A chegada na Europa da prensa de tipos móveis de metal, na década de 1450, foi um evento que teve imensas e duradouras consequências. O impressor alemão Johannes Gutenberg (c. 1398-1468) é amplamente creditado com a inovação e imprimiu uma célebre edição da Bíblia em 1456. Começando com obras religiosas e compêndios, não demorou para que as impressoras estivessem produzindo todos os tipos de textos, desde panfletos protestantes até romances. A quantidade de livros aumentou bastante, seu custo diminuiu e nunca antes houvera tantos leitores. As ideias foram transmitidas através da Europa à medida que estudiosos divulgavam seus trabalhos, comentários sobre textos antigos e críticas uns aos outros. Autoridades como a Igreja católica rejeitaram alguns livros, censuraram e até os queimaram, mas a atitude do público em relação às publicações impressas e a leitura já havia mudado para sempre.
O impacto da imprensa na Europa inclui:
- Um enorme aumento no volume de livros produzidos se comparado à produção manual.
- Um aumento no acesso aos livros em termos de disponibilidade física e custo menor.
- Um aumento no número de autores publicados, incluindo os desconhecidos.
- Autores bem-sucedidos passaram a ganhar a vida através da escrita.
- Um aumento no uso e padronização do vernáculo nas obras impressas, ao invés do latim.
- Aumento dos índices de alfabetização.
- Disseminação mais veloz de ideias referentes à religião, história, ciência, poesia, arte e vida cotidiana.
- Aumento da precisão de textos canônicos.
- Melhor organização de movimentos cujos líderes não tinham contato físico com seus seguidores.
- Criação de bibliotecas públicas.
- Censura de livros por autoridades preocupadas. (Cartwright, 2020)
Johannes Gutenberg
A invenção da prensa com tipos móveis de metal é geralmente creditada ao impressor alemão Johannes Gutenberg. Porém, há outras reivindicações, notavelmente as do impressor holandês Laurens Janszoon Coster (c. 1370-1440) e dois outros impressores alemães, Johann Fust (c. 1400-1465) e seu genro Peter Schöffer (c. 1425-1502). Existem também evidências de que prensas com tipos móveis metálicos tenham sido inventadas na Coréia em 1234, durante o Reino Goryeo (918-1392). Estudiosos budistas chineses também imprimiram obras religiosas usando prensas com tipos móveis; as primeiras usavam blocos de madeira durante a Dinastia Song (960-1279). Se a ideia das prensas de tipos móveis espalhou-se via mercadores e viajantes da Ásia à Europa ou se a invenção de Gutenberg foi espontânea é ainda um tema de debate acadêmico. De qualquer forma, como muitas tecnologias na história, a invenção provavelmente surgiu de uma soma de elementos, ideias e necessidade, envolvendo vários indivíduos ao longo do tempo e espaço.
Gutenberg começou seus experimentos em impressão na década de 1440 e conseguiu instalar sua tipografia em Mainz em 1450. Sua impressora usava tipos com letras em estilo gótico. Cada tipo era desenhada num bloco de metal e gravada num molde de cobre, que era então preenchido com metal derretido. Os blocos individuais eram dispostos num cavalete para criar um texto e então cobertos com tinta viscosa. A seguir, uma folha de papel, naquela época feito com roupas velhas e retalhos, era pressionada mecanicamente sobre os blocos de metal. O sucesso de Gutenberg em combinar todos estes elementos é indicado pela sua edição impressa da Bíblia em latim, concluída em 1456.
Os novos tipos de impressoras logo apareceram em todos os lugares, notavelmente com dois alemães, Arnold Pannaartz (m. 1476) e Conrad Sweynheym (ou Schweinheim, m. 1477). A dupla instalou sua tipografia em 1465, no mosteiro beneditino de Subiaco. Foi a primeira impressora de tipos móveis metálicos da Itália. Pannartz e Sweynheym transferiram sua oficina para Roma em 1467 e depois para Veneza, em 1469, onde já havia uma longa tradição de impressão de itens como cartas de baralho, por exemplo. Ainda havia alguns problemas, tais como a falta de qualidade dos livros se comparados com os copiados à mão, além da aparência pardacenta e insípida, que não podia se comparar aos belos e coloridos manuscritos ilustrados. Também existiam erros nas primeiras edições impressas que eram reproduzidos nas edições seguintes. Porém, a revolução sobre como e o quê as pessoas passariam a ler dali por diante havia verdadeiramente começado.
