A Batalha de Marj Ayyun (10 de junho de 1179, também conhecida como a Batalha do Rio Litani) foi um confronto militar entre Balduíno IV, Rei de Jerusalém (1174-1185), e Saladino, Sultão do Egito e da Síria (1174-1193). Saladino venceu decisivamente a batalha, possibilitando sua vitória no Cerco de Jacob's Ford em agosto de 1179.
Saladino fora duramente derrotado por Balduíno IV na Batalha de Montgisard em novembro de 1177, enfraquecendo sua reputação como líder militar. Enquanto isso, Balduíno IV fortaleceu sua posição ao reforçar castelos e encomendar a construção de uma nova fortaleza em Jacob's Ford, a travessia mais segura sobre o rio Jordão entre seu ponto de origem e o Mar da Galileia. Isso tornou o local estrategicamente importante não apenas para Balduíno e Saladino, mas também para as diversas facções de ambos os lados que disputavam o controle na região, assim como para o comércio.
Em junho de 1179, Saladino estava em reconhecimento, planejando seu ataque a Jerusalém, quando seu sobrinho, Faruk-Shah, deparou-se com o exército de Balduíno IV perto do Rio Litani, próximo à cidade de Marj Ayyun (atual Marjayoun, Líbano). Balduíno IV estava acompanhado por Raimundo III, Conde de Trípoli (1152-1187), e por Odo (Eudes) de Santo Amando, Grão-Mestre dos Cavaleiros Templários (serviu de 1171 a 1179). Odo enfrentou as forças de incursão de Faruk-Shah, sem perceber o maior destacamento de cavalaria de Saladino, que o atacou, obrigando as tropas dos cruzados a uma retirada em direção ao contigente de Balduíno IV e Raimundo III, ambos escapando por pouco da captura.
Odo de S. Amando foi capturado junto com um número significativo de cavaleiros, enquanto Balduíno IV e Raimundo III recuaram para a segurança do Castelo de Beaufort, nas proximidades, e depois para Tiberíades, aproximadamente 14 milhas (23 km) ao sul. A vitória de Saladino em Marj Ayyun permitiu que ele movimentasse suas tropas para Jacob's Ford, que caiu após um curto cerco. Apesar de Saladino perder os dois confrontos subsequentes, Marj Ayyun e Jacob's Ford restauraram o seu prestígio perdido na Batalha de Montgisard, permitindo-lhe consolidar um exército maior para suas vitórias em 1187 na Batalha de Cresson e na Batalha de Hatim, que conduziram diretamente à queda de Jerusalém em 2 de outubro de 1187.
Antecedentes
Após a Primeira Cruzada (1095-1102), os quatro Estados Cruzados foram estabelecidos ao longo da costa do Mar Mediterrâneo, aproximadamente nos locais que hoje correspondem à Síria até Israel: o Condado de Edessa, o Principado de Antioquia, o Condado de Trípoli e o Reino de Jerusalém. Esses estados foram criados pelos cruzados europeus para manter o controle da Terra Santa conquistada na Primeira Cruzada. O histpriador J. F. C. Fuller observa que:
Os cruzados nunca conquistaram a terra; tudo o que fizeram foi ocupar partes dela, que, de um lado, eram abastecidas pelo mar e, do outro, protegidas por uma cadeia de magníficos castelos. (412)
Os Estados Cruzados eram abastecidos e periodicamente guarnecidos por navios europeus, possibilitando-lhes manter uma presença política e militar robusta no Oriente Próximo. O mais importante deles era o Reino de Jerusalém, cuja cidade famosa era central para as religiões do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. A Primeira Cruzada foi convocada para tomar Jerusalém dos muçulmanos; e assim ela caiu nas mãos dos cruzados em 1099. Foi uma vitória altamente simbólica que Saladino, quando assumiu o poder, estava ansioso para revertê-la.
O Reino de Jerusalém não se limitava apenas à cidade e seus arredores imediatos, mas controlava a região economicamente vital do Levante, incluindo Acre, Cesareia, Nablus, Sídon e Tiro. Estava sob o controle dos francos, assim como os demais Estados Cruzados, e todos eram auxiliados em sua defesa pelas ordens militares/religiosas dos Cavaleiros Hospitalários e dos Cavaleiros Templários: guerreiros altamente treinados e disciplinados que frequentemente controlavam seus próprios castelos e feudos.
