O Boxe é um dos mais antigos esportes ainda praticado nos dias atuais. Incluído nas disputas atléticas originais dos Jogos Olímpicos da Antiguidade, o pugilismo ou boxe tornou-se bem conhecido e apreciado pelos antigos gregos e romanos. O estilo usado no Império Romano tinha forte influência de seus predecessores, os gregos e etruscos. Nenhum dos dois povos praticou a luta em primeiro lugar, porém, já que existem evidências que recuam até a Mesopotâmia do terceiro milênio a.C.
Os historiadores usam os mosaicos, esculturas e a literatura dos antigos e até novas evidências arqueológicas para inferir como a disputa deve ter sido travada. Os boxeadores usavam luvas com uma grande variedade de estilos, defrontavam-se com seus oponentes em campos ao ar livre e faziam uso da rapidez do jogo de pés, fintas, defesas, golpes e arremessos até que um dos atletas sinalizasse a rendição ou fosse nocauteado. Os ferimentos podiam ser debilitantes ou fatais, o que não impedia o público romano de celebrar o esporte ao ponto de despertar a crítica política.
Origens
As mais antigas representações de boxe como esporte organizado podem ser traçadas até a Mesopotâmia, com descobertas tão antigas quanto o terceiro milênio a.C. Uma delas, achada em Eshnunna, datada de c. 2000 a.C., traz um relevo em terracota retratando dois homens em posições de luta, os pulsos enfaixados e as mãos cerradas, prontos para atacar. Outro relevo com imagens similares está datado de c. 1200 a.C., no atual Tel as-Senkereh, no Iraque. A Epopeia de Gilgamesh menciona o pugilismo quando o herói combate um rival: “Eles agarraram um ao outro, eles se curvaram como especialista [s], eles destruíram a ombreira da porta, o muro balançou” (Kyle, 24). Esta descrição se alinha bem com a forma retratada nos relevos mesopotâmicos e confirma não somente como a postura adequada se pareceria, mas também que ela realmente existia. Para ser um especialista, torna-se necessária uma habilidade refinada. Tais habilidades também eram praticadas na vizinha Assíria, onde uma “disputa de luta livre e atletismo” é mencionada num texto astrológico de Assur de aproximadamente 2000 a.C. Neste ponto da história, está claro que o combate tinha ascendido para a posição de esporte respeitado. Porém, não parece haver distinção entre boxe e luta livre e a maior indicação que possuímos sobre a forma é a simples inclinação.
Nos mil anos seguintes, imagens semelhantes apareceram na arte minoana, em representações hititas, arte egípcia, pinturas e esculturas gregas e na arte etrusca. Como no caso da maioria dos costumes romanos, as adaptações etruscas e gregas do esporte terminariam por ser a versão praticada no Império Romano. A despeito das diferenças estilísticas entre gregos e romanos, o boxe na Antiguidade é geralmente considerado um esporte praticado de maneira semelhante. As evidências revelam que os romanos utilizavam regras, forma, equipamento e técnicas similares às da Grécia Clássica. Porém, é perigoso aceitar detalhes não documentados como inerentemente compartilhados entre a Grécia e Roma.
Equipamentos
Na Antiga Grécia havia três diferentes tipos de luvas de boxe. O primeiro tipo dificilmente seria considerado como uma luta de boxe, pois os gregos consideravam o acolchoamento espesso inadequado para um atleta verdadeiro. Assim, tratava-se mais de uma luva de treinamento, pois proporcionava conforto demais para o usuário. As duas espécies de luvas empregadas pelos profissionais chamavam-se correias leves ou afiadas. As correias leves eram tiras finas e flexíveis de couro de animais, cobertas com gordura e enfaixadas em torno da mão em padrões variados. Pareciam-se com as tiras de tecido usadas pelos boxeadores atualmente. Elas apareceram na cerâmica grega a partir dos séculos IV e V a.C. e também são descritas na Ilíada. A falta de reforço em torno dos nós dos dedos revela que tinham o objetivo de aliviar a carga nos músculos da mão, em vez de exercer função ofensiva.
