A arte é um aspecto essencial de qualquer civilização. Uma vez que as necessidades humanas básicas, como comida, abrigo, algum tipo de lei comunitária e uma crença religiosa tenham sido atendidas, as culturas começam a produzir obras de arte, e muitas vezes todos esses desenvolvimentos ocorrem mais ou menos ao mesmo tempo. Esse processo começou no Período Pré-Dinástico no Egito (c. 6000 - c. 3150 a.C.) por meio de imagens de animais, seres humanos e figuras sobrenaturais inscritas nas paredes das rochas. Em comparação com desenvolvimentos posteriores, essas primeiras imagens eram rudimentares, mas ainda assim expressavam um valor importante da consciência cultural egípcia: o equilíbrio.
A sociedade egípcia se baseava no conceito de harmonia, conhecido como ma'at, que surgiu no início da criação e sustentava o universo. Toda a arte egípcia é baseada no equilíbrio perfeito porque assim reflete o mundo ideal dos deuses. Da mesma forma que esses deuses proporcionavam todos os bons presentes para a humanidade, a obra de arte era imaginada e criada para ter uma utilidade. A arte egípcia era sempre, antes de tudo, funcional. Não importava o quão bem esculpida fosse uma estátua; seu propósito era servir como um lar para um espírito ou um deus. Um amuleto poderia ser projetado para ser atraente, mas a beleza estética não era a força motriz em sua criação; a proteção era. Pinturas de tumbas, quadros de templos, jardins domésticos e palacianos eram todos criados de modo que sua forma correspondesse a uma função importante. Em muitos casos, essa função era um lembrete da natureza eterna da vida e do valor da estabilidade pessoal e comunitária.
Arte do Período Dinástico Inicial
O valor do equilíbrio, expresso como simetria, permeou a arte egípcia desde os tempos mais remotos. A arte rupestre do Período Pré-Dinástico estabelece esse valor, que foi plenamente desenvolvido no Período Dinástico Inicial do Egito (c. 3150 - c. 2613 a.C.). A arte desse período alcança seu auge na obra conhecida como A Paleta de Narmer (c. 3200-3000 a.C.), criada para celebrar a unidade do Alto e Baixo Egito sob o rei Narmer (c. 3150 a.C.). Por meio de uma série de gravuras em uma laje de siltito, em forma de escudo de chevron, conta-se a história da grande vitória do rei sobre seus inimigos e como os deuses incentivaram e aprovaram suas ações. Embora algumas das imagens da paleta sejam difíceis de interpretar, a história da unificação e a celebração do rei é bastante clara.
Na parte da frente, Narmer é associado à força divina do touro (possivelmente o Touro Ápis) e é visto usando a coroa do Alto e Baixo Egito em uma procissão triunfal. Abaixo dele, dois homens lutam com bestas entrelaçadas, que muitas vezes são interpretadas como representando o Alto e o Baixo Egito (embora essa visão seja contestada e não pareça haver justificativa para isso). O verso mostra a vitória do rei sobre seus inimigos enquanto os deuses observam, aprovando. Todas essas cenas foram esculpidas em baixo-relevo com uma habilidade incrível.
Essa técnica seria usada de maneira bastante eficaz no final do Período Dinástico Inicial pelo arquiteto Imhotep (c. 2667-2600 a.C.) ao projetar o complexo piramidal do rei Djoser (c. 2670 a.C.). Imagens de flores de lótus, plantas de papiro e o símbolo djed são trabalhadas de forma intricada na arquitetura dos edifícios, tanto em alto quanto em baixo-relevo. Nessa época, os escultores também haviam dominado a arte de trabalhar em pedra para criar estátuas tridimensionais em tamanho real. A estátua de Djoser está entre as maiores obras de arte desse período.
Arte do Antigo Império
Essa habilidade se desenvolveria durante o Antigo Império do Egito (c. 2613-2181 a.C.), quando um governo central forte e a prosperidade econômica permitiram a construção de obras monumentais como a Grande Pirâmide de Gizé e a Esfinge, além de pinturas elaboradas em tumbas e templos. O obelisco, desenvolvido pela primeira vez no Período Dinástico Inicial, foi refinado e mais amplamente utilizado durante o Antigo Império. As pinturas de tumbas tornaram-se cada vez mais sofisticadas, mas as estátuas permaneceram, em sua maioria, estáticas. Uma comparação entre a estátua de Djoser de Saqqara e uma pequena estátua de marfim do rei Khufu (2589-2566 a.C.) encontrada em Gizé revela a mesma forma e técnica. Ambas as obras, mesmo assim, são peças excepcionais quanto a execução e detalhes.
