A Segunda Cruzada (1147-1149) teve como seu último ato o Cerco de Damasco em 1148. Com duração de singelos quatro dias, de 24 a 28 de julho, o cerco do exército da Europa Ocidental não teve sucesso e a Cruzada esvaiu-se, com seus líderes retornando para casa mais amargos e irritados entre si, do que com o inimigo muçulmano. Cruzadas adicionais foram posteriormente lançadas, porém o mito da invencibilidade dos cavaleiros ocidentais ficou destruído para sempre devido ao fiasco perante Damasco.
Contexto: A Segunda Cruzada
A Segunda Cruzada foi uma campanha militar organizada pelo Papa e pelos nobres europeus para retomar a cidade de Edessa, na Mesopotâmia, conquistada que foi pelos muçulmanos turcos seljúcidas. Importante centro comercial e cultural, Edessa encontrava-se em mãos dos cristãos desde a Primeira Cruzada (1095-1102), até cair em poder dos muçulmanos. No entanto, quando o Papa Eugênio III (pont. 1145-1153) proclamou oficialmente para uma Cruzada em 1º de dezembro de 1145, com os objetivos da campanha colocados um tanto vagamente, como um amplo apelo à proteção das conquistas da Primeira Cruzada e aos cristãos, inclusive às sagradas relíquias no Levante.
A Segunda Cruzada incluiu bem-sucedidas campanhas na Península Ibérica e no Báltico contra os mouros muçulmanos e pagãos europeus, respectivamente, mas foi o Levante que permaneceu como foco da guerra santa da cristandade. O exército cruzado no Oriente Médio contava com aproximadamente 60.000 homens, liderados pelo rei alemão Conrad III (rein. 1138-1152) e pelo Rei da França Louis VII, (rein. 1137-1180). Como na Primeira Cruzada, o grosso do exército viajou via Constantinopla, onde se depararam com o receio dos bizantinos e do Imperador Manuel I Komnenos (rein. 1143-1180). A principal preocupação de Manuel era que os cruzados agiriam para se apoderarem de partes do Império bizantino. Consequentemente, Manuel insistiu que os líderes da Cruzada, com chegada em setembro e outubro de 1147, jurassem obediência pessoal a ele. Ao mesmo tempo, os poderes ocidentais consideraram os bizantinos muito preocupados com os assuntos dos europeus e dando pouca atenção nas nobres oportunidades que uma cruzada apresentava, ainda mais que as antigas divisões entre as igrejas do Oriente e do Ocidente ainda não haviam sido dissipadas. É significativo que Manuel, apesar da diplomacia, reforçou as fortificações de Constantinopla e forneceu uma escolta militar para vigiar, o mais estreitamente possível, os cruzados em sua caminhada.
O contingente alemão do exército cruzado, já tendo sofrido perdas significativas durante uma terrível tempestade no acampamento próximo a Constantinopla, ignorou o conselho, uma vez estando na Ásia Menor, para ficar na segurança da costa, senão, encontrariam um desastre ainda maior. Em Dorilea, uma força de turcos muçulmanos seljúcidas, em 25 de outubro de 1447, causou uma devastação devido ao movimento lento dos ocidentais. Estes foram forçados a se retirarem para Nicea, com o próprio Conrado saindo ferido, mas ele conseguiu retornar a Constantinopla para se tratar.
Enquanto isso, o exército liderado por Louis VII, embora chocado ao ouvir do fracasso germânico, rapidamente manobrou para derrotar o exército seljúcida em dezembro de 1147. O sucesso teve vida curta, pois em 6 de janeiro de 1148, os franceses foram derrotados em batalha quando cruzavam as Montanhas Cadmus. Foi uma abertura desastrosa para uma campanha que ainda não havia atingido seu objetivo no Norte da Síria, devido a uma deplorável sequência de mal planejamento, logística pobre e conselho ignorado.
Louis VII e seu arrasado exército finalmente chegaram a Antioquia em março de 1148. Daí, ele ignorou a proposta de Raymond de Antioquia para lutar no norte da Síria e marchou para o Sul. Um conselho de líderes ocidentais teve lugar em Acre e foi selecionado o alvo da Cruzada, não a já destruída Edessa, mas Damasco, dominada pelos muçulmanos, a mais próxima ameaça a Jerusalém e um e prêmio de grande valor devido à história e riqueza da cidade.