A correia afiada era uma arma de ataque. Feita de um couro muito mais denso e espesso, com uma forte armação em torno dos nós dos dedos, tinha como objetivo provocar sérios danos ao oponente. Em vez de tiras cobrindo a mão, apresentavam uma estrutura típica de luvas, com buracos para os dedos e uma extensão de couro de ovelha até o antebraço, e tornaram-se populares na Grécia a partir do século IV a.C. até o século II d.C. O mais famoso exemplo da correia afiada grega encontra-se na estátua helenística chamada de O Boxeador ou O Boxeador Em Repouso. Escavada nas proximidades dos Banhos de Constantino, na vertente sul da Colina do Quirinal, em Roma, esta beleza em bronze ficava dentro das instalações dos banhos, segundo acreditam os historiadores. O Boxeador do Quirinal não está sozinho no mundo romano; a correia longa grega também pode ser encontrada em vasos e mosaicos romanos, tais como os descobertos no piso em Villelaure, França, datados de 175 d.C. Os romanos não adotaram nenhum dos estilos gregos com exceção deste, e a razão parece óbvia: eles achavam os outros suaves demais. Afirma-se que Galiano, imperador romano do século III d.C. (r. 253-268 d.C.) teria afirmado que o esporte “verdadeiro” seria “algo muito mais duro” (Poliakoff, 73).
O caestus tornou-se famoso por seu nível de selvageria contra os inimigos. Ainda que adotando a estrutura da correia afiada grega, o caestus substituiu a forte armação de couro dos nós dos dedos com a de metal. Virgílio (70-19 a.C.) as descreve como se segue: "tão grandes eram as sete camadas de couro bovino, todas endurecidas com chumbo e ferro" (Eneida, 5.404-05). Estas luvas mortais requeriam reforços de couro de ovelha que iam até o ombro e aparecem em várias figuras de bronze a partir do século I d.C. Existem até representações dos caesti nos quais os nós dos dedos metálicos incluem lâminas ou pontas protuberantes; um exemplo pode ser visto num mosaico romano de atletas dos Banhos de Caracala, datado do século III d.C. Estas luvas se popularizaram nos jogos de gladiadores devido à sua brutalidade sem misericórdia. A popularidade da correia leve, correia afiada e caestus pode ser usada quase como uma linha do tempo. Elas significam três períodos do boxe antigo, já que saíram de moda nesta ordem.
Um achado arqueológico recente colocou o boxe antigo em destaque novamente como um tópico de pesquisa. Em fevereiro de 2018, duas faixas de couro para as mãos foram encontradas em Hexham, Northumberland, próximo ao Muro de Adriano. Após serem identificadas como luvas de boxe antigas de aproximadamente 120 d.C., elas ganharam a atenção de historiadores e entusiastas do exporte em todo o mundo. Tratava-se do único par de luvas do Império Romano em tais condições de preservação já descobertas. Elas se encaixam numa mão humana moderna, e ainda guardam as impressões dos nós dos dedos no interior, um lembrete arrepiante de como elas nos conectam com o passado. Antes desta descoberta, os historiadores dependiam somente de representações artísticas.
Regras e Técnicas
Um aspecto fundamental do início de cada antiga disputa de boxe era encontrar uma posição favorável no ringue. Os atletas competiam ao ar livre, no verão, e, assim, o sol nos olhos representava um obstáculo primordial a ser evitado. O poeta grego Teócrito descreve o típico início da luta na obra Idyllis [Idílios]:
Então houve muito alvoroço para que tivesse a luz do sol às suas costas; mas a esperteza de meu Polideuces superou o poderoso adversário, e aqueles raios caíram totalmente no rosto de Amito. (Idyllis, 22.83-86)
As lutas de boxe, por padrão, ocorriam em pátios ao ar livre. Porém, também contava-se entre os esportes de salão, pois havia lutas em recintos fechados específicos nas maiores casas de banho. A disputa incluía muito jogo de pés, passos curtos, fintas e mudança de posição dos joelhos, não muito diferente dos dias atuais. O filósofo do século I d.C. Filo de Alexandria descreve um hábil boxeador desta forma:
[Ele] se defende dos socos desferidos com ambas as mãos e curva seu pescoço de um lado a outro, protegendo-se de ser atingido. Com frequência, ele se ergue nas pontas dos pés até sua altura total, e em seguida recua, forçando seu oponente a desferir socos no ar, como se fosse uma luta contra sombras. (Filo de Alexandria, On the Creation [Sobre a Criação], 80-81).