A arte durante o Antigo Império era mandatada pelo estado, o que significa que o rei ou a nobreza do alto escalão encomendava uma peça e também ditava seu estilo. É por isso que há tanta uniformidade na arte do Antigo Império: diferentes artistas podem ter tido sua própria visão, mas tinham de criar conforme os desejos de seus clientes. Esse paradigma mudou quando o Antigo Império entrou em colapso e deu-se início ao Primeiro Período Intermediário (2181-2040 a.C.).
Arte no Primeiro Período Intermediário
O Primeiro Período Intermediário há muito tempo é caracterizado como um período de caos e escuridão, e as obras de arte dessa época têm sido usadas para apoias tais afirmações. O argumento da arte baseia-se em uma interpretação das obras do Primeiro Período Intermediário como de baixa qualidade, bem como na ausência de projetos monumentais para provar que a cultura egípcia estava em uma espécie de queda livre em direção à anarquia e dissolução. Na realidade, o Primeiro Período Intermediário do Egito foi um tempo de grande crescimento e mudança cultural.
Os diferentes distritos agora tinha liberdade para desenvolver sua própria visão nas artes e criar de acordo com ela. Não há nada de "baixa qualidade" na arte do Primeiro Período Intermediário; ela é simplesmente diferente daquela do Antigo Império. A falta de projetos monumentais durante esse período também pode ser facilmente explicada: as dinastias do Antigo Império esgotaram o tesouro do governo na criação de seus próprios monumentos grandiosos e, na época da 5ª dinastia, não havia mais recursos para tais projetos. O colapso do Antigo Império após a 6ª dinastia certamente significou um período de confusão, mas não há evidências que sugiram que a era seguinte foi qualquer tipo de "idade das trevas".
O Primeiro Período Intermediário produziu várias peças finas, mas também viu o surgimento de obras de arte produzidas em massa. Itens que anteriormente eram feitos por um único artista agora eram produzidos e pintados por uma equipe de produção. Amuletos, caixões, cerâmicas e bonecas shabti estavam entre essas artes. As bonecas shabti eram importantes objetos funerários que se enterrava com o falecido e as quais, acreditava-se, ganhavam vida no além-mundo e cuidavam das responsabilidades do indivíduo. Elas eram feitas de faiança, pedra ou madeira, mas, no Primeiro Período Intermediário, eram principalmente de madeira e produzidas em massa para serem vendidas a preços acessíveis. As bonecas shabti eram itens importantes porque permitiriam que a alma descansasse na vida após a morte enquanto faziam o trabalho do indivíduo. Anteriormente, apenas os ricos podiam se dar ao luxo de possuir bonecas shabti, mas, nesse período, elas estavam disponíveis para aqueles com condições mais modestas.
Arte do Médio Império
O Primeiro Período Intermediário terminou quando Mentuhotep II (c. 2061-2010 a.C.) de Tebas derrotou os reis de Heracleópolis e deu início ao Médio Império do Egito (2040-1782 a.C.). Tebas se tornou a capital do país e um governo central forte novamente tinha o poder de ditar o gosto e a criação artística. No entanto, os governantes do Médio Império incentivavam os diferentes estilos dos distritos e não exigiam que toda a arte se conformasse aos gostos da nobreza. Embora houvesse grande reverência pela arte do Antigo Império e, em muitos casos, uma tentativa óbvia de refletir isso, a arte do Médio Império é distinta nos temas explorados e na sofisticação da técnica.
O Médio Império geralmente é considerado o auge da cultura egípcia. A tumba de Mentuhotep II é ela própria uma obra de arte, esculpida nas falésias próximas a Tebas, fundindo perfeitamente com a paisagem natural para criar o efeito de uma obra totalmente orgânica. As pinturas, estátuas e afrescos que acompanhavam a tumba também refletem um alto nível de sofisticação e, como sempre, simetria. As joias também eram bastante refinadas, com algumas das peças mais finas da história egípcia datando dessa era. Um pingente do reinado de Senusret II (c. 1897-1878 a.C.), que ele deu à sua filha, é feito de fios finos de ouro presos a um suporte de ouro maciço incrustado com 372 pedras semipreciosas. As estátuas e bustos de reis e rainhas são esculpidos de forma intrincada com uma precisão e beleza ausentes em muitas das obras de arte do Antigo Império.
O aspecto mais marcante da arte do Médio Império, entretanto, é o assunto. Pessoas comuns, em vez da nobreza, aparecem com mais frequência na arte deste período do que em qualquer outro. A influência do Primeiro Período Intermediário continua a ser vista em toda a arte do Médio Império, na qual trabalhadores, fazendeiros, dançarinos, cantores e a vida doméstica recebem quase tanta atenção quanto reis, nobres e deuses. As obras de arte em tumbas continuaram a refletir a visão tradicional da vida após a morte, mas a literatura do período questionou a antiga crença e sugeriu que se devia concentrar na única vida da qual se poderia ter certeza; o presente.
