O marinheiro, corsário e explorador inglês Francis Drake (c. 1540-1596) realizou sua circum-navegação do mundo entre 1577 e 1580. Segunda pessoa a alcançar este feito, após o explorador português Fernão de Magalhães (c. 1480-1521), em 1522, Drake não tentou nenhum recorde temporal e passou meses ao longo de certas regiões costeiras, buscando oportunidades de aumentar o crescente tesouro que se amontoava nos porões do seu navio, Golden Hind [Corça Dourada]. A extraordinária viagem incluiu batalhas em povoados coloniais espanhóis, captura de navios de tesouros e um quase-motim, bem como os tradicionais perigos do mar, como tempestades, escorbuto e recifes de coral.
Explorando o Desconhecido
A ideia de montar uma expedição para explorar o que havia ao sul do equador e verificar se um grande continente meridional - Terra Australis - existia foi primeiro aventada por Richard Grenville (1542-1591) em 1574. Grenville não conseguiu financiamento para seu plano, pois a busca pela Passagem Noroeste tinha precedência mas, em 1577, a rainha Elizabeth I da Inglaterra voltou-se para Drake para realizar a expedição meridional. Em segredo, a rainha investiu no projeto e instruiu Drake não somente para explorar novas possibilidades de comércio mas também para tomar quaisquer tesouros espanhóis com os quais se deparasse, além de atacar os povoados da Espanha na América do Sul. Para esta missão, Drake recebeu o comando de uma frota de cinco navios:
- Benedict (15 toneladas, mas mais tarde trocado por um navio espanhol de 50 toneladas capturado na costa da África e renomeado Christopher)
- Elizabeth (80 toneladas)
- Marigold [Cravo-de-Defunto] (30 toneladas)
- Pelican [Pelicano] (150 toneladas)
- Swan [Cisne] (50 toneladas)
No meio da viagem, o Pelican, nau capitânia de Drake, seria renomeada como Golden Hind, em honra do principal patrocinador da expedição, Sir Christopher Hatton, que tinha este símbolo no brasão da família. A viagem foi organizada como uma companhia de fundo acionário, na qual múltiplos financiadores concordavam em aceitar quaisquer riscos na esperança de receber futuros lucros proporcionais ao montante investido. Os financiadores de Drake não ficariam desapontados.
O Atlântico e Motim
Em novembro de 1577, Drake partiu como 164 homens naquilo que se tornaria uma viagem extraordinária; 60 daqueles homens jamais veriam a Inglaterra novamente. A expedição começou da pior maneira possível, já que uma tempestade danificou vários navios e a frota precisou retornar ao porto apenas dois dias após a partida. Eles partiram novamente em 13 de dezembro e navegaram pela costa noroeste da África e em seguida através do Atlântico, via Ilhas Cabo Verde. Atacaram e saquearam a carga de três navios; um deles, o Mary, juntou-se à pequena frota de Drake.
Os navios atravessaram a zona de calmaria e cruzaram o equador. Houve alguns problemas com um certo Thomas Doughty, nomeado capitão do Mary, que questionava os planos de Drake e seu direito de comandar. Drake ordenou que Doughty fosse preso no Swan. Após dois meses sem terra à vista, a frota finalmente alcançou a costa leste da América do Sul, ao norte do Rio da Prata, em abril de 1578. Em seguida a uma tempestade severa, Doughty novamente começou a instigar o motim e Drake precisou se esforçar para manter os navios unidos numa única frota. O Christopher, o Swan e o Mary foram abandonados em agosto, pouco confiáveis para enfrentar a viagem pelo Pacífico.
Ao desembarcarem na Patagônia, um julgamento foi organizado para Doughty, que ainda insistia em em se colocar como o verdadeiro líder da expedição. O local escolhido era exatamente onde Fernão de Magalhães, em sua viagem de circum-navegação, havia enforcado um capitão amotinado meio século antes - e as ruínas da forca ainda estavam, ameaçadoramente para Doughty, à vista de todos. O júri de 40 homens o considerou culpado e lhe deu três opções: ser executado, abandonado ali mesmo ou enviado acorrentado para a Inglaterra. Doughty escolheu a primeira opção (ou o júri o fez, dependendo da versão da história) e ele acabou sendo decapitado em 2 de julho de 1578. Neste momento crucial da viagem, Drake convocou todos os seus homens para a terra firme e lhes garantiu que estava completamente no comando. Para reforçar esta mensagem, rebaixou os oficiais nomeados pelos financiadores da expedição e revelou suas próprias escolhas. Os mesmos homens foram renomeados, mas o propósito estava claro: o almirante estava no comando e não os investidores na Inglaterra. Mais adiante, todos os marinheiros iriam desempenhar os mesmos deveres, independente do posto. Drake havia conseguido unir seus homens e colocar a expedição em seu curso devido.