Os Hospitalários e Templários nem sempre compartilhavam os mesmos interesses entre si e nem com os reis das principais cidades, os quais estavam envolvidos em suas próprias lutas pelo poder desde o princípio. Alianças entre os europeus eram feitas e quebradas rapidamente, assim como entre as tribos e cidades de seus oponentes. O estudioso John Man descreve a situação territorial/política da área no século XII da seguinte forma:
Toda a região fervilhava. Imagine-a como uma mesa de bilhar com bolas de ferro que são ímãs de diferentes forças e tamanhos. Se você listasse todas elas, haveria dezenas. Eis algumas: Egito e Síria, as principais cidades da Síria; seus rivais, os francos em Jerusalém; os outros redutos francos; comandantes francos rebeldes; rivais francos que disputavam pelo poder; casamentos francos; beduínos habitantes do deserto; Bizâncio; os turcos seljúcidas de Rum; o califa em Bagdá; a própria família de Saladino e, dispersos lá no final da mesa, governantes e nobres europeus - todos esses e mais, regidos pelo capricho, todos influenciando uns aos outros por seus movimentos, repelindo, atraindo, unindo-se em alianças perversas, colidindo uns com os outros em uma multiplicidade de efeitos, e às vezes desaparecendo para sempre nas caçapas laterais da mesa rotuladas de 'Morte' ou 'Derrota'. [Em 1174] Saladino ainda não era o jogador mestre. Tudo o que ele podia fazer por enquanto era esperar, observar e torcer por uma oportunidade que o favorecesse. (121)
Saladino tornou-se o Sultão do Egito em 1174 e capturou Damasco no mesmo ano. Ele então unificou as cidades muçulmanas sob seu controle e derrotou seus rivais em batalha em 1175, reivindicando para si mesmo o papel de campeão da fé islâmica e, especificamente, da ortodoxia muçulmana sunita. Ele estabeleceu uma reputação de habilidade diplomática, brilhantismo estratégico e misericórdia para com os derrotados - o que lhe granjeou ainda mais apoio - e inchou as fileiras de seu exército com recrutas.
Batalha de Montgisard
Balduíno IV, Rei de Jerusalém, foi diagnosticado com lepra aos nove anos, o que normalmente o desqualificaria como governante, mas, como não havia outro herdeiro adequado ao trono, ele chegou ao poder em 1174, aos 13 anos, quando seu pai, Amalrico, morreu de disenteria. Balduíno IV perdeu a sensibilidade motora de seu braço direito devido à doença e ensinou a si mesmo a conduzir um cavalo apenas com os joelhos e a empunhar uma espada com a mão esquerda. Em 1176, quando Saladino já era um guerreiro experiente, Balduíno IV participara apenas de algumas ofensivas.
Em 1177, o nobre visitante Filipe da Alsácia (1143-1191) juntou-se a Raimundo III de Trípoli e aos Cavaleiros Hospitalários e Templários para um ataque às posições de Saladino na Síria, deixando Jerusalém em grande parte indefesa. Saladino viu sua oportunidade e marchou em direção à cidade à frente de um exército de entre 10.000 a 26.000 soldados. Balduíno IV, ao ouvir de sua abordagem, liderou um exército de menos de 7.000 para encontrá-lo. Os números de ambos os lados foram contestados repetidamente, então devem ser entendidos como estimativas aproximadas.
Saladino entrou na região do Reino de Jerusalém via Jacob's Ford, a travessia mais confiável do Rio Jordão entre seu território em Damasco e o reino de Balduíno IV. Ele não considerava Balduíno uma ameaça, já que o rei era muito jovem e, conforme lhe haviam informado, comandava uma força relativamente pequena. Por isso, permitiu que seu exército se dispersasse, saqueando aldeias e procurando por comida. Como resultado, quando o exército de Balduíno alcançou Saladino em Montgisard, este estava totalmente despreparado.
Balduíno IV, em desvantagem numérica, inexperiente, sofrendo de lepra e com apenas 16 anos, derrotou Saladino, que, segundo o cronista Guilherme de Tiro (1130-1186), só escapou da captura fugindo montado em um camelo. Sua derrota resultou em uma perda de prestígio, que ele então precisava recuperar. Em 1178, ele derrotou dois exércitos cruzados, restabelecendo sua reputação, e planejou outra expedição contra o Reino de Jerusalém.