A Grande Cidade de Damasco
Damasco, localizada no Sudoeste da Síria, em outros tempos fora uma aliada do cruzado Reino de Jerusalém, no entanto, as volúveis lealdades entre os vários estados muçulmanos no Levante, não eram garantias para uma paz no futuro. Os cruzados enfrentaram um grande dilema: tomavam uma grande cidade ou voltavam para casa como um completo fracasso. Partindo disso, escolheram Damasco como a cidade a ser conquistada. Se tudo desse certo, teria sido uma ótima escolha, entre quaisquer outras. De fato, duas tentativas já haviam sido feitas para tomar a cidade pelos francos, como os colonizadores ocidentais eram conhecidos na Idade Média, em 1126 e 1129. Esta situação, agora, se tornou mais urgente, com a real perspectiva de que os muçulmanos de Damasco se uniriam com os de Alepo, sob o comando do mais recente conquistador de Edessa, o ambicioso Nur ad-Din (algumas vezes grafado como Nur al-Din, rein. 1146-1174). Bastante seguro, o comandante militar muçulmano de Damasco, ou atabeg, em termos práticos o governante da cidade, era Mu’in al-Din Abu Mansur Anur (ou Mu’in al-Din ‘Unar, rein. 1138-1149), em 1147 planejou casar sua filha com Nur ad-Din. O mundo muçulmano estava começando a se unir contra os repetidos ataques pelos exércitos ocidentais.
Damasco conseguiu sua riqueza a partir de sua vantajosa posição na rotas das caravanas e da Rota da Seda, bem como seu controle de um extenso e rico interior agricultável. A cidade também possuía um significado religioso tanto para cristãos como muçulmanos. Capital do Império Umaída, de 661-750, a cidade tinha sido um grande centro de aprendizagem e de artes e ostentava uma refinada arquitetura, como a Grande Mesquita do século VIII que guardava umas das mais sagradas relíquias do islã, o Corão do Califa Uthman, um dos mais antigos sucessores de Maomé. Além do mais, o Monte Kaisoun, próximo da cidade, era considerado como o local de nascimento de Abraão e, na tradição muçulmana, Damasco seria o local da chegada do Messias antes do Dia do Julgamento. Era uma cidade merecedora de disputa tanto por razões ideológicas, como financeiras.
O exército muçulmano na defesa de Damasco era composto por um núcleo profissional, os askars, e um conjunto de forças suplementares que incluía uma milícia, os ahdath, constituída pelos mais pobres elementos da cidade e seu grande território em volta, voluntários turcomanos e curdos, tropas fornecidas pelos estados sob o governo de Damasco – notavelmente um grande contingente de arqueiros do Líbano e, finalmente, aliados beduínos árabes. Estas forças é que deveriam manter a cidade contra os temidos cavaleiros ocidentais.
O Cerco
Quando Mu’in al-Din ficou sabendo da aproximação do exército cruzado, o comandante iniciou a destruição de postos e fontes de água na provável rota de aproximação. O exército cruzado, dividiu-se em três contingentes, liderados, respectivamente, por Louis VII, Conrado III e Baldwin III de Jerusalém (rein.1143-1163) e chegou a Damasco em 24 de julho de 1148 e imediatamente atacou. De fato, embora os relatos históricos sejam notoriamente confusos e conflitantes, parece que os cruzados esperavam que a cidade caísse dentro de dias e não fizeram planos no caso de uma prolongada defesa.
Após os cruzados atravessarem os canais de irrigação afastados da cidade, Mu’in al-Din lançou seu exército para impedir que os cruzados atravessassem o Rio Barada. As forças de Louis e Baldwin foram mantidas na retaguarda, mas Conrad rompeu através das linhas e os muçulmanos tiveram de recuar atravessando um terreno difícil cheio de pomares e bosques com muros baixos - que se estendiam por mais ou menos 8 km (5 milhas) por fora das muralhas da cidade – finalmente alcançando a segurança das muralhas defensivas da cidade.
O exército cruzado, talvez com 50.000 homens, avançou e assumiu o controle dos arredores oeste da cidade. Em Rabwa, as fortificações foram construídas para separarem Damasco do Vale Biqa’a. Os subúrbios de Faradis foram os primeiros a sofrerem ataque e por volta do dia 25, foi construída uma fortificação fora do portão Bab al-Jabiya utilizando madeira dos bosques da cidade. O cerco estava em cursos, mas Mu’in al-Din já havia solicitado ajuda de Nur ad-Din em Alepo e Sayf al-Din Ghazi em Mosul (rein.1146-1149).