Na extremidade meridional da América do Sul, os três navios remanescentes navegaram através dos Estreitos de Magalhães em agosto. Os Estreitos, difícil de encontrar e perigosos, trouxeram novos desafios quando as fortes tempestades de setembro levaram ao naufrágio do Marigold e ao retorno do Elizabeth à Inglaterra. O Pelican viu-se forçado a continuar a expedição sozinho. Quando alcançaram as calmas águas do Pacífico, Drake renomeou o navio como Golden Hind. Doughty fora indicado por Hatton e pode ser que a nova denominação da embarcação representasse uma tentativa de Drake de sinalizar o bom relacionamento com seu patrocinador.
O Golden Hind
Não existem desenhos precisos do galeão Golden Hind e suas reproduções - feitas em modelos em escala e numa réplica em tamanho natural - foram conjecturadas a partir das descrições. Era pequeno mesmo para os navios elisabetanos, pesando 150 toneladas (em comparação, o HMS Bounty de William Bligh tinha 215 toneladas e o HMS Endeavour de James Cook 370 toneladas). Com cerca de 30.5 metros de comprimento e boca de 5,5 metros, o calado quando totalmente carregado chegava a quase 4 metros. Tinha um castelo de proa, um castelo de popa e três mastros com uma área de vela total de 383,5 metros quadrados. Cada lado da embarcação podia dispor de sete canhões, que podiam ser recolhidos atrás de suas entradas do convés. O convés de popa podia dispor de mais dois canhões e havia vários pequenos canhões disponíveis quando necessário. Transportava dois botes a vela desmontados para a navegação próxima à costa. Drake com frequência utilizava pilotos experientes quando se encontrava em águas desconhecidas, como no caso do português Nuño da Silva (capturado com o Mary), que descreveu o Golden Hind da seguinte forma:
[...] muito robusto e forte, com embonos duplos [...] ela tem um estilo francês bem ajustado, com bons mastros, bons instrumentos e velas e é uma boa marinheira, respondendo bem ao leme. Não é nova, nem seu casco é coberto com chumbo [...] Ela é confiável quando navegando se o vento de popa não for muito forte, mas quando o mar dá trabalho ela faz não pouca água. (Williams, 119)
O Golden Hind tinha uma tripulação de 90 homens. Somente os nove oficiais dispunham de cabines e a maior parte da tripulação dormia no convés dos canhões. Drake assegurou-se de que a embarcação estivesse bem equipada com relativo conforto e contava com bom mobiliário. Isso ocorria especialmente em sua própria cabine revestida de carvalho, que contava com uma tarimba, mesa, cadeira e mesa de mapas, na qual o explorador traçava seu curso e fazia desenhos e pinturas da vista e do panorama da costa com os quais se deparava. Também possuía uma pequena biblioteca que incluía um registro da circum-navegação de Magalhães. O que sobreviveu da sua cabine é o baú do capitão, uma grande caixa retangular coberta de couro e com navios pintados do lado de dentro da tampa. Outro sobrevivente é o tambor de Drake, que se diz ressoar misteriosamente sempre que a Inglaterra está em perigo.
América do Sul
Drake conduziu o Golden Hind pela costa oeste da América do Sul. Em novembro, na ilha de Mocha, ao longo da costa do Chile, um grupo de nativos atacou vários marinheiros que tinham desembarcado. O capitão, atingido próximo ao olho por uma flecha, conseguiu escapar por pura sorte. Povoados espanhóis, como Valparaíso, foram pegos completamente de surpresa em dezembro de 1578 quando um navio de guerra inglês apareceu nas águas do Pacífico. Drake fugiu com 25.000 pesos de ouro obtidos no ataque (os espanhóis alegaram perdas de 200.000 pesos). Vários navios de tesouros espanhóis com pouco armamento foram capturados em seguida na baía de Callao, o porto de Lima. O Golden Hind atravessou novamente o equador em 28 de fevereiro de 1579.
Em seguida, em 1° de março de 1579, ele obteve o maior prêmio da viagem, o Nuestra Senora de la Concepćion [Nossa Senhora da Conceição], também conhecido como Cacafuego. Drake tinha capturado esta Caverna de Aladin flutuante fazendo com que o Golden Hind parecesse um navio lento. Isso foi feito içando-se todas as velas, além de rebocar pesadas correntes; quando estas últimas foram recolhidas sob a cobertura da escuridão, o navio saltou sobre as ondas para surpreender e submeter os espanhóis, em sua maioria desarmados. Levou seis dias para aliviar os espanhóis de suas riquezas e estas pesavam tanto que Drake foi obrigado a atirar ao mar parte do lastro do Golden Hind para conseguir mais espaço. Havia incríveis 13 baús de prata, 36 quilos de ouro, grande quantidade de pedras preciosas e 26 toneladas de prata bruta.
Mais capturas se seguiram na costa da Nicarágua, Guatemala e México, com o capitão enviando sua tripulação à terra firme e adicionando rolos de seda fina e caixas de porcelana chinesa para seus porões já abarrotados. Outra aquisição útil foram mapas espanhóis indicando as rotas que os galeões adotavam para cruzar o Pacífico e alcançar Manila.
