A Peste Negra é o termo do século XIX para a epidemia que assolou a Europa entre 1347 e 1352, matando aproximadamente 30 milhões de pessoas somente no continente europeu, visto que ela atingiu proporções pandêmicas. O nome vem dos bubões negros (linfonodos infectados) que se disseminavam pelo corpo da vítima. A sua causa era a bactéria Yersinia pestis, transportada por pulgas de roedores, geralmente ratos, mas era desconhecida pelas pessoas daquela época, uma vez que a bactéria só foi identificada em 1894. A peste era atribuída principalmente a causas sobrenaturais – a ira de Deus, o trabalho do demônio, o alinhamento dos planetas – e, em decorrência disso, ao “ar ruim” ou a um desequilíbrio dos “humores” do corpo que, quando em harmonia, mantinham a pessoa saudável.
Como ninguém conhecia a causa da doença, nenhuma cura era possível, não impedindo, contudo, que as pessoas fizessem tentativas baseadas no conhecimento médico da época, proveniente principalmente do médico grego Hipócrates (c. 460-c. 370 a.C.), do filósofo Aristóteles de Estagira (c. 384-322 a.C.) e do médico romano Galeno (c. 130-210 d.C.), bem como de crenças religiosas, folclore, fitoterapia e superstição. Esses tratamentos – a maioria das quais eram ineficazes, sendo algumas fatais – dividiam-se em cinco categorias:
- Tratamentos com animais
- Poções, fumigações, sangrias, pastas
- Fuga de áreas infectadas e perseguição de comunidades marginalizadas
- Tratamentos religiosos
- Quarentena e distanciamento social
Dessas cinco, apenas a última – quarentena e o que hoje é conhecido como “distanciamento social” – teve algum efeito na redução de propagação da peste. Infelizmente, as pessoas na Europa do século XIV relutavam em ficar isoladas em suas casas, assim como as pessoas nos dias de hoje, durante a pandemia de Covid-19. Os ricos compravam sua saída da quarentena e fugiam para propriedades rurais, espalhando ainda mais a doença, enquanto outros ajudavam na disseminação ao ignorar os esforços de quarentena, manter a participação em cerimônias religiosas e manter seus afazeres diários. Quando a peste parou de se alastrar pela Europa, milhões de pessoas haviam morrido e o mundo que os sobreviventes conheciam seria alterado radicalmente.
Chegada da Peste e Disseminação
A peste estava matando pessoas no Oriente Próximo antes de 1346, mas naquele ano ela se intensificou e se disseminou. Em 1343, os mongóis, sob o comando do Janibek Khan (que reinou entre 1342 e 1357), interviram em uma briga de rua na cidade crimeia de Tana, então dominada pelos italianos, na qual um comerciante cristão italiano matou um mongol muçulmano. Tana foi facilmente dominada por Janibek, mas vários comerciantes fugiram para a cidade portuária de Caffa (atual Teodosia, na Crimeia), com o exército mongol em sua perseguição. Caffa foi então sitiada, mas, ao mesmo tempo, a peste começou a se espalhar pelo exército mongol entre 1344 e 1345.
O tabelião italiano Gabriel de Mussi (c. 1280-c. 1356) foi uma testemunha ocular do cerco ou recebeu um relato em primeira mão, tendo escrito sobre ele em 1348/1349. Ele relata como, à medida que os guerreiros mongóis morriam e seus cadáveres lotavam o acampamento, o povo de Caffa se regozijava com o fato de que Deus estava derrotando seus inimigos. Contudo, Janibek ordenou que os cadáveres de seus soldados fossem catapultados sobre as muralhas da cidade, e a peste não tardou a se disseminar na cidade.
Alguns estudiosos modernos sugeriram que os mortos não poderiam ter infectado o povo de Caffa, pois a doença não poderia ser transmitida pelo manuseio de cadáveres, mas, mesmo que isso seja verdade, muitos desses cadáveres – descritos como “em apodrecimento” – provavelmente já estavam em um estado avançado de putrefação, sendo que gases e fluidos corporais poderiam ter infectado os defensores da cidade, a medida que eles tentavam se livrar do que de Mussi descreve como “montanhas de mortos” (Wheelis, 2).
Alguns habitantes de Caffa fugiram da cidade em quatro navios mercantes, os quais primeiramente foram à Sicília e, após, a Marselha e a Valência, espalhando a peste em cada porto. A partir desses portos, outras pessoas infectadas espalharam a doença e as pessoas começaram a morrer por toda a Europa, Grã-Bretanha e até mesmo na Irlanda, onde navios da Europa atracavam para comerciar.
