha Romana. Na época, os Romanos tinham apenas 20 navios de guerra, todos trirremes, enquanto que Cartago, com a maior marinha do mundo, tinha centenas, dos muito maiores, quinquerremes. Acredita-se que os Romanos copiaram um quinquerreme cartaginês que havia encalhado quando tentava bloquear a passagem de navios romanos para a Sicília. Os Romanos conseguiram construir 100 quinquerremes que, diferente do cartaginês, eram mais pesados e menos manobráveis. Eventualmente, a marinha romana iria se tornar a maior e mais poderosa marinha do Mediterrâneo, que eles passariam a chamar de Mare Nostrum (“Nosso Mar”).

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Praetorian Galley
Galé Pretoriana
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Haviam diversos tipos de navios de guerra. O trirreme (vindo do latim "triremis", “com três bancos de remos”) foi o tipo que dominou do século 7 até o século 4 a.C. Ele tinha três fileiras de remos com remadores nas fileiras superiores, intermediárias e inferiores, e aproximadamente 50 remadores em cada linha. Os remadores na fila inferior tinham a posição mais desagradável, uma vez que eles ficavam abaixo das outras fileiras e eram expostos a água que entrava pelos buracos dos remos. É válido notar que diferente da percepção popular, os remadores não eram escravos e sim, em sua maioria, cidadãos romanos que haviam se alistado.

O trirreme foi substituído pelos, muito maiores, quadrirreme e quinquerreme. O quadrirreme tinha quatro fileiras de remadores enquanto que o quinquerreme tinha cinco. De acordo com Políbio, os quinquerremes romanos tinha um total de 300 remadores com 90 remos em cada lado. Tinham a proporção de 45m de comprimento por 5m de largura e pesavam cerca de 100t. Esses navios eram melhores que o trirreme em todos os quesitos, com melhor performance durante o mau tempo e bem mais rápidos".

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Roman Naval Vessel
Embarcação Naval Romana
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Feitos para o Comércio

Os Navios Mercantes eram construídos para transportarem grandes volumes de carga sobre longas distancias a um custo razoável, portanto, velocidade e manobrabilidade não eram uma prioridade. Esses navios tinha a relação comprimento-largura de casco submerso em 3:1, entabuamento duplo e um lastro para aumentar a estabilidade. Bem diferente dos navios de guerra que tinham boa parte dos seus cascos (com formato de V) submersos e, dessa forma, não podiam viajar muito próximos da costa. Normalmente, os navios mercantes tinham dois enormes lemes laterais (ou remos de direção) situados na popa e eram controlados por uma pequena barra de controle conectada a um sistema de cabos. Eles variavam de um a três mastros com grandes velas quadradas e uma pequena vela triangular chamada de supparum na proa. Assim como os navios de guerra, navios mercantes também usavam remadores.

Normalmente os navios mercantes romanos tinham uma capacidade de carga entre 100t e 150t (150t sendo a capacidade de um navio carregando 3.000 ânforas). Os navios menores tinham uma capacidade de 70t enquanto que os maiores podiam chegar a ter 600t com um comprimento de cerca de 46m. Como carga eram incluídos produtos agrícolas (grãos vindos do Vale do Nilo, vinho, óleo, etc.), matérias-primas (barras de ferro, cobre, lingotes de chumbo, mármore e granito) e outros tipos de produtos. Com o colapso do Império Romano, até o século 16 d.C. nenhum outro navio com a mesma capacidade de carga dos navios romanos voltou a ser construído.

Roman Mosaic Showing the Transport of an Elephant
Mosaico Romano mostrando o transporte de um elefante
Carole Raddato (CC BY-SA)

Navegação na Roma Antiga

Da mesma forma que a construção naval, a navegação na Roma Antiga não tinha como depender do uso de instrumentos sofisticados como a bussola ou o GPS, e, portanto, utilzava a experiência prática, o conhecimento local e a observação dos fenômenos naturais para se guiar. Em condições de boa visibilidade, os marinheiros no Mediterrâneo frequentemente tinham o continente ou ilhas à vista, o que facilitava bastante a navegação. Eles viajavam através da observação de sua posição em relação a reconhecíveis e sucessivos marcos naturais e no uso de registros náuticos. "Esses registros (do termo grego periploi) foram introduzidos durante o século 4 a.C., e eram inicialmente escritos em grego e existiam para as viagens dentro do Mediterrâneo. A partir de 50 d.C., esses registros passaram a mapear a costa Atlântica Europeia, saindo de cidades como Marselha, e rotas por toda a costa noroeste da África e ao redor do Chifre Africano passando pelo Golfo Pérsico até a Índia, e além."

