A Educação na Era Elisabetana

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 05 agosto 2020
Disponível noutras línguas: Inglês, francês
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Além da opção tradicional de aulas particulares, a Inglaterra elisabetana (1558-1603) oferecia educação formal àqueles capazes de pagar as taxas necessárias das escolas preparatórias, escolas de gramática e universidades. Não havia, no entanto, sistema nacional obrigatório de educação, currículo fixo e apenas um pequeno número de crianças chegava nestas escolas mas, mesmo assim, isso representava um progresso em relação à situação existente na Idade Média.

Prevalecia a ideia de que a educação seria um luxo, destinada a preparar crianças para a vida profissional que exerceriam quando adultas. O estudo somente como busca de conhecimento limitava-se em grande parte ao clero ou aos ricos ociosos. Bem poucas meninas recebiam educação em comparação aos meninos e as universidades eram inteiramente dominadas por homens, mas pelo menos ofereciam cursos em outras disciplinas além de temas religiosos. Em consequência, embora as oportunidades tivessem se ampliado, o nível de educação ainda dependia do gênero e da classe.

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Mesmo assim, na segunda metade do século XVI mais pessoas estavam sendo educadas e os níveis de alfabetização melhoraram bastante, graças a algumas escolas gratuitas, ao surgimento de escolas de gramática relativamente baratas na maioria das cidades e ao aumento da disponibilidade de material de leitura impresso e ferramentas de ensino.

First Court, Magdalene College, Cambridge
Primeiro Pátio, Magdalene College, Cambridge
Diliff (CC BY-SA)

Educação Informal

Quando as crianças atingiam cerca de seis anos de idade, eram ensinadas pelos pais e esperava-se que contribuíssem para o dia a dia da família. O que aprendiam dependia da situação familiar. Filhos de agricultores e artesãos começavam a aprender as habilidades necessárias para esse tipo de trabalho. Aqueles com pais em profissões liberais podiam ingressar em alguma forma de aprendizado. As crianças de famílias mais abastadas, da nobreza e da aristocracia recebiam aulas particulares e também como se comportar adequadamente, vivendo na residência de um nobre local (embora isso estivesse saindo de moda) ou mesmo viajando para o exterior no chamado Grand Tour. Os muito ricos não frequentavam tais escolas, mas sim as universidades e Inns of Court [associações profissionais de advocacia]. Crianças não aristocráticas também podiam ter aulas particulares para preencher lacunas e aprender temas não abordados nas escolas, tais como o aprendizado de francês, dança ou música.

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O ensino voltava-se principalmente para os meninos. Não se considerava necessário que as meninas tivessem algum tipo de aprendizado, já que estavam destinadas à vida doméstica quando adultas. As meninas só aprendiam a ler para apreciar a Bíblia, mas algumas recebiam uma educação melhor além das escolas preparatórias, graças a pais esclarecidos ou se fossem filhas da aristocracia, por intermédio de aulas particulares. As escolas voltadas especificamente para meninas não surgiriam até o século XVII. Havia algumas instituições na era elisabetana que recebiam apenas meninas, mas prestavam serviços semelhantes aos de babá e, em muitos casos, estavam a cargo de adultos analfabetos.

Escolas Preparatórias

Havia uma série de pequenas escolas preparatórias (também conhecidas como ABC, alfabeto ou "escolinhas") para crianças pequenas, que ofereciam uma educação rudimentar, com foco no alfabeto, leitura comunitária e aritmética simples (a escrita não era vista como absolutamente necessária nesta fase). Praticava-se em primeiro lugar a leitura e somente se houvesse progresso satisfatório o aluno passaria para a matemática. Como resultado desta prática, muitas crianças nunca aprendiam nada além de contar. A escrita poderia ser aprendida em separando, pagando-se a um escrivão (copista profissional especializado na criação de documentos legais), mas esse aprendizado estava longe de ser fácil numa época sem dicionários e quando havia formas variadas de ortografia e pontuação, baseadas apenas no costume. Outra complicação consistia no fato de que considerava-se as letras i e j como as mesmas (o j costumava ser usado como maiúscula), assim como o u e o v (esta última com frequência utilizada apenas no início das palavras).

