Em qualquer sociedade, os membros da comunidade reconhecem que precisam restringir certos impulsos para viabilizar a participação comunitária. Cada civilização conta com alguma forma de lei, que deixa claro que os benefícios da coexistência pacífica com seu clã, cidade, vila ou tribo superam a gratificação de desejos egoístas e que agir em prol destes desejos às custas dos outros trará consequências. No Egito antigo, a forma subjacente da lei que modificava o comportamento era o valor central de sua cultura: ma'at (harmonia e equilíbrio). Ma'at, personificada como uma deusa, veio a existir com a criação do mundo, um princípio que permitia o funcionamento de tudo, sempre de acordo com a ordem divina.
Os antigos egípcios acreditavam que, se se aderisse a este princípio, seria possível viver uma vida harmoniosa e, mais adiante, ter a passagem para o paraíso garantida na vida além-túmulo. Após a morte, o coração seria colocado numa balança contra a pena branca de ma'at e, se fosse mais pesado devido aos comportamentos egoístas, a alma não iria para o paraíso e cessaria de existir. Aderir a ma'at simplesmente significava uma vida equilibrada, com respeito a si próprio, à família, comunidade imediata e ao bem-estar social. Também incluía respeito pelo mundo natural e os animais que nele habitavam, além da reverência pelo mundo invisível dos espíritos e deuses.
Porém, sendo as pessoas como são, houve muitas ocasiões que um indivíduo elevava seu interesse próprio acima dos demais e, assim, o Egito precisou introduzir leis mais específicas do que simplesmente sugerir que se devia comportar com moderação e consideração pelos demais. Estas leis não seriam nada mais do que sugestões adicionais, no entanto, se as autoridades não tivessem meios de colocá-las em prática e, desta forma, criou-se a profissão do policial.
A Evolução da Polícia
Durante o Velho Império do Egito (c. 2613-2181 a.C.) não havia força policial oficial. Os monarcas do período tinham guardas pessoais para protegê-los e contratavam outros para vigiar seus túmulos e monumentos. Os nobres seguiam este paradigma e contratavam egípcios confiáveis, com antecedentes respeitáveis, para tomar conta de seus artigos valiosos e de si mesmos.
Na época da 5ª Dinastia, já no final do Velho Império, este comportamento começou a mudar, com reis e nobres escolhendo seus guardas entre os militares e ex-militares, bem como de nações estrangeiras, tais como os guerreiros medjai núbios. Armada com bastões de madeira, esta polícia inicial recebeu a tarefa de vigiar locais públicos (mercados, templos e parques) e com frequência usava cães e macacos treinados para apreender criminosos.
Um relevo da tumba de Khnumhotep e Niankhkhnom, datada da 5ª Dinastia, retrata um oficial de polícia apreendendo um ladrão no mercado com um destes macacos. O animal está contendo o ladrão pela perna enquanto o policial se aproxima para prendê-lo. Os cães eram usados primordialmente da mesma forma, para a apreensão, mas também serviam como guardiões no ambiente doméstico. As raças mais frequentemente representadas como cães policiais neste período são Basenji e Ibizan.
O Velho Império entrou em colapso e deu início à era do Primeiro Período Intermediário do Egito (2181-2040 a.C.), durante o qual o governo central se enfraqueceu e os monarcas isolados (governadores distritais) mantinham mais ou menos o poder supremo sobre suas regiões. Os registros do Primeiro Período Intermediário são esparsos, pois não havia uma burocracia governamental sólida para manter e catalogá-los, mas o mesmo modelo básico parece ter sido seguido: as classes mais altas contratavam guardas particulares para proteger seus lares e propriedades, e tais guardiães provinham de uma classe da sociedade, geralmente núbios, com experiência militar.
Os beduínos costumavam ser empregados para policiar as fronteiras e auxiliar na proteção de caravanas comerciais, enquanto os guardas egípcios atuavam em esferas mais domésticas. Não havia exército permanente no Egito nesta época e, assim, estes homens também serviam como sentinelas em fortalezas ao longo da fronteira, vigiavam as tumbas reais e serviam como guarda-costas e protetores para mercadores em expedições para outras terras.
O Médio Império do Egito (2040-1782 a.C.) viu a criação do primeiro exército permanente, durante o reinado de Amenemhat I (c. 1991-1962 a.C.) na 12ª Dinastia. Estes soldados - guerreiros profissionais altamente treinados - serviam em guarnições ao longo da fronteira e, em certas ocasiões, acompanhavam as expedições comerciais reais. O arranjo mais ou menos informal de empregar guerreiros como guardas foi substituído pelo desenvolvimento de uma força policial profissional, com foco específico de fazer cumprir a lei; o novo exército assumiu a maior parte das velhas responsabilidades da guarda.