Conhecimento Médico
Os médicos da época não tinham ideia de como lidar com o surto. Nada em sua experiência chegava perto da epidemia que, geralmente, matava as pessoas após três dias do início dos sintomas. O acadêmico Joseph A. Legan observa:
Quando a Peste Negra atingiu a Europa em meados do século XIV, ninguém sabia como prevenir ou tratar a doença. Muitos acreditavam que poderiam curá-la, mas nenhuma das sangrias, misturas ou orações foram bem-sucedidas. A estrutura intelectual geral para lidar com a doença era falha. O fracasso da medicina medieval se deve, em grande parte, à severa observância às autoridades antigas, bem como a relutância em mudar o modelo de fisiologia e doença apresentado por tais autoridades. (1)
Nenhum dos trabalhos de Galeno – e menos ainda de outros profissionais – estavam disponíveis em latim ou grego para o médico europeu, que tinha de confiar nas traduções árabes, que eram então traduzidas para o latim, assim como O Cânone de Medicina, do persa perito em diversas ciências Ibn Sina (também conhecido como Avicena, que viveu aproximadamente de 980 a 1037), cujo trabalho brilhante foi frequentemente obscurecido por péssimas traduções. Principalmente com base nos trabalhos de Galeno, a base da medicina medieval era a teoria dos humores – os quatro elementos, que são terra, água, ar e fogo estão ligados aos fluidos corporais de bile amarela (fogo), sangue (ar), fleuma (água) e bile negra (terra), sendo cada “humor” associado a uma cor, determinado sabor, tipo de temperamento e estação do ano.
A saúde de uma pessoa também podia ser afetada pelo alinhamento astrológico e, é claro, por entidades sobrenaturais, como Deus, Satanás, demônios diversos, além da “bruxaria” de povos marginalizados, como ciganos, judeus e outros considerados “forasteiros”, acreditando-se que possuíssem conhecimentos de magia negra. O acadêmico George Childs Kohn comenta sobre as causas apontadas para a praga:
A praga foi atribuída a qualquer um dos seguintes fatores: ar e água viciados, ventos quentes e úmidos do sul, proximidade de pântanos, falta de luz solar purificadora, excrementos e outras partes sujas e em decomposição de cadáveres, consumo excessivo de alimentos (especialmente frutas), ira de Deus, punição pelos pecados e a conjunção de estrelas e planetas. Os fanáticos religiosos afirmavam que os pecados humanos haviam trazido a terrível peste; eles circulavam nos lugares, flagelando-se em público… Havia pânico disseminado, com homens e mulheres não sabendo como detê-la, exceto fugindo dela. (27-28)
Contudo, havia muitas pessoas que não fugiram, mas tentaram encontrar algum meio de combater a doença onde estavam. Com base no conhecimento médico da época, tratamentos populares que haviam sido transmitidas por gerações, crença cristã, superstição e preconceito, as pessoas tentaram qualquer sugestão oferecida para vencer a morte.
Tratamento com Animais
Um dos tratamentos mais populares foi o “Método de Vicary”, assim denominada devido ao médico inglês Thomas Vicary, primeiro a propô-la. Pegava-se uma galinha saudável e depenava-se o dorso e o traseiro; essa parte nua da galinha viva era então colocada junto aos linfonodos edemaciados da pessoa doente, amarrando-se a galinha ao local. Quando esta apresentava sinais de doença, acreditava-se que ela estava extraindo a doença da pessoa. Ela era removida, lavada e amarrada novamente, mantendo-se o ciclo até que a galinha ou o paciente morresse.
Outra tentativa de tratamento era encontrar e matar uma cobra, cortá-la em pedaços e esfregar estes pedaços nos bubões inflamados. Acreditava-se que a cobra, sinônimo de Satanás na Europa, extraia a doença do corpo, pois o mal atrairia o mal. Os pombos eram usados da mesma forma, mas não se sabe ao certo o motivo da sua escolha.
Um animal muito procurado por seus poderes curativos era o unicórnio. Acreditava-se que beber um pó feito de chifre moído do unicórnio, misturado com água, era um remédio eficaz, estando entre os mais caros. O unicórnio não podia ser capturado com facilidade e tinha de ser acalmado até a submissão por uma jovem donzela virgem. Os médicos que conseguiam obter o pó de um “chifre de unicórnio” moído usavam-no para tratar picadas de cobra, febre, convulsões e ferimentos graves e, portanto, acreditava-se que funcionava igualmente bem para a peste. No entanto, não há evidências de que era o caso, assim como os tratamentos envolvendo galinha ou cobra.