Essa ênfase na vida na Terra se reflete em obras de arte menos idealistas e mais realistas. Reis como Senusret III (c. 1878-1860 a.C.) são retratados em estátuas e na arte como realmente eram, em vez de reis ideais. Os estudiosos reconhecem isso pela uniformidade e pelos detalhes das representações. Senusret III é visto em diferentes obras com idades distintas, às vezes parecendo cansado, às vezes vitorioso, enquanto reis de eras anteriores eram sempre mostrados na mesma idade (jovens) e da mesma forma (poderosos). A arte egípcia é notoriamente inexpressiva porque os egípcios reconheciam que as emoções são passageiras e ninguém gostaria que sua imagem eterna refletisse apenas um momento da vida, mas sim a totalidade de sua existência.
A arte do Médio Império adere a esse princípio enquanto, ao mesmo tempo, sugere mais o estado emocional do sujeito do que em eras anteriores. Independentemente de como a vida após a morte era vista nessa época, a ênfase na arte sempre gravitava para o aqui e o agora. Imagens da vida após a morte envolvem pessoas desfrutando dos prazeres simples da vida na Terra, como comer, beber, semear e colher. Os detalhes dessas cenas enfatizam os prazeres da vida na Terra, os quais se deve aproveitar ao máximo. As coleiras de cachorro durante esse período também se tornam mais sofisticadas, o que sugere mais tempo de lazer para caça e maior atenção à ornamentação de objetos simples do dia a dia.
O Médio Império começou a se dissolver durante a 13ª dinastia, quando os governantes ficaram muito confortáveis e negligenciaram os assuntos de estado. Os núbios invadiram do sul enquanto um povo estrangeiro, os hicsos, ganhou uma posição substancial na região do Delta do norte. O governo em Tebas perdeu o controle de grandes seções do Delta para os hicsos e não pôde fazer nada sobre o crescente poder dos núbios; tornou-se cada vez mais obsoleto e inaugurou a era conhecida como Segundo Período Intermediário (c. 1782 - c. 1570 a.C.). Durante esse período, o governo de Tebas continuou a encomendar obras de arte, mas em menor escala, enquanto os hicsos se apropriavam de obras anteriores para seus templos ou encomendavam obras maiores.
Segundo Período Intermediário/Arte do Novo Império
A arte do Segundo Período Intermediário do Egito deu continuidade às tradições do Médio Império, mas muitas vezes de forma menos eficaz. Os melhores artistas estavam disponíveis para a nobreza de Tebas e produziam obras de alta qualidade, mas os artistas comuns eram menos qualificados. Esse período, como o primeiro, também é frequentemente caracterizada como desorganizada e caótica, e as obras de arte tidas como prova, mas muitas obras finas foram criadas durante esse período, apenas em menor escala.
Pinturas de tumbas, estátuas, relevos de templos, peitorais, cocares e outras joias de alta qualidade continuaram a ser produzidas. Os hicsos, embora frequentemente vilipendiados por escritores egípcios posteriores, contribuíram para o desenvolvimento cultural. Eles copiaram e preservaram muitas das obras escritas da história anterior que ainda existem e também copiaram estátuas e outras obras de arte.
Os hicsos foram finalmente expulsos pelo príncipe tebano Ahmose I (c. 1570-1544 a.C.), cujo governo inicia o período do Novo Império do Egito (c. 1570 - c. 1069 a.C.). O Novo Império é o período mais famoso da história egípcia, com os governantes e as obras de arte mais conhecidos. As estátuas colossais que foram iniciadas no Médio Império tornaram-se mais comuns durante esse período, o templo de Karnak, com seu grande Salão Hipostilo, foi expandido regularmente, o Livro Egípcio dos Mortos foi copiado, juntamente de ilustrações, para mais e mais pessoas, e objetos funerários, como bonecas shabti, tinham uma qualidade maior.
O Egito do Novo Império é o Egito do império. À medida que as fronteiras do país se expandiam, os artistas egípcios foram apresentados a diferentes estilos e técnicas que melhoraram suas habilidades. O trabalho em metal dos hititas que os egípcios usavam em armas também influenciou a arte. A riqueza do país refletia-se na enormidade das obras de arte individuais, bem como na sua qualidade. O faraó Amenhotep III (1386-1353 a.C.) construiu tantos monumentos e templos que estudiosos posteriores atribuíram a ele um reinado excepcionalmente longo. Entre suas maiores obras estão os Colossos de Memnon, duas enormes estátuas do rei sentado com 18 m de altura e pesando 720 toneladas cada. Quando foram construídas, ficavam na entrada do templo mortuário de Amenhotep III, que agora não existe mais.