Jacob's Ford
Após sua vitória em Montgisard, Balduíno IV compreendeu que precisava controlar Jacob's Ford para evitar outro ataque ao seu reino. Ele marchou de Montgisard até o vale e ordenou a construção de um castelo que seria fortificado para repelir qualquer invasão futura. Em 1177, não havia uma fronteira oficial entre os Estados Cruzados e a região circundante, e assim Balduíno decidiu finalmente criar uma. Man escreve que:
Um castelo em Jacob's Ford efetivamente criaria uma fronteira ao tomar terras, sendo ela policiada por um pequeno exército e impedindo Saladino de seguir por tal rota até Jerusalém. Balduíno assumiu o comando pessoalmente. O trabalho começou em outubro de 1178 em uma corrida frenética contra o tempo. De fato, toda a curta vida de Jacob's Ford foi frenética, desde a concepção e criação até a ocupação e destruição. Teria sido o maior castelo da época em todo o leste do Mediterrâneo e poderia ter durado séculos. Conforme as coisas se desenrolaram, sua existência se encerrou em apenas onze meses, talvez a mais curta de qualquer castelo já construído. (113-114)
O castelo precisava ser construído e reforçado antes que Saladino pudesse lançar outra invasão, mas todos os suprimentos - madeira, pedra, comida, ferramentas - tinham que ser trazidos por carroças da área circundante, e isso, assim como as discussões sobre o design, atrasaram a conclusão da obra. Balduíno IV, numa tentativa de acelerar seu progresso, aprovou ações de saque para obter recursos nas terras próximas, aparentemente liderando algumas delas pessoalmente.
A Batalha de Marj Ayyun
No início do verão de 1179, Saladino estava preparado para atacar novamente Jerusalém e enviou grupos de ataque contra as comunidades agrícolas dos Estados Cruzados para cortar seu suprimento de alimentos. Ele colocou seu sobrinho, Faruk-Shah, no comando de um desses grupos que atacou as cidades costeiras do Reino de Jerusalém na região do atual Líbano. Por volta do mesmo período, Balduíno IV, Raimundo III e Odo de São Amando lideravam uma grande expedição de saque na mesma área por onde Faruk-Shah estava retornando, perto da pequena aldeia de Marj Ayyun.
De acordo com o relato de Guilherme de Tiro (que tinha sido tutor e mentor de Balduíno quando o rei era jovem, mas não estava presente na batalha), Balduíno tomou conhecimento da posição do grupo de ataque de Faruk-Shah e mobilizou seu exército para atacar. Saladino, observando o retorno de seu sobrinho de um posto de observação em uma colina alta, notou que os rebanhos de ovelhas em um campo distante além do rio Litani haviam sido agitados em pânico e estavam se dispersando rapidamente. Interpretando isso como um sinal de uma força em marcha muito maior do que a de Faruk-Shah, ele posicionou sua cavalaria e avançou.
O exército de Balduíno IV, com Odo e seus Cavaleiros Templários na frente, encontrou-se com Faruk-Shah às margens do Litani, e Odo ordenou que seus homens atacassem. Seus cavaleiros montados superaram a infantaria e o restante do grupo de saque e atingiram o coração das forças de Faruk-Shah. Este foi forçado a atravessar o rio com Odo em perseguição, sofrendo perdas significativas enquanto fugiam do campo de batalha. Odo, confiante em sua vitória, interrompeu sua carga e esperou que o restante da força liderada por Balduíno IV e Raimundo III se juntasse a ele. De repente, Saladino e sua cavalaria apareceram, avançando sobre as tropas de Odo e o recém-chegado Raimundo, dispersando os cruzados em confusão. Steven Runciman descreve a batalha:
Os Templários entraram imediatamente na batalha; no entanto, o contra-ataque de Saladino os repeliu, lançando-os em confusão em direção às tropas de Balduíno. Estas, também, foram forçadas a recuar; e em pouco tempo, todo o exército cristão estava em fuga. O Rei e o Conde Raimundo conseguiram, com parte de seus homens, atravessar o Litani e se abrigar no grande castelo de Beaufort, erguido acima da margem ocidental. Todos os homens deixados além do rio foram massacrados ou posteriormente capturados. Alguns dos fugitivos não pararam em Beaufort, mas seguiram diretamente para a costa. (420)
Entre os prisioneiros de guerra de Saladino estava Odo de Sto. Amando, a quem Guilherme de Tiro culpou totalmente pela derrota. Embora seja possível que Odo tenha agido de maneira muito impulsiva, até mesmo o relato de Guilherme de Tiro parece sugerir que não havia como alguém no exército de Balduíno IV ter conhecimento de uma força muito maior do que o grupo de ataque em algum lugar próximo.