Para se conseguir um quadro ainda mais claro, E. Norman Gardiner, na obra Athletics of the Ancient World [Atletas do Mundo Antigo] descreve a posição perfeita como “corpo rígido, cabeça ereta e pé direito avançado”, com a perna “levemente abaixada, os pés apontando para a frente, ainda que o pé direito algumas vezes fique num ângulo reto” (204). Como na citação de Filo, o jogo de pés assemelha-se muito ao que é adotado atualmente. A posição aberta do corpo, porém, não teria bons resultados no boxe moderno. A técnica antiga incluía estender o braço esquerdo diretamente para a frente, como proteção, enquanto o direito era usado para ganchos e golpes no queixo. Isso abria a guarda do corpo de maneira significativa dos lados. Esta posição dava certo na Antiguidade devido à falta de golpes corporais. O braço esquerdo estendido e o direito ofensivo pode ser encontrado numa enorme quantidade de vasos gregos datados dos séculos IV e V a.C. Todos retratam golpes e socos desferidos na cabeça. O retrato que recebemos, portanto, traz como resultado que os golpes corporais eram muito menos comuns no mundo antigo. Em vez disso, seus golpes na cabeça incluem ainda mais lesões consideradas ilegais no boxe moderno.
Um dos golpes na cabeça populares no mundo antigo era o desferido de cima. Virgílio o descreveu na obra Eneida da seguinte forma: "Então Entelo, erguendo-se, colocou sua [mão] direita ao alto; o outro rapidamente previu o golpe descendente" e se esquivou (Eneida, 5.443-48). O golpe na cabeça retorna no século II d.C. na forma de uma lâmpada de argila romana. Ela retrata um braço estendido à frente, o outro desferindo o golpe de cima, bem como a posição apropriada para a investida que lhe conferia mais força.
Uma luta de boxe antiga terminava quando um dos oponentes sinalizava a derrota ou era nocauteado. A sinalização ocorria ao se erguer a mão, em geral apenas o dedo indicador erguido. A luta não tinha rounds. Os competidores prosseguiam até o final. Um forte exemplo de uma disputa terminando por nocaute pode ser encontrada na Ilíada, quando Epeio derruba Euríalo com “um gancho rotundo esmagador na cabeça - um golpe de nocaute!” (Ilíada, 23.768). O resultado contrário, a sinalização da derrota, pode ser encontrado em vasos gregos do período Clássico. Há múltiplos exemplos de lutadores caídos erguendo seu indicador, sinalizando sua rendição. A presunção de que esta prática estava em uso no Império Romano ainda precisa ser comprovada, porém, visto que não há evidências da sinalização com o indicador erguido no Império Romano.
Algumas regras e técnicas do boxe antigo continuam sendo debatidas entre os estudiosos do período Clássico. Alguns asseguram que não havia nenhum tipo de ringue. Outros incluem exemplos de vasos que mostram barreiras, como escadas, por exemplo, funcionando para confinar os competidores. Um vaso itálico do século VI a.C. representa este estilo de barreira. Considerando como raramente os ringues de boxe foram representados desde então, não se pode confiar que fosse um procedimento padrão na época do Império Romano.
O boxe, luta livre e a maior parte dos esportes de combate modernos são divididos meticulosamente por classes, de acordo com o peso. Ao que parece, desconhecia-se por completo esta prática no mundo antigo, visto que lutadores grandes e pequenos aparecem com bastante frequência competindo uns contra os outros na literatura e obras de arte. Epeio, da Ilíada, era muito maior do que Euríalo. Teócrito afirma que Polideuces era muito maior do que Amito. Em ambos os exemplos, o competidor médio vence. Referências como estas revelam que os antigos não descobriram a utilidade de dividir os competidores pelo peso. Técnicas superiores podiam levar os menores e mais leves a triunfar contra todas as possibilidades. Esta prática acabou sendo adotada pelos jogos de gladiadores. Infelizmente, os casos registrados nos combates reais eram geralmente menos favoráveis aos boxeadores de menor porte do que indicam a literatura e a poesia. Em sua obra Sports Spectators [Espectadores Desportivos], Allen Guttmann menciona os estilos mistos dos combates de gladiadores, nos quais os maiores competidores tendiam a demolir seus oponentes mais leves e menores.
