O hei tiki é um pequeno adorno pessoal, feito à mão a partir do resistente pounamu (pedra verde da Nova Zelândia ou jade nefrita/jadeíta) e usado ao pescoço. A palavra Hei significa algo à volta do pescoço, e tiki é uma palavra genérica usada por toda a Polinésia que designa figura humana esculpida em madeira, pedra ou outro material.
A mitologia e a história cultural do tiki são importantes para a área geográfica da Oceania Remota, o chamado Triângulo Polinésio, com os vértices na Aotearoa (Nova Zelândia), no Havai e na Ilha de Páscoa e engloba mais de 1.000 ilhas.
Estas ilhas partilham várias formas semelhantes de talhar o tiki. Existem esculturas antigas de tiki em pedra e madeira nas Ilhas Marquesas, vistas pela primeira vez, em 1595, com a chegada dos europeus ao Arquipélago das Marquesas. A palavra tiki aparece nas línguas polinésias: tiki em Aotearoa e nas Ilhas Cook, ti'i no Taiti e ki'i em havaiano.
O ornamento hei tiki em jadeíta usado pelos Maori de Aotearoa é reconhecido mundialmente como expressão cultural, contudo a longa história do hei tiki, que é característica da Nova Zelândia, parece não estar tão difundida.
As origens sobrenaturais e físicas do Hei Tiki
Em rigor, os tikis são grandes figuras humanóides esculpidas em madeira ou pedra e guardiães das entradas dos locais considerados tapu (sagrados) ou protectores de locais. Por exemplo, em 1722, na Ilha de Páscoa foram descobertas pelo explorador holandês Jacó Roggeveen (1659-1729) mais de 200 estátuas humanóides monolíticas conhecidas coletivamente como Mo'ai. Estas estátuas (exceto sete) estão de costas para o oceano e de frente para as aldeias do povo Rapa Nui, em pose de proteção. Da mesma forma, os Maori de Aotearoa colocavam figuras tiki de madeira esculpidas na entrada de uma pã (povoação fortificada) ou marae (local de encontro).
Nas Ilhas Marquesas foram encontradas estátuas tiki em que as mãos esculpidas estavam apoiadas em barrigas proeminentes. Nesta parte da Polinésia, a crença ancestral é que o conhecimento ritual, a genealogia e a tradição oral estão guardadas na região do estômago, e as mãos do tiki protegem as memórias e as tradições sagradas.
Geralmente, na mitologia polinésia o tiki representa o primeiro ser humano na Terra criado pelo atua (divindade) Tane, que, junto com Hine-ahu-one, é considerado o progenitor da humanidade. Em certas zonas da Polinésia, as figuras esculpidas do tiki eram muitas vezes consideradas um repositório ao mana (prestígio) de um deus. Um exemplo é o tiki tua havaiano Kanaloa, que representa o regente do reino marinho e personificava o poder do oceano (para o povo Maori é o Tangaroa).
O hei tiki – um objeto cultural usado no pescoço – é considerado um taonga tuku iho (herança preciosa) porque cada hei tiki é transmitido de geração em geração e emocionalmente ligado à memória dos tupuna (ancestrais reverenciados). Não existem dois hei tiki iguais, cada um tem a sua personalidade e imbuído de wairua (espírito).
As origens antigas do hei tiki advêm do Hawaiki (a terra ancestral dos Maori, que acredita-se ser nas ilhas da Polinésia Oriental). Uma lenda Maori conta a história do explorador Ngahue que após um desentendimento com a sua mulher, foge do Hawaiki, é perseguido pelo temível peixe Poutini, e aportam na Baía de Plenty (Ilha Norte de Aotearoa), onde Poutini cai num lago profundo e transforma-se em canoa de jadeíta. Ngahue regressa ao Hawaiki com um pedaço do pounamu tirado de Poutini, talhando os primeiros adornos de hei tiki.
De igual modo, pressupõe-se haver uma influência vinda do Sudeste Asiático. Em 1864, Horatio Gordon Robley (1840-1930) [um soldado do exército britânico que cresceu na Índia e na Birmânia (atual Mianmar)], chegou à Nova Zelândia e constatou as semelhanças entre as figuras de hei tiki e as de Buda, particularmente as figuras com a posição das pernas e mãos viradas para dentro. Pode-se visualizar aqui as ilustrações desenhadas à mão mostrando a opinião de Robley sobre a evolução do hei tiki.
As origens sobrenaturais destas histórias e crenças atribuem a origem do tiki mana às divindades polinésias e às narrativas da origem da criação, contudo devido à falta de evidências arqueológicas desconhece-se a origem física do hei tiki.
Como um taonga precioso, o hei tiki seria cuidado e transmitido no seio familiar, por tal há relativamente poucos achados arqueológicos. É mais provável que os primeiros pingentes hei tiki em pounamu tenham aparecido c. 1550-1600 (um intervalo de datas da história Maori conhecido como o Período Clássico). O Período Clássico é caracterizado por adornos de pingente único feitos de pounamu e muitas vezes de estilo curvilíneo, enquanto que no Período Arcaico (antes de 1450) apresentavam colares frequentemente usados junto com pingentes, os adornos Arcaicos eram, igualmente, feitos de materiais mais macios como o marfim, a concha e o serpentinito.
