A indumentária no antigo Egito condensava os conceitos de simplicidade e facilidade de movimentos e, neste sentido, permaneceu relativamente inalterada por mais de 3.000 anos. As roupas e sapatos diferenciavam-se na ornamentação de acordo com as classes sociais mas, de forma geral, o vestuário masculino e feminino manteve as mesmas formas básicas ao longo do tempo, ao contrário da moda dos tempos modernos.
Em 1851, uma mulher chamada Amelia Bloomer, nos Estados Unidos, chocou a sociedade ao anunciar em sua publicação The Lily (O Lírio) que adotara o "Vestido Turco" como vestimenta diária e, além disso, fornecer às leitoras instruções para fazer roupas idênticas. Este “Vestido Turco” era um par de calças em tecido leve, usado sob um vestido que dispensava as pesadas anáguas e roupas de baixo que constituíam a moda feminina da época.
Na época do anúncio de Bloomer, mulheres de classes altas usavam vestidos compostos de até 16 anáguas, bastante pesados, e as mais pobres ficavam quase igualmente constritas. As “Calças Turcas” (mais tarde chamadas de "bloomers") emancipavam as mulheres das restrições da moda, permitindo a elas liberdade de movimentos, e se tornaram símbolos do novo movimento pelo sufrágio feminino.
Em 1848, o Movimento pelo Sufrágio Feminino tinha divulgado uma Declaração de Direitos e Sentimentos, escrita por Elizabeth Cady Stanton, em Seneca Falls (NY). Uma das principais figuras da campanha, Lucy Stone, defendeu Bloomer e até usou as calças durante suas palestras sobre direitos femininos. Lucy também encorajou Susan B. Anthony a levantar a causa do sufrágio feminino, o que tornou esta última um sinônimo da luta pelos direitos da mulher.
Todos estes desafios ao patriarcado no século XIX foram bastante perturbadores, tanto para homens quanto para mulheres, mas eles não teriam nenhuma repercussão entre os antigos egípcios, que viam as mulheres como quase iguais e cujo senso de moda poderia ser descrita como “unissex” muito antes que esta palavra, ou conceito, viesse a fazer parte da cultura mais “avançada” dos dias de hoje.
A moda egípcia era prática, simples e, para a maioria da população, o mesmo tipo de vestimenta servia para os dois gêneros. As mulheres das classes mais altas no Velho Império do Egito (c. 2613-2181 a.C.) usavam vestidos longos, que cobriam seus bustos, mas as mais pobres trajavam o mesmo kilt simples que seus pais, maridos e filhos.
Período Pré-Dinástico e Velho Império
As imagens do Período Pré-Dinástico (c. 3150 - c. 2613 a.C.) mostram homens e mulheres das classes mais baixas com o mesmo tipo de traje: um kilt que desce da cintura até os joelhos, provavelmente branco ou de alguma cor clara. Era feito de algodão, linho ou linho fino e preso ao redor da cintura por uma faixa de tecido, corda de papiro ou couro.
Os egípcios das classes mais altas, no mesmo período, usavam o mesmo tipo de roupa, só que com mais ornamentação. A egiptóloga Helen Strudwick observa como “somente pelas jóias os homens mais classes mais abastadas podiam ser distinguidos de fazendeiros e artesãos” (374). O traje feminino trazia maior diferenciação entre as classes: as mais ricas usavam vestidos longos, colados ao corpo, com ou sem mangas. Eles eram sustentados por alças sobre os ombros e algumas vezes cobertos por uma túnica fina.
Os trajes femininas que deixavam os seios nus não eram um motivo de preocupação. Roupas das mulheres mais ricas algumas vezes começavam abaixo dos seios e iam até os tornozelos. As saias das mais pobres, como já descrito, iam da cintura até os joelhos, sem uma parte superior. Antes do desenvolvimento do linho, o povo usava roupas feitas de peles de animais ou palhas de junco trançadas. Strudwick afirma que
Pastores, balseiros e pescadores basicamente usavam um cinto simples de couro, do qual pendia uma cortina de juncos; muitos também trabalhavam completamente nus, pelo menos até o Médio Império – a partir deste período se tornou raro ver um trabalhador sem roupas. Moleiras, padeiros e agricultores da época da colheita são frequentemente retratados com uma saia que envolvia todo o corpo, mas também com a parte superior descoberta. (376)
Crianças de ambos os sexos ficavam nuas do nascimento até a puberdade e algumas ocupações, conforme observa Strudwick, continuaram esta prática. Homens e mulheres que trabalhavam diariamente nas margens do Rio Nilo lavando as roupas de outras pessoas executavam suas tarefas despidos porque se molhavam frequentemente.
