A Conquista de Jerusalém

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Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Jose Monteiro Queiroz-Neto
publicado em 16 julho 2018
Disponível noutras línguas: Inglês, Árabe, francês, espanhol
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A conquista de Jerusalém do controle muçulmano foi o principal objetivo da Primeira Cruzada (1095-1102), uma campanha militar organizada pelos governantes ocidentais, o Papa e o Império Bizantino. Após um breve sítio, a cidade foi capturada em 15 de julho de 1099 e sua população massacrada. Um exército muçulmano de socorro foi derrotado três semanas mais tarde e a Primeira Cruzada foi aclamada como um sucesso notável no ocidente. Os imensos problemas de logística, fome, doença, um inimigo formidável e rivalidades internas, todos, de alguma maneira, foram contornados, porém a defesa futura da Terra Santa exigiria mais Cruzadas nos próximos dois séculos e nenhuma obteve o mesmo sucesso como a Primeira.

Taking of Jerusalem by the Crusaders
Tomada de Jerusalém pelos Cruzados
Émile Signol (Public Domain)

Prólogo

A Primeira Cruzada foi concebida pelo Papa Urbano II (pont.1088-1099) após um apelo do Imperador bizantino Alexios I Komnenos (rein.1081-1118), que desejava combater a expansão muçulmana dos turcos seljúcidas, os quais haviam tomado de Bizâncio uma boa parte da Ásia Menor. O fato de que Jerusalém, a mais sagrada cidade da cristandade, também havia caído em mãos islâmicas, forneceu o um grande motivador para cavaleiros de toda a Europa viajarem para tentar retomá-la. As combinadas forças de cruzados e bizantinos desfrutaram sucesso, notavelmente recapturando Nicéa em junho de 1097, obtendo uma grande vitória em Dorylaion em 1° de julho de 1097 e capturando Antioquia em 3 de junho de 1098, após um longo sítio.

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O próximo principal objetivo era Jerusalém, embora desde que a cruzada foi lançada, os muçulmanos xiitas fatimidas do Egito haviam tomado o controle da cidade dos seus rivais sunitas seljúcidas. Jerusalém - naturalmente, uma cidade sagrada tanto para os atacantes cristãos como para os defensores muçulmanos – constituía um alvo puramente simbólico da Cruzada, como o historiador T. Asbridge se refere:

Apesar de seu significado espiritual, a posição isolada de Jerusalém nas montanhas da Judeia significa que seu valor político, econômico e estratégico era limitado. (540)

Em dezembro de 1098, o exército cruzado marchou na direção de Jerusalém, tomando e saqueando diversas cidades portuárias sírias no seu caminho, inclusive Belém. Eles chegaram ao destino no dia 7 de junho de 1099, uma terça-feira. Do grande exército que deixou a Europa, restaram somente 1.300 cavaleiros e algo como 12.500 soldados de infantaria, uma força não muito grande, considerando as formidáveis fortificações da Cidade Santa construídas na época do Imperador Romano Hadriano (rein. 117-138). Os bizantinos e muçulmanos haviam reparado e expandido, com o passar dos anos, as muralhas duplas e algumas seções delas contavam com 18 metros (60 pés) de altura e 3 metros (10 pés) de espessura. A cidade se mostrava naturalmente protegida em três lados por profundas ravinas, fossos e precipícios. Mesmo no interior da cidade, existiam duas maciças torres fortificadas: a Torre de Davi e a Torre Quadrangular. Um sítio era a estratégia mais plausível para se alcançar um resultado positivo com um mínimo de perdas de vida, mas a única coisa que os cruzados não tinham era tempo: um exército inimigo de socorro certamente já estaria no caminho, do mesmo modo como havia acontecido em Antioquia no ano anterior.

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Crusaders at the Walls of Jerusalem
Cruzados em Frente às Muralhas de Jerusalém
Francesco Hayez (Public Domain)

O Sítio

O homem encarregado da defesa da cidade era Iftkhar ad-Dawla, comandando uma grande guarnição de soldados em sua maioria árabes e sudaneses – provavelmente diversos milhares de soldados de infantaria e um corpo de cavalaria de elite de 400 egípcios. A força não foi suficiente para guarnecer com homens todas as seções das muralhas, recentemente reparada, embora Iftikhar ad-Dawla possuísse algumas catapultas lançadoras de pedras. Jerusalém não possuía nenhuma fonte de água no interior de suas muralhas, porém havia grandes cisternas, que, com adequado suprimento, permitiria aos defensores a esperança de que pudessem suportar um sítio por algum tempo, até a chegada da prometida força de auxílio vinda do Egito. O governador fatimida retirou todos os rebanhos da área em volta e envenenou todos os poços fora da cidade, para que os atacantes não conseguissem nenhuma vantagem. Como sensata precaução, para evitar traições, todos os cristãos foram expulsos da cidade. Já os judeus, em contraste, puderam permanecer.