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Quando as condições climáticas não eram boas ou a terra não era mais visível, os marinheiros romanos estimavam sua localização através da estrela Polar ou, com menor precisão, através do sol durante o meio-dia. Eles também estimavam sua localização através do vento e das ondas. Várias das habilidades de navegação que os romanos usavam tinham sua origem nos Fenícios. Plinio alega que os Fenícios foram os primeiros a fazer uso dos conhecimentos astronômicos aprendidos com o povo de Caldeia na navegação marítima. Por exemplo, marinheiros fenícios perceberam que a constelação de Ursa Menor orbitava o Polo Norte celestial em um circulo muito menor que a Ursa Maior. Como resultado, eles passaram a usar a Ursa Menor para conseguir uma direção mais precisa do Norte.

Tanto os navios de guerra quanto os mercantes usavam o vento (velas) e força humana (remadores). Mas coordenar centenas de remadores não era tarefa fácil e para resolver esse problema, um instrumento musical era usado, geralmente de sopro. Marinheiros romanos também precisavam ter um ótimo conhecimento dos fenômenos naturais, da direção do vento em relação à vela, e também precisavam saber como operar as velas em diversas condições climáticas.

Roman Anchor Reconstruction
Reconstrução de uma âncora romana
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Havia uma grande quantidade de rotas de navegação no Mediterrâneo com cronogramas mais ou menos regulares. Navios mercantes traziam produtos das províncias para os portos da península italiana. Durante o Império, a cidade de Roma era imensa (para os padrões da antiguidade) com cerca de 1 milhão de habitantes. Produtos trazidos de todo o mundo chegavam à cidade através do porto de Pozzuoli, situado a oeste da baia de Nápoles, e pelo gigantesco porto de Óstia, situado na foz do rio Tibre. Para ter uma ideia do tamanho, 1.200 navios mercantes de grande porte (com cerca de 350t) atracavam no porto de Óstia todo ano ou, aproximadamente, 5 navios por dia navegável. Da mesma forma que atualmente, esses navios de grande porte se aproximavam do porto de destino e eram interceptados por vários rebocadores que os levavam para o cais.

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O tempo de viagem para as várias rotas de navegação podiam variar bastante. Os navios normalmente velejavam a uma velocidade média de 4 a 5 nós. As viagens mais rápidas podiam chegar a ter uma velocidade média de 6 nós. Uma viagem de Óstia para Alexandria no Egito podia levar entre 6 a 8 dias a depender do vento. Viagens que iam do Sul para o Norte ou do Leste para o Oeste levariam mais tempo com ventos contrários. É importante salientar que durante os 4 meses de inverno no Mediterrâneo, as viagens comerciais eram suspensas. Esse período era chamado de Mare Clausum (“Mar Fechado”).

Conclusão

Os Romanos conseguiam construir navios de guerra e de comércio cujo tamanho e tecnologia eram sem iguais até o século 16. Os marinheiros romanos navegavam nas águas do Mediterrâneo, do Mar Vermelho, do Oceano Indico e até mesmo nas costas atlânticas da França, da Inglaterra e da África. Eles tinham conhecimentos avançados sobre navegação e navegavam com a ajuda de registros náuticos, da observação de marcos terrestres e da posição de corpos celestes (instrumentos de navegação como a bussola, apesar de já ser usada na China desde o século 2 a.C., não apareceriam na Europa antes do século 14 d.C.). Durante o Império, haviam várias rotas de navegação bastante movimentadas no Mediterrâneo que traziam diversos produtos das distantes províncias para os portos na península italiana. Navios de Guerra Romanos, rápidos e manobráveis, protegiam essas rotas de piratas. No geral, o transporte na Roma antiga se assemelhava bastante com os dias de hoje, com gigantescas embarcações atravessando os mares carregando produtos e matérias-primas dos quatro cantos do Império.

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Bibliografia

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Sobre o tradutor

Wesley G P Gomes
Um programador que acabou de sair da faculdade e que tem interesse na história, particularmente, do comércio e da viagem durante o mundo medieval e antigo. Sinceramente, não se tem muito mais do que falar.

Sobre o autor

Victor Labate
Victor é um entusiasta da história antiga, atualmente vive na Grécia e dono do Romae Vitam, um site com foco na história da Roma Antiga.

Citar este trabalho

Estilo APA

Labate, V. (2017, março 06). A Construção Naval e Navegação Romana [Roman Shipbuilding & Navigation]. (W. G. P. Gomes, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1028/a-construcao-naval-e-navegacao-romana/

Estilo Chicago

Labate, Victor. "A Construção Naval e Navegação Romana." Traduzido por Wesley G P Gomes. World History Encyclopedia. Última modificação março 06, 2017. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1028/a-construcao-naval-e-navegacao-romana/.

Estilo MLA

Labate, Victor. "A Construção Naval e Navegação Romana." Traduzido por Wesley G P Gomes. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 06 mar 2017. Web. 20 nov 2024.