Vitória Alada: Nike da Samotrácia

Artigo

Cindy Meijer
por e , traduzidos por Ricardo Albuquerque
publicado em 17 julho 2019
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
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Uma das mais celebradas obras da arte helenística, sem dúvida, é a Nike da Samotrácia (mais conhecida em português como Vitória da Samotrácia), em exibição no Louvre desde 1884. A estátua de mármore de Paros representa a personificação da vitória alada. De certo modo, o impacto da peça de 2,75 metros de altura é ainda maior atualmente porque a cabeça e os dois braços da deusa estão ausentes.

A representação magistral dos drapejados ondulantes do seu chiton (túnica) pregueado deixa a impressão de que a Vitória desce dos céus em meio a uma tempestade. O tecido do seu chiton está pressionado contra o corpo, como se molhado com o ar úmido, e ainda assim, ao mesmo tempo, alguns drapejados flutuam em pregas ondulantes às suas costas. A deusa usa um cinturão sob seus seios, assim como em torno dos quadris, sobre os quais as pregas dobram-se dramaticamente. Este estilo de cinturão duplo nas túnicas femininas era popular no século IV a.C.. Sobre a túnica, ela veste um himation (manto), que cobre a perna direita e é jogado contra o corpo dela pela força imaginária do vento marítimo. As asas emplumadas da deusa estão abertas, como se estivesse em pleno voo.

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Nike of Samothrace
Nike da Samotrácia
Tory Brown (CC BY-NC-SA)

A estátua foi imaginada primariamente para ser vista do lado esquerdo numa visão três-quartos. Isso fica claro no lado direito do corpo que - como a parte de trás - é esculpida de forma bem menos detalhada. Comparada com a composição dinâmica e detalhes elaborados da esquerda, o arranjo do lado direito da estátua é bastante básico. A deusa desce dos céus e acaba de pousar sobre a proa de um navio com seu pé direito, enquanto o esquerdo ainda se encontra no ar. A base de mármore cinza da ilha de Lartos sugere que a obra de arte não somente pretendia fazer um tributo a Nike, mas também comemorava a vitória numa batalha naval. Em conjunto com a base e o pedestal sobre o qual se eleva, a obra mede impressionantes 5,57 metros de altura.

A Ilha dos Grandes Deuses

A estátua da deusa da vitória foi escavada em 1863, na ilha grega de Samotrácia, pelo vice-cônsul francês e arqueólogo amador Charles Champoiseau. Esta ilha abrigava do antigo santuário dedicado aos Grandes Deuses (Megaloi Theoi em Grego). Estas enigmáticas divindades eram alvo de um misterioso culto ctônico pan-helênico, com status semelhante aos Mistérios de Elêusis, de Deméter e Perséfone, na Ática.

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Os restos arqueológicos de uma fundação e a boa condição da estátua de mármore sugerem que a Nike se encontrava num pequeno prédio com telhado.

Como os iniciados de cultos misteriosos juravam segredo, muito pouco é conhecido a respeito do culto samotraciano e os Grandes Deuses. Devido à sua estratégica localização entre várias rotas comerciais no Mar Egeu setentrional, o culto estava associado com a proteção no mar e, portanto, era popular entre navegantes. Conta-se que os pais de Alexandre, o Grande - Filipe II da Macedônia e Olímpia do Épiro - viram-se pela primeira vez como iniciados na Samotrácia (Plutarco, Alexandre, 2.1).

Durante o período helenístico, o santuário dos Grandes Deuses recebeu grandes reformas, com os sucessores de Alexandre (356-323 a.C.) tentando superar um ao outro na generosidade em promover o embelezamento e aumento do complexo do templo. Foram construídas uma entrada monumental a leste e uma colunata, além do nivelamento do topo da colina a oeste para instalação de um terraço. No setor sul do platô, a mais alta e remota parte do santuário, a estátua de Nike foi colocada num nicho talhado na rocha. Os restos arqueológicos de uma fundação e a boa condição da estátua de mármore sugerem que a Nike se encontrava num pequeno prédio com telhado.

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Ao ser descoberta entre as ruínas do santuário, porém, a estátua estava em pedaços. Localizaram-se fragmentos das vestimentas e penas das asas, mas a cabeça e os braços não foram recuperados. Quando Champoiseau desenterrou vários blocos de mármore cinza e os restos de uma construção próxima à estátua, ele chegou à conclusão de que eram parte de um túmulo.

Right hand of the Nike of Samothrace
Mão direita da Nike da Samotrácia
Tangopaso (Public Domain)

Em 1875, o sítio foi examinado por um grupo de arqueólogos austríacos, que perceberam que os blocos formavam a proa de um navio quando reunidos e que o todo representava a base de uma estátua. Champoiseau soube disso e conseguiu que os blocos fossem trazidos para o Louvre para uni-los à Nike.