Matéria Impressa
Já havia uma demanda existente por livros por parte do clero e das muitas novas universidades e escolas de gramática que surgiram na Europa no período medieval tardio. De fato, os fabricantes de livros tradicionais se esforçavam para atender à demanda na primeira metade do século XV, o que frequentemente comprometia a qualidade do produto final. Esta procura por material religioso, em particular, foi uma das principais razões que levaram à invenção da imprensa com tipos móveis. Os estudiosos tinham acesso a manuscritos em bibliotecas privadas e monastérios, mas precisavam fazer buscas por cópias de vários textos e quase sempre precisavam viajar muito para ter acesso a elas. Consequentemente, obras religiosas e compêndios educativos dominariam as primeiras oficinas tipográficas no decorrer do século XV. É importante lembrar, no entanto, que livros copiados à mão continuavam a ser produzidos até muito depois da introdução da imprensa e, como acontece com muitas novas tecnologias, havia pessoas ainda convencidas de que os frágeis livros impressos nunca se tornariam realmente populares.
A disponibilidade de materiais de leitura para a população em geral aumentou significativamente graças à imprensa. Anteriormente, as oportunidades para se ler qualquer coisa eram bastante limitadas. O povo em geral tinha disponível pouca coisa a mais do que os avisos dispostos em painéis nas igrejas. A imprensa ofereceu uma ampla gama de novas e excitantes possibilidades, tais como panfletos informativos, guias de viagem, coleções de poemas, romances, histórias da arte e arquitetura, receitas culinárias e medicinais, mapas, pôsteres, cartões e partituras musicais. Os livros não eram tão baratos quanto hoje, se levarmos em conta o preço em relação à renda, mas, ainda assim, custavam cerca de um oitavo do preço de um livro feito à mão. Com materiais impressos variados e acessíveis, pessoas que não antes não tinham a oportunidade passaram a dispor de um motivo real para ler e, com isso, os índices de alfabetização aumentaram. Além disso, os livros impressos eram por si mesmos catalisadores para a alfabetização, já que as obras podiam ser usadas para ensinar as pessoas a ler e escrever. No final do período medieval, somente uma em cada 10 pessoas eram capazes de ler textos extensos. Com a chegada da imprensa, estes números jamais seriam tão baixos novamente.
A Expansão da Informação
A quantidade de material impresso logo experimentou um novo impulso com o surgimento do movimento humanista e seu interesse em reviver a literatura da Grécia e Roma antigas. Dois impressores, em particular, lucraram com esta nova demanda: o francês Nicholas Jensen (1420-1480) e o italiano Aldus Manutius (c. 1452-1515). Jensen inovou com novas famílias de tipos em sua oficina tipográfica em Veneza, incluindo o mais legível roman (littera antiqua/lettera antica) e uma fonte em grego que imitava textos manuscritos. Jensen imprimiu mais de 70 livros na década de 1470, incluindo História Natural, de Plínio (1472). Algumas destas obras tinham ilustrações e ornamentação feitas à mão para recapturar a qualidade dos livros produzidos de forma inteiramente manual.
Nesse meio tempo, Manutius, também operando em Veneza, especializou-se em edições de bolso de textos clássicos e autores humanistas contemporâneos. Por volta de 1515, todos os autores clássicos mais importantes estavam disponíveis em versões impressas, a maioria em várias edições e muitos em coleções de obras completas. Com isso, textos clássicos impressos com cópias idênticas nas mãos dos estudiosos europeus podiam ter sua exatidão facilmente checada nas fontes manuscritas. Livros feitos à mão com frequência perpetuavam erros, omissões e acréscimos feitos por copistas ao longo dos séculos mas agora, gradualmente, edições definitivas de trabalhos clássicos encontravam-se bem próximas quanto possível dos originais antigos. Em resumo, obras impressas tornaram-se tanto a causa quanto o efeito de uma erudição coletiva internacional, um fenômeno que traria resultados positivos em muitas outras áreas, da astronomia à zoologia.