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English Horn-book
Livro de Estudos Inglês
The British Museum (CC BY-NC-SA)

A Reforma Inglesa estabeleceu a separação da Igreja da educação, mas as crianças ainda aprendiam as orações e o catecismo e utilizava-se geralmente os textos religiosos para o aprendizado da leitura. Os filhos de pais mais religiosos, especialmente os puritanos, eram obrigados a ler e memorizar regularmente partes da Bíblia. Talvez cerca de 30% dos homens e 10% das mulheres soubessem ler e escrever na Inglaterra do final da era elisabetana, embora estes números variassem muito em relação às populações urbanas e rurais, classe, riqueza e entre certos ofícios. A alfabetização em Londres pode ter chegado a 80%, já que muitas pessoas vinham para a capital justamente devido às oportunidades educacionais oferecidas.

Havia muita variação na habilidade e conhecimento dos professores das escolas preparatórias, dos quais apenas cerca de um terço teria estudado em uma universidade. Eles dispunham de poucos materiais para ajudá-los em seu trabalho - talvez um quadro, uma moldura de contagem e cartões ilustrados que produziam por conta própria -, mas um item onipresente eram os livros de estudos (horn-book). Com a forma de um remo, eles tinham um texto escrito colado numa tábua de madeira e coberto por uma camada protetora de chifre. Costumava-se usar tais livros para ensinar o alfabeto às crianças ou para fornecer um texto de leitura curto e simples para se trabalhar o aprendizado.

Outra ferramenta, ainda que uma de valor didático duvidoso, consistia numa vara de vidoeiro, usada extensivamente para a punição das crianças. A despeito da ameaça de uma surra, a disciplina deve ter sido difícil de manter, pois as classes costumavam ser enormes, com seis ou sete grupos de idades e níveis variados. As crianças do mesmo nível sentavam-se num único banco ou form [turma] - daí o porquê alguns grupos de classes das escolas inglesas dos dias atuais, como os que têm de fazer o registro de presença pela manhã, ainda se chamam forms [turmas]. No período elisabetano, a idade da criança em geral não tinha relação com o que ela estudava, o que dependia mais da habilidade individual do que da noção moderna de ensinar uma classe inteira da mesma idade segundo um currículo fixo. Portanto, as crianças sentadas na mesma turma podiam ter idades variadas.

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O conselho municipal, uma paróquia ou uma guilda profissional encarregavam-se em geral da administração das escolas preparatórias. Como as escolas de gramática, também podiam ser instaladas por um benemérito rico (escolas provisionadas) ou mantidas por subscrição comunitária. Algumas escolas preparatórias eram gratuitas - ainda que houvesse uma pequena taxa para materiais, velas, combustível etc - mas a maioria cobrava um valor fixo trimestral. Podiam ser estabelecimentos particulares ou afiliados às escola de gramática existentes em quase todos os maiores centros comerciais. Alternativamente, alguns jovens avançavam para um tutor particular barato, um papel em geral assumido por mulheres ou membros do clero.

Escolas de Gramática

Um menino que desempenhasse bem numa escola preparatória e cujos pais tivessem os meios necessários podia ser enviado a uma escola de gramática particular. Isso também podia acontecer às meninas, mas, geralmente, elas não mais compareciam após a idade de nove ou dez anos. A maior parte dos alunos tinha entre sete e nove anos e o currículo baseava-se nos clássicos, especialmente o aprendizado de latim e, bem mais raramente, de grego ou mesmo hebraico. A Bíblia era um texto popular, bem como obras da literatura grega e romana e um pouco de modernidade contemporânea aqui e ali - textos de Erasmo (1466-1536), por exemplo.