Resultados Traumáticos
A violência não era uma característica menor no cânon do boxe antigo. Não há dúvidas de que o nível de ferimentos envolvidos podia ser sério. Contusões nos membros ou rosto, edemas e hematomas, ou seja, o fluxo ou congestionamento de sangue no tecido corporal; a orelha deformada (cauliflower ear), reação aos danos sofridos pelo pericôndrio do ouvido; fraturas, especialmente no nariz, o que podiam resultar na perda do olfato; contusões cerebrais no crânio, às vezes levando à deficiência mental severa por causa de hemorragias cerebrais; perda de dentes; e até a morte integravam a lista de possíveis problemas que um boxeador antigo podia enfrentar. Muitos destes problemas se tornavam deformidades permanentes além da capacidade de tratamento da tecnologia médica da Antiguidade. O médico grego Galeno, que viveu nos séculos II e III a.C., reconheceu algumas delas. Ele declarou que, à medida que os atletas envelheciam, demostravam
Tremores, rugas e estrabismo devido aos golpes severos; seus olhos são cheios de líquidos catarrais, seus dentes caem e seus ossos tornam-se porosos e se quebram facilmente. (Galeno, The Art of Medicine, 11)
Os ferimentos estão presentes no combate registrado em obras de arte. Muitos vasos gregos mostram boxeadores sangrando do nariz enquanto se defrontam com um oponente. Através de pinturais murais fúnebres etruscas, tais como as da Tumba dos Áugures de Tarquínia c. 540-530 a.C. e a Tumba do Macaco em Chiusi c. 480 a.C., é possível reconstruir uma forma de esportes de combate ainda mais sangrenta do que a vista no mundo grego. A Tumba dos Áugures mostra homens defrontando-se como os da Mesopotâmia, mas também uma cena única chamada de "Phersu game". Traz um homem preso a uma corda, vestindo nada mais do que uma túnica e outro pedaço de tecido sobre sua face. Ele é mordido por um cachorro e sangra de seis pontos. Os etruscos apreciavam um nível de violência em seus divertimentos que deixaria os gregos chocados. O esporte etrusco focava mais do espetáculo do que no talento dos atletas, o que difere fortemente da abordagem grega. Por exemplo, a genitália não estava fora dos limites para os etruscos. Seus costumes fundamentaram esportes romanos que iriam se desenvolver do boxe e da luta livre, tais como a caça a animais selvagens ou jogos de gladiadores. O boxe é apenas um exemplo dos muitos modos pelos quais Roma herdou uma ferocidade etrusca que diferia dos costumes gregos.
Conclusão
As pinturas tumulares, vasos, frisos e estátuas de bronze, bem como a literatura de Homero, Virgílio, Teócrito, Filo e Galeno proporcionam ao aficionado moderno uma imagem maravilhosamente clara do boxe na Roma Imperial. Também parece evidente que havia opiniões diversas sobre o pugilismo. Persistia o receio de que os jovens rapazes poderiam preferir lutar por esporte em vez de se alistar no exército romano. Tácito (c. 56 - c. 118 d.C.) acreditava que a guerra romana deveria ser a única prioridade entre as futuras gerações; não queria que o treino recreativo sobrepujasse o militar. Em compensação, sabe-se que Augusto (r. 27 a.C. - 14 d.C.) apreciava muito o boxe. Suetônio (c. 69 - c. 130/140 d.C.) escreveu que o imperador adorava assistir aos combates dos atletas, fossem gregos ou romanos. A preferência pelo boxe em Roma sobre outros tipos de atletismo era provavelmente herdada dos etruscos. Em oposição completa à mentalidade grega, quanto mais se considerasse o boxe uma competição refinada, formal, no estilo olímpico, mais céticos se mostravam os romanos.