Poções, Fumigações, Sangrias e Pastas
A poção de unicórnio não era o único tratamento – ou o mais caro – oferecida à nobreza ou à rica classe de comerciantes. Outro tratamento era comer ou beber uma pequena quantidade de esmeraldas trituradas. O médico moía as esmeraldas com um pilão e socador, administrando ao paciente como um pó fino misturado com comida ou água. Aqueles que não podiam se dar ao luxo de consumir esmeraldas, bebiam arsênico ou mercúrio, o que os matava mais rapidamente do que a peste.
Uma das poções mais conhecidas era o Vinagre dos Quatro Ladrões, uma combinação de cidra, vinagre ou vinho, com especiarias como sálvia, cravo, alecrim e absinto (entre outras), considerada uma potente proteção contra a peste. Supostamente, foi criado e utilizado por quatro ladrões que conseguiam roubar as casas dos moribundos e os túmulos dos mortos, porque a bebida os tornava imunes à peste. O Vinagre dos Quatro Ladrões ainda é fabricado e utilizado atualmente na prática da medicina homeopática como agente antibacteriano, contudo, ninguém nos dias de hoje afirma que ele possa curar a peste.
A poção mais popular entre os abastados era conhecida como Teriaga. Legan observa que “era muito difícil de preparar; as receitas geralmente continham até oitenta ingredientes e, comumente, quantidades significativas de ópio” (35). Os ingredientes eram moídos em uma pasta, que era misturada com xarope e consumida conforme a necessidade. No entanto, não se sabe exatamente quais eram os ingredientes e se funcionavam. O Teriaga em sua forma líquida era frequentemente chamado de melaço, mas parece que também podia ser aplicado como uma pasta.
Além das poções, a purificação do ar era considerada outro remédio eficaz. Como se acreditava que a peste se espalhava pelo "ar ruim", as casas eram fumigadas com incenso ou simplesmente com a fumaça da palha queimada. As pessoas carregavam buquês de flores junto ao rosto, não apenas para afastar o mau cheiro dos corpos em decomposição, mas por acreditarem que isso limparia os pulmões. Foi essa prática que deu origem à rima infantil “ring around the rosy/a pocketful of posie/ashes, ashes, we all fall down”, referenciando a prática de encher os bolsos com flores ou substâncias aromáticas para manter a pessoa protegida e em segurança o tempo todo. Como a rima sugere, isso era tão ineficaz quanto qualquer um dos outros tratamentos.
Também se acreditava que era possível a fumigação do próprio corpo, sentando-se perto de uma fogueira muito quente, o que extrairia a doença por meio do suor intenso. Outra técnica consistia em sentar perto de um esgoto a céu aberto, pois o “ar ruim” que estava causando a doença gravitaria em torno do “ar ruim” dos resíduos do riacho, lago ou poço utilizado para despejar dejetos humanos.
A sangria era um remédio popular para todos os tipos de doenças, estando bem estabelecida no período medieval. Acreditava-se que, ao retirar o “sangue ruim” que causava a doença, a saúde seria restaurada pelo “sangue bom”, que permaneceria. O método preferido era “sugar o sangue”, em que várias sanguessugas eram colocadas no corpo do paciente para sugar esse “sangue ruim”, mas os coletores de sanguessugas consistiam em profissionais altamente remunerados, sendo que nem todos podiam pagar por esse tratamento. Para os menos abastados, uma pequena incisão era feita na pele com uma faca e o “sangue ruim” era coletado em um copo e descartado. Outro método que seguia essa mesma linha era o “uso do cálice”, no qual um cálice era aquecido e aplicado de modo emborcado na pele do paciente, especialmente nos bubões, para atrair a doença para dentro dele.
Além da pasta de Teriaga, os médicos também prescreviam um creme feito de várias raízes, ervas e flores, o qual era aplicado nos bubões após serem perfurados. Os dejetos humanos também eram transformados em uma pasta com a mesma finalidade, o que, sem dúvida, aumentava os casos de infecções. Como se acreditava que a urina clara tinha propriedades medicinais, as pessoas se banhavam nela ou a bebiam, sendo que os coletores de urina eram bem pagos pelos médicos por um produto adequado.
Fuga de Áreas Infectadas e Perseguição
Aqueles que não desejavam se banhar em urina, aplicar fezes ou tentar outros tratamentos, deixavam a região ou cidade afetada, mas essa opção geralmente só estava disponível para os ricos. O poeta e escritor italiano Giovanni Boccaccio (c. 1313-1375) descreve a fuga de dez jovens ricos de Florença para uma vila no campo, durante a peste, em sua obra-prima Decamerão (escrita de 1349 a 1353), no qual as personagens contam histórias umas as outras para passar o tempo, enquanto a peste assola a cidade.