Este período também testemunhou a criação de um sistema judicial bastante superior aos do passado. Anteriormente, os processos eram ouvidos por um painel de escribas e sacerdotes, os quais avaliariam as evidências e fariam consultas uns com os outros e com seus deuses. Quem fosse rico o suficiente poderia facilmente subornar este painel e sair livre. No Médio Império, criou-se o cargo de juiz profissional. Tratava-se de homens versados na legislação, pagos e cuidados pelo estado de maneira tão considerável que passaram a ser considerados incorruptíveis. A criação de juízes levou ao desenvolvimento dos tribunais, que requeriam meirinhos, escribas judiciais, policiais penais, detetives e interrogadores.
O Segundo Período Intermediário do Egito (c. 1782 - c. 1570 a.C.) também foi outra era de governo central enfraquecido e manutenção precária de registros. Os Hicsos, um povo estrangeiro, conquistou a região do Delta e a maior parte do Baixo Egito, enquanto os núbios invadiam o Alto Egito a partir do sul. Alguns dos núbios, porém, venderam seus serviços como mercenários no exército dos príncipes de Tebas e como guardiães nas expedições comerciais. Eram os guerreiros medjai, lendários na época por sua perícia e coragem em batalha. Quando Amósis I (c. 1570-1544 a.C.) expulsou os hicsos do Egito, ele empregou estes mercenários no exército e, posteriormente, quando a ordem foi restaurada, eles formaram o núcleo da força policial profissional do Egito.
Amósis I iniciou o período conhecida como Novo Império do Egito (c. 1570 - c. 1069 a.C.), no qual esta força policial tornou-se mais organizada e houve reformas no sistema judicial como um todo para desenvolvê-lo ainda mais. Nunca houve qualquer profissão que correspondesse à advocacia no Egito Antigo, mas a prática de permitir o depoimento de testemunhas em prol do acusado - enquanto um oficial do tribunal se encarregava da acusação - transformou-se em algo corriqueiro.
Os oficiais de polícia serviam como promotores, interrogadores, meirinhos e também administravam punições. A polícia, em geral, estava responsável pelo cumprimento tanto das leis estatais quanto locais, mas havia unidades especiais, treinadas como sacerdotes, com a tarefa de fazer cumprir o protocolo e as leis dos templos. Estas legislações geralmente nada tinham a ver apenas com a proteção de templos e túmulos, mas também na prevenção da blasfêmia, na forma de comportamento inapropriado em festivais ou na realização imprópria de ritos religiosos durante as cerimônias.
Organização e Deveres
Como chefe de estado, o faraó era o comandante-em-chefe dos militares e chefiava a força policial mas, na prática, seu vizir atuava como o funcionário mais graduado do sistema judicial. O vizir escolhia os juízes e nomeava o comandante da polícia, cujo título, Chefe dos Medjai, era uma herança do tempo em que os guerreiros núbios realizavam este trabalho.
O Chefe dos Medjai era sempre um egípcio, que empregava outros egípcios como seus adjuntos, enquanto os núbios permaneciam como guarda-costas pessoais do faraó, vigiavam mercados e outros locais públicos e protegiam as caravanas comerciais reais. O chefe também nomeava os subchefes das municipalidades, que por sua vez selecionavam seus próprios adjuntos e designavam policiais para diferentes áreas.
Em teoria, um distrito policial respondia ao vizir, mas na prática estava subordinado aos seus chefes individuais, que por sua vez prestavam contas ao Chefe dos Medjai. A exceção a esta regra estava na polícia dos templos, que ficava sob a supervisão do sacerdote principal de cada um deles. Mesmo estes homens, porém, em última instância prestavam contas ao vizir. Não havia juramentos para os que se tornavam oficiais de polícia; esperava-se que cada um reconhecesse seu lugar na sociedade, conforme estabelecido por ma'at, e desempenhasse seus deveres de acordo.