Em seguida, Drake navegou pela costa oeste da América do Norte em busca da lendária Passagem Noroeste que se acreditava proporcionar uma rota mais fácil para a Ásia. Ao alcançar a latitude de 40 graus e sem conseguir encontrar nenhuma passagem, o inglês retornou e ancorou próximo à atual San Francisco, em junho. Ali ele reivindicou a região para a rainha, denominando-a "Nova Albion" (uma reivindicação que caiu no vazio). Os marinheiros desembarcaram na agora denominada Baía de Drake e estabeleceram relações amigáveis com os povos indígenas. Drake deixou uma placa de metal comemorando seu desembarque em 17 de junho de 1579. Esta placa foi "redescoberta" em 1936, mas análises químicas revelaram que se tratava de uma falsificação.
Indonésia
Com provisões suficientes para os meses seguintes, o Golden Hind foi levado através do Pacífico pelos ventos alísios. Em outubro, alcançou as Índias Orientais (Indonésia e Filipinas) e Drake trouxe para bordo especiarias, gengibre, pimenta e seis toneladas de valiosos cravos-da-índia das Ilhas Molucas (ou Ilhas das Especiarias) onde, para sorte do capitão inglês, o sultão estava em guerra contra os portugueses. Reparos extensivos foram feitos ao navio ao norte de Java e, no início de 1580, eles navegaram através das traiçoeiras ilhas e recifes da Indonésia. A embarcação encalhou num recife em janeiro, obrigando Drake a atirar ao mar as seis toneladas de cravos-da-índia e vários canhões para deixá-la mais leve. Mesmo assim, a situação do navio continuou precária até que a maré alta e ventos fortes libertaram o Golden Hind. Francis Fletcher, o capelão da embarcação, que mais tarde escreveria um relato da viagem (The World Encompassed [O Mundo Circundado], publicado em 1628) disse à tripulação que o encalhe era uma punição divina pelo tratamento dispensado ao amotinado Douthty por Drake. O capitão não tolerou tal dissenção ao seu comando e, assim, excomungou o capelão dentro de suas atribuições como capitão, além de obrigar Fletcher usar uma placa em torno do pescoço com os dizeres: "Francis Fletcher, o mais falso patife que já viveu". Alguns dias depois, o capelão acabou perdoado e reintegrado às suas funções.
Rumo ao Lar
Em março de 1580, o Golden Hind cruzou o Oceano Índico. Em junho, Drake contornou o Cabo da Boa Esperança, na África meridional, onde as chuvas tempestuosas foram recebidas com gratidão, pois ajudaram a repor as reservas de água doce da embarcação. Eles navegaram pela costa atlântica do continente para alcançar Serra Leoa em julho, de novo desesperadamente em busca de água doce. Já no fim de agosto, o navio alcançou as Ilhas Canárias e depois o porto de La Rochelle, na costa ocidental da França. De volta às rotas familiares, Drake chegou em Plymouth em 26 de setembro de 1580. Os viajantes haviam circundado o mundo, ainda que não de maneira direta ou apressada, em dois anos e nove meses e meio.
Muito mais importante do que a realização geográfica foram os tesouros com os quais Drake encheu seu navio sem descanso ao longo do trajeto. O valor estimado do butim chegou a possíveis 600.000 libras (mais do que o dobro da arrecadação anual da Inglaterra) e a rainha recebeu pessoalmente nada desprezíveis 160.000 libras. Um inventário das riquezas transportadas, assinado por Drake em 5 de novembro de 1580, consta dos arquivos da Torre de Londres. Após a chegada, a rainha convidou Drake para uma audiência no Palácio Richmond, dizendo-lhe para trazer alguns exemplos do seu fabuloso tesouro.
Em 4 de abril de 1581, Elizabeth subiu a bordo do Golden Hind, ancorado em Deptford, no Rio Tâmisa e, encantada com os tesouros que ele havia capturado e a glória de suas realizações marítimas, tornou-o cavaleiro no convés. Isso indignou o embaixador espanhol, que considerava Drake como nada mais do que um pirata. Porém, se a rainha o condecorou e ficou com parte de seus ganhos - e rainhas não lidam com produtos roubados - então ele não podia estar agindo como um pirata, e sim como representante de sua soberana. A mensagem para a Espanha era clara: permita o comércio legítimo no Novo Mundo ou enfrente os corsários.
Draka se tornou o lobo do mar favorito de Elizabeth, um sentimento que deve ter sido mútuo, pois o capitão dava à rainha presentes dispendiosos, tais como uma coroa de ouro incrustada com cinco enormes esmeraldas e uma cruz cravejada de diamantes. A rainha retribuiu com outros presentes, em especial uma taça de prata em forma de um globo que envolvia um coco que o capitão havia trazido em sua viagem. Outro presente foi a célebre Joia da Armada, feita por Nicholas Hilliard em 1588, um broche de ouro com pedras preciosas incrustadas com dois retratos da rainha. Em termos de dinheiro vivo, Drake era provavelmente o homem mais rico da Inglaterra e ele usou o dinheiro num grande conjunto de propriedades, que incluía Buckland Abbey. Também adquiriu um brasão de armas (um navio sobre um globo com duas estrelas de prata cruzadas por uma faixa horizontal ondulada). Seu lema oficial tornou-se Sic Parvis Magna ou "Grandeza a partir de Pequenos Inícios".