English Grammar School Classroom
Sala de Aula de Escola de Gramática Inglesa
Edmund Hort New (Public Domain)

As aulas começavam cedo, por volta das 6 da manhã, com uma pausa para o almoço às 11 horas. As lições da tarde começavam às 13 horas e o dia terminava entre 16 e 17 horas. O dia se encurtava em uma hora, tanto no início quanto no fim, nos meses de inverno, e os alunos normalmente tinham folga nas tardes de quinta-feira e sábado. Um professor ou "mestre" comandava as classes, auxiliado por um mestre-escola (que também costumava ser chamado pelo esplêndido nome de hypodidascalus). Em certas ocasiões os garotos mais velhos davam aulas aos mais novos, com o objetivo de melhorar seu latim e alcançar o nível necessário nas lições com o mestre.

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A memorização de textos e tediosas e intermináveis traduções de frases em latim eram a norma, mesmo se alguns estudiosos, como Erasmo, questionassem o valor destes métodos. A abordagem usual consistia em criar situações de competição entre alunos numa atmosfera de medo da punição física e humilhação. Havia recompensas, das quais as mais comuns consistiam em conquistar um lugar numa turma mais adiantada ou para o grupo de ensino, mas também uma turma inteira podia receber uma folga de meio dia ou um período de "bagunça" para relaxar. Muitos mestres até poderiam empregar ideias mais progressistas, mas então, como nos dias atuais, suspeita-se que os proprietários e pais da escola davam mais importância aos resultados e, portanto, ser visto como aprendendo importava mais do que realmente aprender. Em suma, a educação concentrava-se em ensinar o tema e não a criança.

As escolas costumavam ter uma mistura de alunos em regime de semi-internato (também conhecidos como tablers - do inglês table, mesa - porque ficavam para almoçar e jantar) e alunos diurnos, cobrando uma pequena taxa e muitas vezes diferenciando os alunos que vinham da cidade ou de fora dela. As taxas chegavam a alguns centavos por dia, mas podiam totalizar cerca de 20 libras por ano e, assim, estavam além dos meios de muitos comerciantes. O ano letivo tinha longa duração, com os únicos feriados acontecendo em poucas semanas da Páscoa e no Natal. Os estudantes que persistiam no curso deixavam a escola com 14 ou 15 anos, embora alguns continuassem até os 18.

Os professores das escolas secundárias estavam tão focados na disciplina quanto os das escolas preparatórias e, desta forma, os alunos guardariam a dolorosa lembrança da bengala de vidoeiro. Ainda que a maior parte do ensino ocorresse oralmente, havia alguns livros didáticos impressos sobre gramática e vocabulário latinos e aritmética. Como forma de aliviar o currículo bastante tedioso, havia períodos dedicados aos esportes. Estas atividades não-acadêmicas incluíam corrida, luta livre, tiro com arco e xadrez. Finalmente, assim como ocorre atualmente na Grã-Bretanha, algumas escolas organizavam uma peça anual, que envolvia muito ensaio e preparação ao longo do ano letivo.

As Universidades

As universidades de Oxford e Cambridge, fundadas no século XII com o objetivo de preparar meninos para a carreira eclesiástica, fortaleceram-se como instituições independentes, nas quais estudantes, professores e estudiosos (bolsistas) viviam e estudavam em um só lugar. No século XVI, as instituições perderam sua independência e passaram a ser controladas pela Coroa. A Reforma Inglesa havia eliminado em grande parte seu propósito eclesiástico original e, portanto, as universidades esforçavam-se para atrair estudantes. Durante o reinado de Elizabeth I da Inglaterra (1558-1603), no entanto, voltaram a ter destaque, graças à aristocracia, que passou a enviar seus filhos para uma educação secular mais elevada e ampla. Como, mesmo nesse nível, a educação continuava a ser vista como algo que contribuía para uma carreira futura, em oposição à busca do conhecimento por si só, as mulheres continuavam ausentes. Os jovens que compareciam tinham idades variando entre 14 a 18 anos pois, novamente, o desempenho nos níveis anteriores representava o fator mais importante para o acesso.