Em 1900, foram encontrados na antiga vila de Whareakeake, na Península de Otago (Aotearoa), onde residiam talhadores de pounamu, cerca de 23 hei tiki mas desconhece-se se seriam para comércio ou com outros iwi e/ou tribos Maori, ou para colmatar a procura dos colecionadores europeus.
Apesar dos exemplos arqueológicos serem parcos e distantes entre si, no Período Arcaico os pingentes tiki denotam estilos bastante diferentes, apresentando linhas mais angulares, cabeça ereta, mãos apoiadas no peito, pernas abreviadas e com uma miríade de feitios. O antropólogo neozelandês, HD Skinner (1886-1978), esboçou exemplos de hei tiki do Período Arcaico, sendo o esboço mais antigo da região da Baía de Doubtless (Aotearoa) desenhado em 1769 pelo explorador francês JFM de Surville (1717-1770). O museu nacional neozelandês Te Papa Tongawera dispõe de uma coleção on-line de tiki dos períodos Arcaico e Clássico.
O que pode ser examinado pelos registros históricos é um salto estilístico ocorrido durante o século XVI, do estilo Arcaico para o Clássico, em que o hei tiki em pounamu se tornou mais estilizado com o recurso de um toki (uma enxó), igualmente de pounamu, e um bem muito valorizado por direito próprio transmitido de geração em geração pelos taonga.
Uso e significado de Hei Tiki
O etnólogo alemão Karl von den Steinen (1855-1929) opinou sobre o mérito artístico do hei tiki ao afirmar que o adorno Maori era "talvez o objeto mais feio que o gênio artístico de um povo já criou ao longo dos anos" (citado: Skinner, p.309).
A aparência atarracada e humanóide do hei tiki com cabeça alargada (cerca de um terço do tamanho da figura) e olhos proeminentes é, todavia, uma produção significativa da criatividade Maori. Contudo será que o hei tiki significava algo mais do que oha tupuna (herança) usado como recordação dos ancestrais?
Foi sugerido que durante os funerais e momentos de luto, o hei tiki era usado como o representante de um ente falecido, quando era impossível a recuparação do corpo, sendo então colocado no chão, cantado e chorado. Quando uma pessoa de nível social mais elevado morria, como um chefe, o hei tiki era enterrado com o corpo e recuperado posteriormente (durante o hahunga ou cerimónia de levantamento das ossadas), acreditando-se que o mana tinha aumentado e com valor especial.
O hei tiki também está fortemente associado à fertilidade feminina, e era usado pelas mulheres durante a gravidez e para incentivar um parto fácil. Um Tiki talhado com cabeça alargada e a contorção dos membros sugere um embrião humano e possivelmente o de um feto (um espírito particularmente poderoso). Contudo, os primeiros visitantes europeus viram homens usando hei tiki, o que indica ser considerado um adorno pessoal com uma ligação aos ancestrais reverenciados.
O hei tiki também era usado como um talismã protetor. Acompanhando o Reverendo Samuel Marsden (1765-1838) numa das suas viagens a Aotearoa, durante a visita de 1814-15 a Whangaroa, John Liddiard Nicholas (1784-1868) constatou num taua (uma festa de guerreiros) onde participavam cerca de 150 homens com hei tiki ao pescoço.
Características visuais e tipos comuns do Hei Tiki
Em 1915, Horatio Gordon Robley observou dois tipos de hei tiki: o primeiro tipo é conhecido como Robley Tipo A com a cabeça do tiki apoiada nos ombros e com as duas mãos posicionadas nas coxas; o Tipo B, mais raro, representa o tiki com a cabeça levantada, mostrando um corte definido no pescoço, afastado dos ombros, e com uma mão levantada até o peito ou boca e a outra permanecendo na coxa, não tem costelas e um dos ombros é curvado. Ambos os tipos podem ser vistos no Blog Te Papa.
Os hei tiki são esculpidos com a cabeça inclinada tanto para a direita e como para a esquerda, sem aparente significado particular, mas o ângulo comum de inclinação da cabeça de 45 graus ficou estabelecido por volta de 1769-1777. Esta inclinação pode ser, igualmente, devido ao uso da enxó retangular usada para cortar e esculpir o hei tiki.
Os típicos olhos grandes eram feitos de concha de Paua (Haliotis iris - abalone) ou preenchidos com lacre vermelho de origem europeia.
Na década de 1960, o cirurgião ortopédico americano Charles O. Bechtol (1912-1998), propôs a teoria em que considerava que o formato do hei tiki poderia representar nove deformidades congênitas. Bechtol estudou as fotografias, os desenhos e os hei tiki disponíveis no Smithsonian Institution, no Museu de História Natural de Chicago e no Museu Bishop em Honolulu, e concluiu que: a cabeça inclinada deve-se ao torcicolo – uma condição na qual os músculos do pescoço sofrem espasmos e torcem, fazendo com que a cabeça se incline num ângulo estranho; o ombro curvado devia-se à anormalidade de Sprengel; os três dedos das mãos e dos pés, típicos do hei tiki, poderiam ser sindactilismo (uma fusão de dedos); e o pé torto congênito seria o motivo para que os pés do hei tiki apontassem para dentro.