No final do dia 25 de julho, o exército cruzado acampou sobre Maydan al-Akhdar (Maydan Verde), a área gramada usada pela cavalaria de Damasco como terreno de treinamento. A cidade lançou uma força para afastar os atacantes e deu-se um dia de intensos combates, especialmente no Norte da Damasco. Os defensores enfrentaram pesadas baixas, mas é provável que deixaram a área livre e, assim, permitir que os reforços que os reforços do Líbano e de Sayf al-Din chegassem em 26 e 27 de julho. É provável que os cruzados pretendessem, agora, concentrar suas forças tanto no lado Leste e Sul da cidade e frente ao portão mais fraco, o Bab al-Saghir ou Pequeno Portão, construído por tijolos de lama – mesmo que essas áreas fossem muito menos vantajosas para alimentos e suprimento de água. No entanto, Mu’in al-Din organizou grandes ataques contra os acampamentos cruzados com uma força que incluía qualquer pessoa que pudesse pegar em armas, como descreveu o historiador muçulmano Abu Shama (*1203 +1268):
Um grande grupo de habitantes e aldeões ... lançados para atacar todas as sentinelas, matando-as, sem medo do perigo, cortando a cabeça de todo inimigo que matasse e desejando tocar estes troféus. O número de cabeças que reuniram foi considerável. (Nicolle, 71)
Nesse meio tempo, os habitantes da cidade fortaleceram as fortificações mais fracas utilizando paliçadas de madeira. Damasco estava se mostrando ser um alvo muito mais difícil que os ocidentais achavam e, para melhorar o moral, a relíquia da Verdadeira Cruz desfilou pelos acampamentos dos cruzados.
Em 28 de julho, os cruzados mudaram seu principal acampamento do Maydan Verde mas, antes de determinar um novo local e após somente quatro dias de cerco, os líderes decidiram se retirarem de Damasco no dia seguinte. Mesmo assim, os ocidentais tiveram de enfrentar um feroz ataque à sua retaguarda quando tentavam reagrupar para o Sul. O cerco de Damasco foi um medíocre episódio final da campanha e nada menos que um fiasco, considerando as gloriosas intenções originais dos organizadores da Segunda Cruzada.
Causas do Fracasso
Foram múltiplas as causas deste fracasso:
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Dificuldades apresentadas para defesa – principalmente o terreno e o tamanho da cidade;
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As táticas de guerrilha, tipo ataca e foge, dos defensores e sua tenacidade;
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Assédio continuado das milícias locais nos territórios em volta de Damasco;
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Séria falta de alimento e água para os atacantes.
Todos esses fatores combinados significaram que o cerco deveria ser abandonado. É também interessante notar que nem as fontes cristãs e nem as muçulmanas, mencionam a presença de máquinas de cerco. Outra vez, mal planejamento e logística pobre iriam validar a destruição dos cruzados. O combate em volta da cidade foi feroz, com sérias perdas para ambos os lados, mas nenhum avanço real foi feito durante os quatro dias. A ausência de um plano prévio apoiado em logísticas apropriadas e armamentos de cerco mostrou-se fatal. Os fracassos da Segunda Cruzada estão agora colocando a já lendária Primeira Cruzada, em discussão segundo outra perspectiva.
O colapso do cerco após tão curto tempo sugere que se suspeite, como Conrado III, que os defensores subornaram os residentes cristãos para se manterem inativos. Outros suspeitam de uma interferência bizantina. Provavelmente ocorreram desentendimentos e suspeições entre as facções cruzadas, especialmente entre aqueles já residentes no Levante e os recém-chegados e, inclusive, entre os líderes para definir exatamente o que fazer com Damasco se e quando fosse capturada. Subestimaram, talvez, o fervor dos defensores para manter sua estimada posse e a chegada de um grande exército muçulmano distante 150 km, enviado por Nur ad-Din. Com limitação em números e suprimentos, enfrentando um tempo muito curto para capturar a cidade antes da chegada da força de socorro muçulmana e suas próprias fracas defesas, os líderes cruzados preferiram a opção da retirada a combater no outro dia. Não deveria acontecer outro combate, pois o exército havia se retirado para o Reino de Jerusalém. Conrado III retornou à Europa em setembro de 1148 e Louis, após um tour pela Terra Santa, fez o mesmo seis meses mais tarde. A Segunda Cruzada, apesar de muita promessa quando convocada, malogrou desapontadoramente, tal como fogos de artifício molhados.
Consequências
Nur ad-Din, como os cruzados sem dúvida haviam temido, continuou a consolidar seu império e, em 29 de junho de 1149, tomou Antioquia após a batalha de Inab, decapitando seu governante, Raymond de Antioquia. E Raymond, o Conde de Edessa, foi capturado e mantido em prisão e o Estado Latino de Edessa foi eliminado em 1150. Em seguida, Nur ad-Din assumiu o controle de Damasco em abril de 1154, após a morte de causas naturais de Mu’in al-Din, unindo a Síria muçulmana. Os muçulmanos poderiam representar uma ameaça permanente tanto ao Império Bizantino, como ao Oriente Latino. Quando Shirkuh, general de Nur ad-Din, conquistou o Egito em 1168, o caminho estava aberto para uma ainda maior ameaça à cristandade, o grande líder muçulmano Saladin (rein.1169 – 1193), sultão de Egito, cuja vitória na Batalha de Hattin em 1187, iria provocar a convocação da Terceira Cruzada (1189-1192).