Jesus College, Oxford
Jesus College, Oxford
Krzysztof Iłowiecki (CC BY-NC-SA)

As instituições organizavam-se em faculdades individuais, com o ensino realizado em pequenas turmas ou aulas individuais. Um curso básico de graduação normalmente durava quatro anos (um mestrado chegava a sete anos), com disciplinas concentradas nas sete artes liberais já estabelecidas (gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música). Além disso, estudava-se em detalhes os três ramos da filosofia (moral, natural e metafísica). As ideias do Humanismo Renascentista, que se tornaram populares durante o Renascimento, influenciavam muito o currículo a partir da noção que, uma vez armados com o conhecimento de latim e grego, os alunos poderiam aprender nos textos clássicos os valores cívicos que lhes permitiriam atuar melhor em suas carreiras e servir ao Estado. Os estudos também evoluíram para refletir a mudança de padrões na sociedade em geral, especialmente o interesse pelo comércio, história e geografia.

Por fim, as universidades nunca perderam inteiramente os antigos laços com a Igreja e muitos clérigos se formavam em teologia; de fato, agora que os mosteiros haviam desaparecido na Grã-Bretanha, as bibliotecas eclesiásticas tornaram-se mais raras. Clérigos de origens mais humildes estavam agora frequentando a universidade, assim como alunos que não eram de famílias de elite. Com tantas chances de se misturar com diferentes classes, os filhos de aristocratas recebiam advertências em guias impressos sobre os perigos de se relacionar com aqueles que não eram seus pares.

No final do século XVI, cerca de 500-600 alunos ingressavam todos os anos em Oxford e o mesmo número na Universidade de Cambridge, embora nem todos completassem seus quatro anos. Essas duas universidades podiam totalizar até 1800 alunos cada em alguns momentos. Ao longo de décadas, estabeleceu-se o padrão de que qualquer pessoa que quisesse se tornar alguém na Inglaterra precisava frequentar Oxford ou Cambridge. A maioria dos membros elisabetanos do Parlamento, funcionários da corte e juízes de paz era composta por graduados nestas instituições.

Inns of Court

Os bacharéis das universidades ou aqueles que abandonavam o curso muitas vezes se transferiam para as Inns of Court, instituições que ofereciam o estudo do Direito Comum, ou mais especificamente, um aprendizado nesse campo. Havia também as Inns of Chancery, que ofereciam estudos em Procedimentos Parlamentares e uma introdução mais básica às questões jurídicas. O nome dessas instituições deriva do fato de que os estudantes de Direito Comum no século XIV passaram a residir em determinadas pousadas [inns]. Quatro destas pousadas em Londres - Gray's Inn, Lincoln's Inn, Middle Temple e Inner Temple - vieram a ser conhecidas coletivamente como as Inns of Court. Ao completar seu período de estudos, os estudantes recebiam uma licença para representar clientes em tribunais de justiça, assoberbados com uma onda sem precedentes de processos.

Os cursos incluíam palestras, provas práticas, debates públicos (julgamentos simulados) e discussões, todos ministrados ou supervisionados por praticantes experimentados. A aprovação significava ser "chamado à barra" da Inn para receber a licença para praticar, uma expressão que ainda prevalece na Inglaterra atual para os advogados recém-formados. Curiosamente, no final do período elisabetano, as Inns of Court também atraíam jovens que não tinham a menor intenção de se tornar advogados. Isso ocorria porque as inns passaram a ser consideradas como um local adequado para a aristocracia aprimorar sua educação, como uma escola final e, não menos importante, um local onde se podia fazer muitas conexões úteis para uma futura carreira. Como sempre, podemos suspeitar que no período elisabetano, o mais importante era quem se conhecia, e não o que se sabia.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2020, agosto 05). A Educação na Era Elisabetana [Education in the Elizabethan Era]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1583/a-educacao-na-era-elisabetana/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "A Educação na Era Elisabetana." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação agosto 05, 2020. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1583/a-educacao-na-era-elisabetana/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "A Educação na Era Elisabetana." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 05 ago 2020. Web. 18 nov 2024.