Parecia que os cruzados logo estariam sofrendo de mais privações do que os defensores e, com isso, combinaram um assalto direto contra a cidade.

Três dos principais líderes do exército cruzado, Robert de Flandres, Godofredo de Bouillon e Robert da Normandia, edificaram seus acampamentos separadamente, próximos às muralhas norte e noroeste, cobrindo os portões nesta faixa. Enquanto isso, Raymond de Toulouse ocupou o Monte Sião e o normando Tancredo trouxe rebanhos de Belém, antes de assumir posição no canto noroeste da cidade.

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Teve início um bombardeio utilizando mangonelas, porém os atacantes logo tiveram problemas com o suprimento de água e alimentos, graças à previsão de Iftikhar ad-Dawla e um tempo particularmente quente. As deserções não eram raras e incursões de grupos vindos da cidade, persistentemente atacavam as tropas inimigas que iam em busca de água fresca e alimentos para os acampamentos dos cruzados. Havia a impressão de que os atacantes logo estariam sofrendo de mais privações que os defensores e ficou acertado um assalto direto contra as muralhas. Em 13 de junho os cruzados atacaram as muralhas do norte, porém a falta de equipamentos para escalar as muralhas resultou em derrota e foram forçados a se retirarem.

Felizmente para os cruzados, já havia uma solução para o problema surgindo no horizonte. Em 17 de junho, navios genoveses e ingleses chegaram ao porto mais próximo, Jaffa, com armas, alimentos e, mais importante, cordas e madeiras, que foram usadas para construir duas enormes torres de sítio, catapultas, escadas e um aríete. O tempo agora era essencial, pois notícias recentes davam conta que nos primeiros dias de julho um imenso exército egípcio já estaria a caminho para libertar a cidade. O governador fatimida também teve conhecimento da chegada da ajuda e foi por isso que, surpreendentemente, ele ficou relutante em atacar pesadamente os acampamentos dos cruzados.

Em 8 de julho, os cruzados se prepararam para um assalto completo. Liderados por sacerdotes conduzindo relíquias sagradas, caminharam em volta da cidade, a pé, em uma procissão de penitência, com o intuito de lembrar a todos o motivo de terem vindo até este local. Inclusive houve emocionada reconciliação entre os líderes do norte que mantinham uma rixa. Após três anos de privações, batalhas exaustivas em Antioquia e outros lugares e com o moral elevado, a Cruzada, finalmente, estava para ser concluída.

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Godfrey of Bouillon
Godofredo de Bouillonn
Er&Red (Public Domain)

Em 10 de julho, as duas torres de sítio encontravam-se prontas para a ação e foram levadas para a frente das muralhas no Monte Sião e na muralha norte. Uma terceira torre, muito menor, foi colocada contra o canto noroeste das fortificações. Naturalmente, os defensores não ficaram inativos e bombardearam as torres com pedras e fogo grego, o líquido altamente inflamável que, ironicamente, os bizantinos cristãos haviam inventado. Os cruzados lançaram um ataque total na noite do dia 13. Seguiu-se um dia de ferozes combates e, na noite do dia 14, a torre ao norte da muralha foi desmantelada e transferida para outro local. Surpreendendo os defensores ao alvorecer, momento em que se deram conta do novo ponto de ataque, a torre se aproximou o suficiente para que uns poucos homens, liderados por Godofredo de Bouillon, escalassem as muralhas, assegurando uma porção dela, enquanto mais homens avançavam sobre as fortificações subindo em escadas. Na manhã de 15 de julho de 1099, um dos portões principais foi rompido e os cruzados entraram na cidade.

Vitória Final e Chacina

Um grupo remanescente de defensores fugiu em pânico para o Domo da Rocha, mas sem nenhuma possibilidade de uma defesa efetiva e foi rendido por Tancredo, que ergueu prontamente sua bandeira púrpura sobre a Mesquita de al-Aqsa (como havia feito, poucos meses antes, em Belém). Enquanto isso, um segundo grupo, ainda comandado por Iftikhar ad-Dawla, reuniu-se na Torre de David, no quarteirão sul, com Raymond. O governador ofereceu um enorme resgate para pouparem sua vida e de seu guarda-costas. Raymond aceitou, porém, foram eles os únicos muçulmanos na cidade que verim o dia seguinte.

o barbarismo dos cruzados chocou até mesmo os cristãos e o episódio nunca foi inteiramente esquecido ou perdoado pelos estados muçulmanos.