Primeiro Período Intermediário e Médio Império
O Primeiro Período Intermediário do Egito (c. 2181-2040 a.C.) seguiu-se ao colapso do Velho Império e iniciou muitas mudanças dramáticas na cultura egípcia, mas o vestuário permaneceu relativamente inalterado. É somente no Médio Império (2040-1782 a.C.) que a moda se altera, com as mulheres começando a usar longos vestidos de algodão e diferentes cortes de cabelo.
No Velho Império e Primeiro Período Intermediário, as mulheres eram retratadas com os cabelos caindo logo abaixo das orelhas mas, no Médio Império, o cabelo ia até os ombros. A vestimenta das classes mais altas é também diferente neste período, com roupas feitas geralmente de algodão. Estes vestidos, ainda colados ao corpo, tinham mangas e um decote ornamentado com um colar fechado na altura da garganta. Eram feitos de uma única peça de algodão, que as mulheres envolviam em torno do corpo e ajustavam conforme a moda com um cinto em torno da cintura, sobre o qual cairia a parte de cima.
Neste mesmo período, porém, há também evidências de que mulheres mais ricas usavam vestidos que iam dos tornozelos até a cintura, sustentados por finas alças que passavam sobre o busto e eram amarrados sobre os ombros, nas costas. Os homens desta época continuavam a vestir simples kilts, mas com pregas frontais. Precisamente como os antigos egípcios pregueavam suas roupas é desconhecido, mas imagens artísticas mostram claramente pregas tanto nas roupas masculinas quanto femininas. O mais popular artigo de vestuário entre os homens mais ricos era o avental triangular; um kilt engomado e ornamentado que caía logo acima dos joelhos e era sustentado por uma faixa. Ele seria vestido sobre uma tanga – uma peça de roupa triangular disposta entre as pernas e amarrada nos quadris.
O Novo Império
Após o Médio Império, o Egito passou pelo Segundo Período Intermediário (c. 1782-1570 a.C.), durante o qual estrangeiros conhecidos como hicsos governaram o Baixo Egito e os núbios controlaram as fronteiras meridionais do Alto Egito, com somente Tebas, no meio, representando o governo egípcio.
Os hicsos trouxeram muitos avanços, inovações e invenções que os egípcios aproveitaram mais tarde, mas não parecem ter contribuído para o vestuário. Isso ocorreu porque os invasores admiravam muito a cultura egípcia e emularam as crenças, comportamento e vestimenta do Egito em suas cidades no Delta setentrional.
Em c. 1570 a.C., o príncipe tebano Amósis I (c. 1570-1544 a.C.) expulsou os hicsos do país e iniciou o período conhecido como o Novo Império do Egito (c. 1570-1069 a.C.), que testemunhou os maiores avanços no vestuário da história egípcia. Os estilos do Novo Império são os mais frequentemente retratados em filmes e séries de TV que mostram o antigo Egito, independente de qual período em que se passam as histórias.
Neste período do Egito imperial, o país apareceu mais no cenário internacional, relacionando-se de forma mais estreita com outras nações. Mesmo antes desta era imperial, porém, os vestuários vinham aparecendo de forma mais elaborada. A esposa de Amósis I, Amósis-Nefertari (c. 1562-1495 a.C.) é retratada num vestido com mangas com franjas e uma gola larga, que cai acima dos tornozelos.
Batas com contas e vestidos (o kalasiris mencionado por Heródoto) ornamentados com joias começam a aparecer no final do Médio Império, mas se tornaram mais comuns no Novo Império entre as classes mais altas. Perucas elaboradas adornadas com contas e joias também aparecem com maior frequência neste período. A egiptóloga Margaret Bunson observa como "a capelet, feita de linho fino, foi a inovação da moda do Novo Império" (68). A capelet, uma espécie de xale, era um retângulo de linho torcido, dobrado ou cortado e geralmente preso a uma gola ornamentada. Era usada sobre o kalasiris, o qual caía da cintura ou logo abaixo dos seios e tornou-se o estilo mais popular para as classes mais altas.