Havia, também, um incentivo para a impressão de mais livros graças aos reformistas que começaram a questionar as interpretações bíblicas da Igreja Católica e seu predomínio naquilo que os cristãos deveriam pensar e reverenciar. A tradução da Bíblia para o vernáculo tornou-se uma prioridade, como por exemplo a tradução para o alemão (1466), italiano (1471), holandês (1477), catalão (1478) e tcheco (1488). Reformistas e humanistas escreveram comentários sobre fontes primárias e argumentaram uns com os outros através de suas obras, estabelecendo desta forma uma teia invisível de conhecimento e erudição através da Europa. Mesmo as cartas entre esses estudiosos foram publicadas. À medida que questões religiosas e acadêmicas entravam em debate, os estudiosos abasteciam a produção com mais trabalhos impressos, perpetuando o ciclo da palavra impressa. A população em geral também foi incentivada pelos argumentos apresentados nos materiais impressos, gerando a formação de grupos de indivíduos com pensamentos semelhantes que organizavam movimentos de massa em várias cidades, como por exemplo a Guerra dos Camponeses Alemães, em 1525.
Não faltavam obras impressas voltadas para o público não-acadêmico. Com um público leitor maior, surgiram coleções de poemas, romances e novelas, gerando tendências literárias em toda a Europa. Estes livros seculares eram geralmente escritos em vernáculo e não no latim que os estudiosos preferiam. Além disso, muitas destas obras incluíam xilogravuras em madeira para ilustrar o texto. Coleções de belas gravuras de pinturas famosas, esculturas e afrescos tornaram-se muito populares e ajudaram a disseminar ideias artísticas em vários países, de forma que um pintor como Albrecht Dürer (1471-1528) na Alemanha poderia ver o que Raphael (1483-1520) produzia na Itália.
Uma Indústria em Expansão
Como consequência desta procura, os impressores que sobreviveram aos difíceis anos iniciais estavam se expandindo agora. Cidades em toda a Europa começaram a ostentar suas próprias oficinas tipográficas. Lugares como Veneza, Paris, Roma, Florença, Milão, Basileia, Frankfurt e Valência possuíam importantes conexões comerciais (fundamentais para a importação de papel e exportação do produto final) e, portanto, tornaram-se excelentes opções para a produção de material impresso. Alguns destes editores ainda estão em atividade nos dias de hoje, como a companhia italiana Giunti. As maiores cidades estavam produzindo 2-3.000 livros anualmente. Na primeira década do século XVI, estima-se que 2 milhões de livros foram impressos na Europa, quantidade que subiu para 20 milhões por volta de 1550 e cerca de 150 milhões em 1600. Somente do reformista Martinho Lutero (1483-1546) foram impressos mais de meio milhão de exemplares das suas obras no curto período de 1516 a 1521. No século XVI, até as pequenas cidades dispunham de suas próprias oficinas tipográficas.
Além de autores conhecidos, muitos editores ajudaram novos autores (homens e mulheres) a publicar suas obras, mesmo com prejuízo, na esperança de que uma reimpressão viesse a trazer lucros mais tarde. A impressão de uma primeira edição totalizava cerca de 1.000 cópias, embora isso dependesse da qualidade, já que o material das publicações variava de livros de bolso em papel de rascunho até grandes edições em fólio feita com velino [pergaminho feito de pele de bezerro] para os colecionadores. O tamanho menor da maioria dos livros impressos, comparados com os copiados à mão, alterou os hábitos de leitura e de armazenamento. Agora uma escrivaninha não era mais necessária para apoiar grandes volumes e eles podiam ser lidos em qualquer lugar. Da mesma forma, os exemplares não eram mais mantidos horizontalmente em baús, mas sim enfileirados verticalmente em estantes. Havia mesmo invenções curiosas, como a roda de livros, que permitia a consulta de vários exemplares abertos, muito útil para a pesquisa acadêmica. À medida que os leitores acumulavam volumes e reuniam impressionantes coleções particulares, muitas eram doadas para as cidades quando os proprietários morriam. Desta forma, nos 50 anos após a invenção da imprensa, as bibliotecas públicas surgiram em toda a Europa.