Esses tipos de pessoas e outros, de todas as classes sociais, também tentavam curar a praga atacando o que consideravam sua fonte: grupos marginalizados que eram considerados forasteiros. Kohn escreve:
Em alguns lugares, a praga era atribuída a aleijados, nobres e judeus, que eram acusados de envenenar os poços públicos, sendo expulsos ou assassinados na fogueira ou por tortura. (28)
Além dos grupos mencionados por Kohn, muitos outros também eram acusados apenas por serem considerados diferentes de alguma forma, não estando em conformidade com os padrões da maioria.
Tratamentos Religiosos
Esse padrão, em sua maior parte, foi estabelecido pela igreja medieval, que definia a visão de mundo da maioria da população da Europa na época. Os tratamentos religiosos eram os mais comuns e, além da flagelação pública mencionada acima, assumiam a forma de compra de talismãs e amuletos religiosos, oração, jejum, participação em missas, perseguição daqueles julgados responsáveis e participação em procissões religiosas.
O papa acabou por encerrar as flagelações públicas por considerá-las ineficazes e incômodas para a população, mas, até que tal medida foi efetivada, os participantes já haviam espalhado a peste por todas as cidades que visitaram. As procissões, nas quais os participantes marchavam e oravam por misericórdia, geralmente de um ponto central da cidade até a igreja ou um santuário, faziam o mesmo em uma escala menor, assim como as reuniões públicas para assistir à missa.
Quarentena e Distanciamento Social
O único meio eficaz de impedir a disseminação da peste – embora não fosse a cura – era separar os doentes dos saudáveis por meio da quarentena. A cidade portuária de Ragusa (atual Dubrovnik, na Croácia), que estava sob controle de Veneza, foi a primeira a iniciar essa prática por meio de um período de isolamento de 30 dias imposto aos navios que chegavam. A população de Ragusa havia sido severamente afetada pela peste em 1348, reconhecendo que a doença era infecciosa e podia ser transmitida por pessoas. A política de Ragusa foi eficaz, sendo adotada por outras cidades e ampliada para 40 dias pela lei de quarantino (40 dias), dando origem ao termo inglês quarantine.
Embora a quarentena e o distanciamento social pareçam ter proporcionado um efeito positivo, os governantes demoraram na implementação das políticas e as pessoas relutaram em segui-las. Kohn descreve:
A segregação dos doentes foi ordenada em muitas cidades, mas em algumas a prática de quarentena e os locais designados foram implementados tarde demais, como em Veneza e Gênova, nas quais metade das pessoas sucumbiu. (28)
Milão, por sua vez, impôs medidas mais rigorosas e teve mais sucesso no controle da disseminação da doença. As autoridades milanesas não toleravam dissensões entre os cidadãos quanto à obediência às leis de quarentena chegando, inclusive, a isolar completamente os ocupantes infectados de três casas dentro das mesmas, nas quais, presumivelmente, eles morreram. Em 1350, eles construíram uma estrutura fora das muralhas da cidade – um hospital para doentes infeciosos – no qual as vítimas da peste eram alojadas e cuidadores poderiam atendê-los. Os médicos da peste tornaram-se conhecidos por serem retratados com capas e chapéus com máscaras em formato de bico as quais, segundo se acreditava, protegiam o usuário ao distanciar o rosto do médico – especialmente o nariz e a boca – do paciente infectado.
Conclusão
Com o avanço da peste, outras medidas foram tentadas, como lavar o dinheiro com vinagre, fumigar cartas e documentos com incenso e incentivar as pessoas a terem pensamentos positivos, pois parecia claro que a atitude do paciente afetava muito as chances de sobrevivência. Nenhuma dessas medidas se mostrou tão eficaz quanto separar os infectados dos saudáveis, mas as pessoas ainda violavam a quarentena e continuavam a disseminar a doença.
Quando a peste encerrou sua disseminação, mais de 30 milhões de pessoas – 30 a 50% da população da Europa – estavam mortas. A perda de população transformou a sociedade europeia, acabando com o sistema feudal, estabelecendo salários para ex-servos e elevando a posição das mulheres, pois muitas mães, esposas e filhas sobreviveram aos homens da família, assumindo suas funções.
Kohn observa que, “para muitos historiadores, a Peste Negra marcou o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna” (28). Essa conclusão é sólida, pois, posteriormente, a desilusão das pessoas com os paradigmas religiosos, políticos e médicos do passado serviu de inspiração para que buscassem alternativas, as quais acabariam por encontrar plena expressão no Renascimento, que lançou as bases para o mundo da era moderna.