A moda masculina também avançou bem rapidamente no Novo Império. Os kilts deste período vão até abaixo do joelho, são decorados de forma mais elaborada e quase sempre são suplementados por uma blusa larga e fina. O faraó, retratado no diadema nemes, é visto com frequência com este tipo de vestimenta, usando sandálias ou chinelos. Bunson observa como os homens “vestiam kilts e blusas finas com mangas elaboradamente pregueadas. Grandes painéis de materiais tecidos pendem da cintura e pregas intrincadas são visíveis sob saias finas” (68). Este estilo era popular com a realeza e as classes mais altas que podiam custear o material.
Os mais pobres continuavam a vestir o kilt simples, para ambos os sexos, mas agora as mulheres trabalhadoras aparecem com as partes superiores cobertas. Anteriormente, os criados egípcios são retratados em pinturas tumulares ou outras obras de arte nus ou quase despidos mas, no Novo Império, vários servos são mostrados não somente completamente vestidos mas em roupas bastante elaboradas. Strudwick afirma que
As roupas usadas pelos servos de funcionários ou dignatários são mais refinadas do que aquelas do povo comum. Um servo retratado numa tumba da 18ª Dinastia veste uma túnica finamente pregueada e tanga com uma faixa larga e pregueada. (376)
As roupas de baixo também se desenvolveram mais durante este período, evoluindo da básica tanga triangular passada entre as pernas e em torno da cintura para uma peça de roupa mais fina, costurada conforme um determinado tamanho de cintura ou amarrada nos quadris. A moda dos homens de classes mais altas no Novo Império previa esta roupa de baixo sob uma tanga, e sobre elas uma saia longa e fina, caindo até os joelhos, um colar largo (para a nobreza), braceletes e sandálias. O faraó Tutankhamon (c. 1336-c. 1327 a.C.) foi sepultado com mais de 100 exemplares deste tipo de roupas de baixo, bem como saias, jaquetas, kilts e mantos, proporcionando um dos melhores exemplos da moda do Novo Império já descobertos.
A moda feminina do período tornou-se mais elaborada do que em qualquer era anterior. Homens e mulheres do Egito com frequência raspavam suas cabeças para evitar piolhos e reduzir o tempo que levaria para cuidar dos cabelos. As perucas eram usadas por ambos os sexos para proteger o escalpo e para propósitos cerimoniais. As perucas do Novo Império são as mais decoradas, especialmente as femininas, e mostram estilos de corte com pregas, franjas e camadas, indo até os ombros ou abaixo. Batas finas de linho leve tinham a preferência entre as mulheres das classes mais altas, frequentemente ornamentadas com uma faixa ou capa, cingidas na cintura e acentuadas por toucas, colares e brincos.
Diferentes profissões adotavam estilos de vestuário bem consistentes. Os vizires, por exemplo, usavam uma longa saia (em geral pregueada) amarrada sob os braços e que caía até os tornozelos, bem como sandálias ou chinelos. Escribas vestiam um simples kilt da cintura ao joelho, algumas vezes com uma blusa fina. Sacerdotes usavam mantos de linho branco e, de acordo com Heródoto, não podiam optar por outras cores, já que o branco simbolizava pureza e o sagrado. Soldados, guardas e forças policiais também vestiam kilts simples com sandálias, ocasionalmente com proteções para o pulso. Fazendeiros, cervejeiros, taverneiros, pedreiros, operários e comerciantes são uniformemente retratados a partir deste período com o mesmo kilt simples, tanto homens quanto mulheres, embora os mercadores algumas vezes apareçam com um manto ou capa. Casacos, jaquetas e capas eram comuns ao longo da história egípcia, pois a temperatura noturna, especialmente na estação chuvosa, podia ser bem baixa.
Calçados e Acessórios
Perfumes e joias eram apreciados e usados tanto por homens quanto por mulheres, assim como cosméticos. Os egípcios de ambos os sexos utilizavam o kohl sob os olhos para reduzir o brilho solar e kyphi, o perfume mais popular, era até queimado nos templos como incenso. Imagens de egípcios com cones em suas cabeças são retratos do uso do kyphi neste formato. Compunha-se de olíbano, mirra, resina de pinheiro e outros ingredientes e podia ser queimado (na forma de cones), aplicado na pele ou empregado como pasta de dente ou enxaguador bucal.