A popularização dos materiais impressos ajudou enormemente a estabelecer as reputações, fama e riqueza de certos autores. O estudioso holandês Desidério Erasmo (c. 1469-1536) é talvez o melhor exemplo, ao se transformar num dos primeiros autores a viver somente com a venda de seus livros. Havia, porém, algumas ameaças a autores e impressores. Um dos maiores problemas residia nas infrações de direitos autorais, pois era quase impossível controlar o que se editava além dos limites das cidades. Muitas obras acabavam copiadas e reimpressas sem permissão e a qualidade destas edições piratas nem sempre era das melhores.
A Censura e a Impressão de Livros Proibidos
Esta nova situação não agradava a todos. A Igreja Católica preocupava-se particularmente que alguns materiais impressos pudessem levar pessoas a duvidar dos clérigos locais ou mesmo abandonar o catolicismo. Algumas destas obras já tinham sido publicadas em manuscritos há um século ou mais, mas as versões impressas deram-lhes uma nova onda de popularidade. Entre elas estavam aquelas escritas pelos reformistas, evidentemente consideradas mais perigosas. Por esta razão, em meados do século XVI surgiram as listas de livros proibidos. A primeira delas, o Índex de Livros Proibidos, datado de 1538, foi divulgado pelo Senado de Milão, na Itália. O Papado e outras cidades e estados europeus logo acompanharam a prática, estabelecendo que certos livros não podiam ser impressos, lidos ou possuídos. Qualquer um que fosse flagrado descumprindo estas proibições poderia, em teoria, ser punido. Medidas adicionais incluíam a análise de textos antes da publicação e concessão mais cuidadosa de licenças para impressores.
A censura institucionalizada, então, tornou-se uma realidade perene no mundo editorial a partir de meados do século XVI, à medida que governantes e autoridades finalmente reconheciam a influência do material impresso. As autoridades baniam certos livros ou até mesmo qualquer obra de um autor específico. A obra De Revolutionibus Orbium Coelestium (Sobre as Revoluções das Esferas Celestes, 1543), do astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) acabou nesta lista por colocar o Sol no centro do sistema solar, ao invés da Terra. O Decamerão (c. 1353), do autor italiano Giovanni Boccaccio (1313-1375) teve o mesmo destino por causa da sua vulgaridade. As obras de Nicolau Maquiavel foram incluídas pelo cinismo político.
As obras mais condenadas pela censura eram queimadas em cerimônias públicas, a mais célebre das quais, conhecida como fogueira das "vaidades", orquestrada por Girolamo [Jerônimo] Savonarola, um frade dominicano florentino, em 1497. Ainda assim, alguns livros eventualmente tinham permissão de publicação (ou republicação) se apropriadamente editados ou após a remoção de trechos proibidos. A maior parte dos impressores não lutou contra as novas medidas, mas simplesmente publicou o que era aprovado pelas autoridades. Certamente, no entanto, havia um mercado clandestino para os livros banidos.
Muitos intelectuais demonstravam pouco entusiasmo pela disponibilidade de certos textos para um público tão amplo e indiscriminado. A Divina Comédia (c. 1319), do poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321), por exemplo, era vista como contendo certas ideias morais, filosóficas e científicas perigosas demais para os não-acadêmicos. Da mesma forma, alguns estudiosos lamentavam o desafio que a linguagem vernácula representava para o latim, o único considerado apropriado para a palavra escrita. Porém, a maré já havia virado e os idiomas locais ganharam maior padronização graças aos editores, que tentavam fazer seu material compreensível para um grande número de leitores. A palavra impressa também trouxe um melhor uso da pontuação.
Os livros de instrução representavam outros desafios. Os impressores produziam manuais sobre qualquer coisa, de arquitetura a cerâmica e, novamente, havia vozes discordantes, especialmente as guildas, nada felizes com o fato de que informação detalhada sobre ocupações especializadas – os tradicionais “segredos do ofício” - pudessem ser reveladas para qualquer um com dinheiro suficiente para comprar um livro. Finalmente, a palavra impressa algumas vezes representava um desafio para as tradições orais, tais como profissionais que recitavam canções, poesia lírica e histórias folclóricas. Entretanto, muitos autores e acadêmicos transcreviam estas tradições em publicações impressas e, assim, as preservaram para as futuras gerações, até a atualidade e além.