Havia dois tipos diferentes de unidades policiais que recebiam responsabilidades e deveres específicos. Os sacerdotes de templos, por exemplo, não somente guardavam estes locais, mas também monitoravam - e modificavam - o comportamento dos participantes de serviços religiosos e festivais. A egiptóloga Margaret Bunson explica:
As unidades policiais dos templos eram normalmente compostas de sacerdotes que recebiam a missão de manter a santidade dos complexos religiosos. Os regulamentos referentes a sexo, comportamento e atitude durante e antes de todas as cerimônias religiosas exigiam uma certa vigilância e os templos mantinham seu próprio pessoal disponível para garantir a ordem e um espírito harmonioso. (207)
Outras unidades policiais ficavam designadas para a guarda de caravanas, proteção de travessias de fronteira, vigilância sobre as necrópoles reais, supervisão do transporte e do trabalho diário dos escravos (especialmente nas minas) e a salvaguarda de prédios administrativos importantes nos centros urbanos. Os molossos se tornaram os cães policiais preferidos nesta época e eram usados especialmente para a guarda de túmulos e locais públicos. As comunidades rurais geralmente cuidavam de seus próprios problemas judiciais através do apelo a um ancião residente, mas muitas destas contavam com algum tipo de policial que fazia cumprir as leis do estado.
Entre os crimes mais comuns, especialmente na última parte do Novo Império, estava o roubo de túmulos no Antigo Egito e os documentos judiciais desta época (c. 1100 - c. 1069 a.C.) deixam claro que este problema alcançava proporções epidêmicas. À medida que o Novo Império lentamente entrava em colapso, a burocracia que cuidava dos pagamentos estatais aos trabalhadores, juízes, policiais e a todos os demais desmoronava com ele.
O exemplo mais conhecido disso foram as dificuldades do governo em pagar os trabalhadores de túmulos na vila de Deir el-Medina por volta de 1157 a.C., gerando a primeira greve de trabalhadores da história. Enquanto alguns destes trabalhadores decidiram simplesmente abandonar suas ferramentas e protestar a respeito deste tratamento, outros resolveram por mãos à obra e desenvolveram o hábito de roubar tumbas.
A Polícia e o Roubo de Túmulos
Era difícil flagrar um ladrão de túmulos em ação e, se apanhado, processá-lo adequadamente, pela mesma razão que levava as pessoas a se dedicar a esta atividade: o declínio do poder do governo central significava que cada pessoa precisava sobreviver como pudesse - e isso incluía policiais, escribas judiciais e juízes. Há muitos documentos atestando que pessoas flagradas roubando eram interrogadas, julgadas e punidas, mas existem outros que deixam claro que se comprava a liberdade inclusive com o produto do roubo, através do suborno a uma figura de autoridade.
O nível de corrupção ao final do Novo Império afetava todas as classes sociais e ocupações. Em um caso, um trabalhador de tumbas, um sacerdote e um guardião responsáveis pela segurança da necrópole foram todos indiciados num caso de roubo e o filho do sacerdote acabou sendo convocado tanto como testemunha quanto suspeito do crime:
O sacerdote, Nesuamon, filho de Paybeck, foi trazido por causa de seu pai. Foi examinado com uma surra de vara. Eles lhe disseram: "Conte a forma pelo qual teu pai fazia com os homens que estavam com ele." Ele disse: "Meu pai realmente estava lá. Eu era somente uma criança pequena e não sei como ele o fazia." Ao ser examinado ainda mais, ele disse: "Vi o trabalhador, Ehatinofer, enquanto ele estava no lugar onde a tumba está, com o guardião, Nofer, filho de Merwer, e o artesão _____, juntos, três homens. Eles são os que vi perfeitamente. De fato, ouro foi apanhado e eles são os que eu conheço." Ao ser examinado ainda mais com uma vara, ele disse, "Estes três homens são os que vi distintamente." (Lewis, 260)
A alegação de Nesuamon de que era "apenas uma criança pequena" não deve ser interpretada como se ele fosse jovem em anos; o interrogado apenas afirmava ser inocente da participação no roubo e que nada sabia de como era realizado. Os documentos judiciais especificam regularmente o uso de bastonadas para surrar os prisioneiros nas palmas das mãos e solas dos pés, com o objetivo de extrair confissões. Como suspeito, Nesuamon é "examinado" através destas surras, mas testemunhas consideradas pouco confiáveis podiam esperar tratamento similar. Neste caso, não se sabe o destino do pai e dos três homens, bem como de Nesuamon mas, se considerados culpados, podiam enfrentar punições que variavam de açoitamento à amputação do nariz ou mão ou até a pena de morte.