Cerco de Jacob's Ford
A vitória de Saladino deixou Jacob's Ford, cujo castelo estava apenas pela metade no momento de Marj Ayyun, com apenas uma pequena força para defendê-lo. Saladino havia tentado comprar o castelo anteriormente - e assim controlar o vau - mas suas ofertas foram rejeitadas. Após a derrota de Balduíno IV em Marj Ayyun, ele liderou suas tropas até Tiberíades - a menos de um dia de marcha de Jacob's Ford- para se reorganizar. Saladino, enquanto continuava seus ataques ao reino de Balduíno, moveu suas forças para o vau e colocou o castelo sob cerco em 23 de agosto de 1179.
Quando os defensores se recusaram a render-se, Saladino ordenou que seus sapadores cavassem sob a parede e colocassem minas. A primeira tentativa falhou, pois o túnel parou pouco antes da parede externa de pedra, dando aos defensores tempo para construir uma estaca de madeira dentro do recinto, caso a parede ruísse. Na segunda tentativa dos sapadores, as minas derrubaram a parede externa, incendiaram a estaca, e as forças de Saladino tomaram a cidadela, matando a maioria dos defensores e escravizando aqueles que sobreviveram ao ataque. Após a batalha, Saladino ordenou a destruição do castelo e reivindicou o território para si em 30 de agosto, assegurando sua vitória e movendo-se antes que Balduíno IV tivesse tempo de marchar contra ele de Tiberíades.
Conclusão
Em 1180, Balduíno IV e Saladino assinaram uma trégua que foi quebrada por Reinaldo de Châtillon (1125-1187) em 1183, quando atacou uma caravana muçulmana e se envolveu em uma campanha de saques e pilhagem de aldeias muçulmanas. Balduíno IV morreu devido a sua doença em 1185 e foi sucedido por seu cunhado, Guido de Lusinhão (c. 1150-1194), marido da irmã de Balduíno, Sibila de Jerusalém (c. 1159-1190). Em julho de 1187, Guido de Lusinhão, Reinaldo de Châtillon e Raimundo III de Trípoli encontraram-se com Saladino na Batalha de Hatim e foram decisivamente derrotados. Guido e Reinaldo foram capturados, e Reinaldo foi executado por Saladino pessoalmente. Odo de Santo Amando recusou ser resgatado com os outros capturados em Marj Ayyun e morreu na prisão.
Após a Batalha de Hatim, Saladino avançou em direção a Jerusalém, cuja defesa era liderada por Balião de Ibelin (1143-1193), cujo irmão, (um outro) Balduíno, estava entre os capturados com Odo em Marj Ayyun e foi resgatado por um alto preço. Assim como outros cujos resgates não eram tão dispendiosos, o preço exigido por seu retorno seguro esgotou os fundos que, de outra forma, teriam sido destinados ao financiamento dos esforços europeus no Oriente Próximo, proporcionando a Saladino uma vitória muito mais fácil sobre os Estados Cruzados.
Balião de Ibelin é mais conhecido nos dias de hoje pelo filme "Cruzada" (2005), que apresenta uma visão significativamente ficcionalizada dele e dos eventos que levaram à queda de Jerusalém. Saladino, após um assalto fracassado, tomou a cidade por meio de negociação (como apresentado com precisão no filme). Cidadãos não muçulmanos que podiam pagar um resgate foram autorizados a deixar a cidade; outros foram vendidos como escravos. Raimundo III fugiu para Trípoli, onde morreu logo depois, possivelmente de pleurisia, e Saladino faleceu em 1193 de causas naturais após repelir com sucesso a tentativa europeia de retomar Jerusalém na Terceira Cruzada.
Não se pode dizer que a Batalha de Marj Ayyun levou diretamente à conquista de Jerusalém por Saladino em 1187, mas, sem essa vitória - que permitiu a captura de Jacob's Ford e um acesso mais fácil de Damasco ao Reino de Jerusalém - as vitórias posteriores de Saladino pareceriam muito mais difíceis de imaginar. A vitória de Saladino em Jacob's Ford lhe permitiu acesso livre ao Reino de Jerusalém, e isso só foi possível devido à derrota de Balduíno IV na Batalha de Marj Ayyun.