Seguiu-se uma chacina em massa de todos os muçulmanos e judeus de Jerusalém, os últimos considerados como cúmplices. Em números, os mortos foram 10.000 segundo William de Tyre, 65.00 segundo Mathew de Edessa e 75.000 na visão de Ibn al-Athhir, tudo isso evidentemente um exagero, pois uma fonte muçulmana contemporânea (Ibn al-Arabi), sem nenhum motivo para minimizar a carnificina, fornece 3.000 como número de mortos, de uma cidade com prováveis 30.000 moradores. Mais ainda, o barbarismo dos cruzados chocou até mesmo os cristãos e o episódio jamais foi inteiramente esquecido ou perdoado pelos estados muçulmanos.

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A descrição, no século XII, desta barbaridade por William de Tyre, veio a ser um dos relatos-padrão do episódio (apesar do cronista ter nascido 30 anos depois):

Era impossível ver o enorme número de massacrados sem se sentir horrorizado; por toda parte encontravam-se fragmentos de corpos humanos, e o chão coberto com o sangue dos mortos. Ainda mais pavoroso foi encarar os próprios vitoriosos encharcados de sangue da cabeça aos pés. (Phillips,33)

A cidade foi sistematicamente saqueada e pilhada em seus objetos preciosos. E quando os mortos, empilhados em grande quantidade ameaçavam disseminar doença, os prisioneiros muçulmanos foram forçados a queimar os corpos de seus companheiros fora da cidade em volumosos amontoados antes que eles mesmos fossem massacrados a sangue frio. Enquanto isso, na Itália, o Papa Urbano II havia morrido em 29 de julho de 1099, sem ter tomado conhecimento do sucesso ou da brutalidade da Cruzada que ele havia começado.

Capturar Jerusalém foi uma façanha admirável, porém permanecer dentro dela precisava de mais combate. Dentro de um mês, um grande exército egípcio com aproximadamente 20.000 homens, chegou para retomar a cidade. Comandado pelo vizir fatimida al-Afdal, a grande força enviou observadores à frente, porém estes foram capturados pelos cruzados. Os espiões egípcios capturados foram induzidos a revelar detalhes do acampamento inimigo, induzindo os cruzados por um imediato ataque surpresa. Em 10 de agosto, o exército cruzado em peso reuniu-se em Ibelin, exatamente a poucos quilômetros do inimigo, acampado ao norte de Ascalon. Os muçulmanos foram pegos inteiramente de surpresa, entrando em pânico, muitos deles batendo em retirada para um pomar onde encontraram a morte após as árvores terem sido incendiadas. Outros foram lançados ao mar e o estandarte do vizir capturado. Ao final do dia tudo já havia terminado. Jerusalém estava segura e Godofredo de Bouillon, o herói do sítio, foi feito rei.

Consequências

Para alguns historiadores, a batalha de Ascalon marca o final da Primeira Cruzada. Muitos cruzados retornaram para casa, incluindo os líderes Raymond de Toulouse, Robert da Normandia e Robert de Flandres. Uma nova onda de cruzados chegaria a Constantinopla com mais vitórias, notavelmente em Casaréa em 17 de maio de 1101 e Acre logo em seguida, a 26 de maio. Os fatimidas e seljúcidas começaram a se familiarizar com as táticas na guerra da Europa Ocidental e começaram a se recuperar. Assegurar os ganhos territoriais, no que ficou conhecido como o Oriente Latino, demonstraria não ser uma tarefa fácil para os cruzados: Edessa cairia, necessitando uma Segunda Cruzada (1147-1149) e mesmo Jerusalém foi novamente perdido em 1187, o que levou ao chamamento da Terceira Cruzada (1189-1192).

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Sobre o tradutor

Jose Monteiro Queiroz-Neto
Monteiro é um pediatra aposentado interessado na história do Império Romano e da Idade Média. Tem como objetivo ampliar o conhecimento dos artigos da WH para o público de língua portuguesa. Atualmente reside em Santos, Brasil.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

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Estilo APA

Cartwright, M. (2018, julho 16). A Conquista de Jerusalém [The Capture of Jerusalem, 1099 CE]. (J. M. Queiroz-Neto, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1254/a-conquista-de-jerusalem/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "A Conquista de Jerusalém." Traduzido por Jose Monteiro Queiroz-Neto. World History Encyclopedia. Última modificação julho 16, 2018. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1254/a-conquista-de-jerusalem/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "A Conquista de Jerusalém." Traduzido por Jose Monteiro Queiroz-Neto. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 16 jul 2018. Web. 22 dez 2024.