O filho de Amenhotep III, Amenhotep IV, é mais conhecido como Akhenaton (1353-1336 a.C.), o nome que ele escolheu após se dedicar ao deus Aton e abolir as antigas tradições religiosas do país. Durante esse período (conhecido como Período de Amarna), a arte retornou ao realismo do Médio Império. Desde o início do Novo Império, as representações artísticas se voltaram novamente ao ideal. Durante o reinado da rainha Hatshepsut (1479-1458 a.C.), embora ela seja retratada realisticamente, a maioria dos retratos da nobreza mostra o idealismo das sensibilidades do Antigo Império com rostos e sorrisos em formato de coração. A arte do período de Amarna é tão realista que os estudiosos modernos tem conseguido sugerir, de forma razoavél, de quais doenças físicas as pessoas nas pinturas provavelmente sofriam.
Duas das obras mais famosas da arte egípcia são dessa época: o busto de Nefertiti e a máscara mortuária dourada de Tutancâmon. Nefertiti (c. 1370-1336 a.C.) era a esposa de Akhenaton, e seu busto, descoberto em Amarna em 1912 pelo arqueólogo alemão Borchardt, é quase sinônimo do Egito hoje. Tutancâmon (c.1336-1327 a.C.) era filho de Akhenaton (mas não de Nefertiti), e estava no processo de desmantelar as reformas religiosas de seu pai e fazer o Egito retornar às crenças tradicionais quando morreu antes dos 20 anos. Ele é mais conhecido por sua famosa tumba descoberta em 1922 e pelo vasto número de artefatos contidos nela.
A máscara de ouro e outros objetos de metal encontrados na tumba todos resultram de inovações em metalurgia aprendidas com os hititas. A arte do Império Egípcio está entre as maiores da civilização devido ao interesse dos egípcios em aprender novas técnicas e estilos e incorporá-los. Antes da chegada dos hicsos, os egípcios pensavam em outras nações como bárbaras e incivilizadas e não as consideravam dignas de nenhuma atenção especial. A "invasão" dos hicsos forçou o povo do Egito a reconhecer as contribuições dos outros e fazer uso delas.
Períodos Posteriores e Legado
As habilidades adquiridas permaneceriam durante o Terceiro Período Intermediário do Egito (c. 1069-525 a.C.) e o Período Tardio (525-332 a.C.), que também são negativamente comparados com os períodos mais grandiosos de um governo central forte. O estilo desses períodos posteriores foi afetado pelos tempos e pelos recursos limitados, mas a arte ainda revela uma qualidade considerável. O egiptólogo David P. Silverman observa como "a arte desta época reflete as forças opostas da tradição e da mudança" (222). Os governantes kushitas do Período Tardio do Antigo Egito reviveram a arte do Antigo Império em um esforço para se identificarem com as tradições mais antigas do país, enquanto os governantes e a nobreza egípcios nativos buscavam avançar a representação artística do Novo Império.
Esse mesmo paradigma se mantém com a influência persa após sua invasão em 525 a.C. Os persas também tinham grande respeito pela cultura e história egípcias e se identificavam com a arte e arquitetura do Império Antigo. O Período Ptolomaico (323-30 a.C.) misturou arte egípcia com grega para criar estátuas como a do deus Serápis - ele próprio uma combinação de deuses gregos e egípcios - e a arte do Egito romano (30 a.C. - 646 d.C.) seguiu esse mesmo modelo. Os romanos se baseavam nos temas e técnicas egípcias mais antigas para adaptar os deuses egípcios ao entendimento romano. As pinturas de tumbas dessa época são distintamente romanas, mas seguem os preceitos iniciados no Antigo Império.
A arte dessas culturas posteriores influenciaria o entendimento, a técnica e o estilo europeus, que seriam seguidos por mais de 1000 anos até que artistas no final do século XIX, como os futuristas da Itália, começaram a romper com o passado. A chamada Arte Moderna no início do século XX foi uma tentativa de forçar o público a enxergar assuntos tradicionais sob uma nova luz. Artistas como Picasso e Duchamp estavam interessados em forçar as pessoas a reconhecer seus preconceitos sobre a arte e, por extensão, sobre a vida, criando composições inesperadas e sem precedentes que rompiam com o passado quanto ao estilo e técnica. Suas obras e as de outros só foram possíveis, no entanto, por causa do paradigma criado pelos antigos egípcios.