O kyphi era um perfume principalmente feminino e aplicado da mesma forma como o perfume nos dias de hoje. Uma mulher, ou criada, abriria um recipiente de kyphi, agitaria o ar e caminharia através dele para absorver o perfume. O mesmo é verdadeiro sobre os cosméticos, mantidos em potes ou jarras e aplicados com um pincel ou talo de junco, semelhante aos modernos delineadores.
A forma mais popular de joalheria entre as classes mais altas eram objetos de ouro. A palavra egípcia para outro era nub e, após a conquista das regiões meridionais, elas passaram a ser chamadas de Núbia por causa de suas vastas jazidas de ouro. Todas as classes de egípcios usavam algum tipo de joalheria, como observa Strudwick:
Virtualmente todas as formas de joalheria foram registradas, incluindo anéis, tornozeleiras, braceletes, cinturões e peitorais, colares, colares de anéis de metal, gargantilhas, diademas, brincos e ornamentos para os cabelos. Entre as pedras semipreciosas coloridas mais comuns podem ser citadas a cornalina, turquesa, feldspato, jaspe vermelho e verde, ametista, quartzo, ágata e lápis-lazúli. Muitas vezes, porém, eram imitadas por vidro colorido e faiança. (386)
Os calçados praticamente não existiam entre os mais pobres mas, quando esfriava ou em terrenos mais ásperos, os pés seriam envolvidos em trapos. Entre as classes mais altas, sandálias e chinelos estavam disponíveis mas, tal como as classes mais baixas, o povo em geral ficava descalço. Feitas de madeira, papiro, couro ou uma combinação destes materiais, as sandálias podiam ser bastante caras. A tumba de Tutankhamon continha 93 pares de sandálias em diferentes estilos e até uma de ouro. Para os chinelos empregavam-se palhas de papiro tecidas, e que podiam ser complementadas com forros de tecido.
Há algumas raras evidências de sapatos usados pela nobreza no Novo Império e também o emprego de seda. Os hititas desenvolveram o sapato e a bota neste período e, portanto, não seria surpresa se aparecessem no Egito. Em 1258 a.C., os dois povos assinaram o primeiro tratado de paz registrado do mundo e a partir de então a difusão cultural tornou-se mais comum entre eles. Ainda assim, o sapato nunca se tornou popular no Egito, provavelmente por ter sido considerado desnecessário; afinal de contas, mesmo os deuses ficavam descalços.
Manufatura e Simplicidade de Forma
Inicialmente, as roupas eram feitas provavelmente com juncos de papiro e peles de animais, mas isso mudou com o cultivo do linho, que era processado e transformado em tecido. As mulheres foram as primeiras cultivadoras do linho e iniciaram a manufatura de roupas. As evidências para esta afirmação são as mais antigas representações da produção têxtil, que mostram somente mulheres trabalhando, e elas continuaram a dominar esta função mesmo quando a indústria passou a ser dirigida por homens. Isso não é tão incomum, pois as mulheres também foram as primeiras cervejeiras do Egito e, provavelmente, as primeiras curandeiras que antecederam a ascensão da profissão médica.
No início trabalhava-se em casa, mas quando se popularizou o linho e, mais tarde, o algodão, a fabricação se transformou numa indústria. As fibras de linho eram fiadas e tecidas num tear horizontal para criar uma longa peça de roupa, que então passava por algum tipo de corte. Mesmo os mais elaborados vestidos e kilts consistiam simplesmente neste tecido básico, que raramente era costurado em qualquer modelo. O kalasiris consistia em pouco mais do que um lençol que as mulheres envolviam em torno do corpo; elas o transformavam num vestido através da habilidade pessoal de manipulação do tecido.
A simplicidade sempre foi valorizada na moda egípcia, mesmo quando os estilos se tornaram mais elaborados no Novo Império. Seus conceitos básicos de indumentária não mudaram muito desde o Velho Império até a Dinastia Ptolemaica (323-30 a.C.), a última a governar o país até a anexação por Roma. Os estilos de moda que se pode constatar neste período tardio são muito próximos daqueles do Novo Império, que por sua vez seguem a forma básica do vestuário do Velho Império. Pode-se dizer seguramente que houve mais mudanças radicais na moda nos últimos 150 anos do que em toda a história do Antigo Egito, mas isso somente ocorre porque, de acordo com o entendimento dos egípcios, a simplicidade de estilo resultava num vestuário mais elegante e, certamente, mais clássico.