Nos tribunais estatais egípcios, assumia-se a culpa e a inocência precisava ser provada além de qualquer dúvida. Há vários exemplos no qual o acusado é surrado com a vara e afirma inocência, recusando-se a confessar; em tais casos, a pessoa acabava libertada. O estigma de ser preso seguia o indivíduo posteriormente, no entanto, e alguns registros mostram como pessoas inocentadas ainda continuavam sendo mencionadas, anos depois, como "grande criminoso", o que significa simplesmente que em certa ocasião tinham sido acusadas de um crime.
O Declínio da Força Policial
No Terceiro Período Intermediário do Egito (c. 1069-525 a.C.), a força policial ainda estava em operação, mas com muito pouco da eficiência demonstrada no auge do Novo Império. Os registros do Terceiro Período Intermediário são esparsos quando comparados com eras anteriores da história egípcia, pois o governo dividiu-se entre Tânis e Tebas nos anos iniciais - e em numerosas guerras civis posteriores - e não havia o tipo de estabilidade e burocracia das fases históricas conhecidas como "impérios".
A força policial e o sistema judicial ainda operavam, mas exatamente o quanto estavam alinhados com a compreensão anterior de ma'at é duvidoso. Há ampla evidência de que os escribas judiciais, juízes e a polícia podiam ser subornados. Durante a 21ª Dinastia, fundada pelo nomarca Smendes (c. 1077-1051 a.C.), a corrupção policial através do pagamento de propinas para olhar para o outro lado e até a extorsão de cidadãos pelos oficiais parecia ser prática comum. O famoso Papiro de Any (conhecido atualmente como Papiro Boulaq IV), datado mais ou menos desta época, oferece o seguinte conselho:
Faça amizade com o heraldo (policial) do seu quarteirão,
Não o deixe se enfurecer com você.
Dê-lhe comida de sua casa,
Não despreze seus pedidos;
Diga a ele: "Bem-vindo, bem-vindo aqui".
A culpa não recai para quem o faz. (Dollinger, 2)
Embora a passagem tenha sido interpretada simplesmente como significando que se deveria ser amigável com o policial local, a última linha - "a culpa não recai para quem o faz" - sugeriu a alguns acadêmicos que o conselho anterior de não deixar o policial enfurecido, dando-lhe alimentos, concordando com seus pedidos e permitindo acesso à casa aponta para a possibilidade de que cidadãos deste período estivessem pagando proteção para os oficiais locais. Conforme observado, presumia-se a culpa de uma pessoa acusada até que provasse sua inocência, e o testemunho de um oficial de polícia seria levado muito mais seriamente do que o de um cidadão comum. Portanto, era do interesse de cada um estar em bons termos com a polícia local.
A interpretação da passagem de Any como se referindo à corrupção generalizada é provavelmente sólida, na medida em que o nível de responsabilização que os oficiais de polícia detinham durante o Novo Império não mais existia na maior parte do Terceiro Período Intermediário. A corrupção do sistema judicial - dos juízes para os escribas e para a polícia - está bem estabelecida durante o declínio do Novo Império e continuou nas eras seguintes.
Sob a Dinastia Ptolemeica (323-30 a.C.), a força policial foi reformada e operava num nível bem maior de integridade mas, novamente, nunca alcançaria as alturas que tinha conhecido nos anos iniciais do Novo Império. A compreensão tradicional do conceito de ma'at tinha sido minada pelo que muitas pessoas reconheciam como uma traição do valor cultural mais sagrado justamente por aqueles que deveriam protegê-lo e defendê-lo. A paralisação trabalhista de c. 1157 a.C. pelos trabalhadores de túmulos de Deir el-Medina, um evento completamente sem precedentes na história egípcia, indicou o fracasso do governo, especialmente do faraó, em manter ma'at no que se referia ao cuidado com o povo. Ainda que se reconhecesse a importância de ma'at após o Novo Império, nunca parece ter tido o mesmo significado cultural de antes.
Os primeiros faraós ptolemeicos certamente fizeram o melhor possível para reviver ma'at e trazer de volta a grandeza do passado do Egito, mas esta iniciativa não se tornou uma prioridade para os reis que os sucederam. Uma força policial ainda existia sob os ptolemeus, mas esta dinastia tinha exércitos para proteger caravanas e contingentes para ocupar guarnições e servir como guarda-costas. Não se considerava a força policial tão importante quanto antes. Quando o Egito foi anexado por Roma e ocupado, soldados romanos permaneceram no país e a força policial egípcia tornou-se irrelevante, desaparecendo do registro histórico.