Em 1950, a mão direita da estátua, sem dedos, foi achada sob uma grande rocha próximo ao sítio onde a Nike erguia-se originalmente. Não muito tempo depois ficou claro que alguns dedos, armazenados no Kunsthistorisches Museum (Museu de História da Arte) de Viena, pertenciam à estátua.

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Restaurações e Hipóteses

Ao longo dos anos, houve muitas tentativas de restaurar a famosa Vitória da Samotrácia. Não apenas a cabeça e braços da deusa estavam faltando, mas também um dos pés; a asa direita é uma peça em gesso que espelha a asa esquerda. Desta forma, o presente estado da estátua ainda deixa muito para a imaginação. Por exemplo, Nike segurava objetos em suas mãos? Foi sugerido que ela pode ter segurado uma coroa de flores para homenagear o vitorioso de uma batalha naval, uma trombete para sinalizar a vitória ou que ela erguia a mão para anunciar o vencedor.

Fragmentos das partes perdidas dão pistas sobre a postura original da estátua. A asa direita se elevaria mais alto e voltada para cima. O braço direito seria mantido distante do corpo, com o cotovelo dobrado. Os fragmentos da mão direita mostram claramente que ela não poderia ter segurado nenhum objeto, já que a palma está aberta e os dedos esticados. A Nike deve, portanto, ter simplesmente elevado o braço direito numa saudação. O braço esquerdo ficava estendido ao longo do corpo. A cabeça, tão importante numa imagem divina, deve ter olhado diretamente à frente, mas pode-se especular sobre as características e a expressão da face.

Artist’s impression of the Nike of Samothrace
Impressão artística da Nike da Samotrácia
Cindy Meijer (CC BY-NC-SA)

O que ocasionou a dedicação desta obra de arte a Samotrácia, e especificamente a qual vitória naval se refere, ainda nos escapa. As hipóteses abrangem uma coleção de vitórias navais historicamente importantes, desde a Batalha de Salamina (306 a.C.) à Batalha de Ácio [Actium] (31 a.C.).

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Pela origem do mármore cinza de Lartos, escavado por Rodes para manufaturas locais, podemos deduzir que os rodianos dedicaram um monumento à vitória para marcar sua contribuição para a derrota do rei selêucida Antíoco, o Grande, em 188 a.C.. Esta foi a primeira vez que a República Romana se engajou num combate ao longo do Mediterrâneo Oriental. A Samotrácia, no entanto, permaneceu sob controle macedônico por mais duas décadas.

A já mencionada Batalha de Salamina, na qual Demétrio I da Macedônia (também conhecido como Demétrio Poliórcetes) esmagou o poderio naval de Ptolomeu I Sóter no litoral de Chipre, é uma candidata problemática. Afinal, o navio no qual Nike pousa é o chamado trihemiolia (um tipo de trirreme) que apareceu pela primeira vez na frota de Rodes durante o fracasso de Demétrio em sitiar a ilha (305-304 a.C.).

Plaster Copy of the Nike
Cópia em Gesso da Nike da Samotrácia
Allard Pierson Museum (CC BY-NC-SA)

É improvável que Demétrio tivesse acesso ao mármore de Lartos e não retrataria um navio inventado por seus oponentes. Na época, a Samotrácia ficou sob a suserania do rival Cassandro. Demétrio assumiu o trono macedônico somente uma década depois (294 a.C.). O monumento à vitória na Samotrácia pode portanto ser atribuída a uma das muitas batalhas navais que antecederam o Tratado de Apameia, provavelmente desde a ascensão ao trono de Filipe V da Macedônia (221 a.C.).

Conclusão

O que faz a Vitória da Samotrácia tão significativa é que se trata de um dos poucos exemplos da escultura original helenística que sobreviveram, e não uma cópia romana. Ainda que incompleta, em maestria ela rivaliza com o frontão do Partenon ateniense e o Grande Altar de Pérgamo. Mesmo se os eventos históricos que ocasionaram sua dedicação permaneçam imprecisos, a Vitória Alada é verdadeiramente uma obra de arte da escultura helenística. É certo que a deusa alada continuará a cativar visitantes, exatamente como ocorreu, sem dúvida, quando estava localizada no misterioso santuário dos Grandes Deuses.

Uma versão deste artigo foi originalmente publicada em AncientWorldMagazine.com.

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Bibliografia

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Cindy Meijer
Cindy Meijer is a PhD student in Ancient History. Her research focuses on the political background of predictive texts from the Hellenistic Near East.

Citar este trabalho

Estilo APA

Meijer, C. (2019, julho 17). Vitória Alada: Nike da Samotrácia [Winged Victory: the Nike of Samothrace]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1412/vitoria-alada-nike-da-samotracia/

Estilo Chicago

Meijer, Cindy. "Vitória Alada: Nike da Samotrácia." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação julho 17, 2019. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1412/vitoria-alada-nike-da-samotracia/.

Estilo MLA

Meijer, Cindy. "Vitória Alada: Nike da Samotrácia." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 17 jul 2019. Web. 22 nov 2024.