Apesar de serem observações médicas interessantes, não há evidências que sugiram que os Maoris tenham criado o hei tiki para representar anormalidades físicas. Pelo contrário, as evidências apontam para o hei tiki como taonga com camadas complexas de interpretação cultural.
As Cores do Hei Tiki
O pounamu da Nova Zelândia tem uma maravilhosa qualidade translúcida com diferentes combinações de cores. Quando o pounamu é tratado termicamente, a dureza do material é reforçada, e quando a superfície é retificada, revela-se uma cor branco-pérola, verde-acinzentado com um brilho de prata, conhecida como variedade inanga e apreciada pelos Maori, tal como o kawakawa (nomeado em homenagem às folhas verdes escuras da planta nativa kawakawa – Piper excelsum). O Kahurangi é um verde maçã vibrante com alta translucidez, kokopu tem tons do castanho-avermelhados a azuis com distintas manchas castanhas, enquanto Tangiwai é um verde oliva-azulado (bowenite embora tenha sido incluída na categoria pounamu) e raramente era usado para modelar o hei tiki dado ser mais suave que o pounamu.
O Conservador do Matauranga Maori do Museu Te Papa, Dougal Austin estudou uma coleção de hei tiki com a clara preferência pela variedade inanga de pounamu (65%) contra 15% dos que foram tratados termicamente.
Do Pounamu ao Plástico
No final do século XIX, o hei tiki tornou-se parte da cultura de muitos colonos pakeha (neozelandeses de origem europeia) que os usavam como adornos pessoais e manufacturando-o. A noção de mana da whanau (família) imbuída no hei tiki e a conexão com ancestrais reverenciados (e um objeto cultural por direito próprio) foi substituída pelo comercialismo. Aotearoa viu o surgimento de uma indústria de joias pakeha, especialmente em Dunedin (Ilha do Sul), e uma reinvenção colonial do hei tiki. Numerosos hei tiki foram, igualmente, perdidos para coleções particulares no estrangeiro.
Entre 1867 e 1938, uma conhecida empresa de producão de joalharia alemã produziu 50.000-100.000 imitações de tiki usando pedra verde e importou-as para o mercado da Nova Zelândia. Os Hei tiki poderiam ser produzidos em massa (muitas vezes a partir de plástico) com a eficácia de custo dos produtos industrializados em cidades como Birmingham, no Reino Unido.
Em grande medida, a apropriação indevida do hei tiki reflete o declínio da sorte dos Maori durante o século XIX. Em 1896, a população Maori era de aproximadamente 42.000 pessoas. Contudo, os números exatos são incertos, dado que em 1769, o Capitão James Cook (1728-1779) estimou a população Maori pré-europeia de cerca de 100.000 pessoas. O declínio populacional deveu-se às doenças, à perda de terras para os colonos europeus e às vítimas das guerras coloniais Maori (1840-1870).
No início do século XX, o hei tiki tornou-se um amuleto da sorte e um objeto imperial. Pelo menos, em 1905, um hei tiki em jadeíta zarpou com os All Blacks (equipa de rugby neozelandesa) para um períplo na Gra-Bertanha. A imagem tiki era o sinónimo de proeza desportiva e de uma pakeha florescente ou identidade mais ampla do Pacífico Sul.
Os neozelandeses levaram o hei tiki para a guerra (II GGM): os prisioneiros de guerra num campo em Millwitz (Camp E535), na Polónia, produziram o jornal The Tiki Times e a tripulação da traineira HMS Lord Plender andava sempre com um bloco de madeira esculpido com um desenho tiki. Em 1964, quando os Beatles fizeram uma torné por Aotearoa foi-lhes ofertado tikis grandes em plástico.
A palavra tiki entrou no léxico popular ocidental e foi um ícone da cultura pop com a abertura de bares tiki com temática tropical iluminados por flamejantes tochas tiki. Filmes Tiki como Hei Tiki (1935), Pardon My Sarong (1942), (Br: Dois Caraduras de Sorte), South Pacific (1958) (Pt & Br: Ao Sul do Pacífico), Blue Hawaii (1961) (Pt: Hawai Azul; Br: Feitiço Havaiano) encantaram o público do cinema com os vislumbres de um mundo repleto de frescos ventos alísios, cabanas com folhas de palmeiras, e donzelas polinésias banhando-se em cascatas.
Ressurgimento Cultural
Na década de 1970, o fascínio pelo hei tiki como cultura pop, amuletos da sorte e mascotes desportivas deu lugar a uma atenção séria às expressões contemporâneas do hei tiki como uma forma de arte Maori, com jovens Maori escultores de hei tiki como Rangi Kipa (n. 1996) que usam o Corian (fabricado pela DuPont) como uma ponte entre os entendimentos Maori e Pakeha. Pounamu carrega consigo um significado cultural, enquanto materiais mais recentes, como o Corian, ou usando osso de baleia e marfim, tornam o hei tiki acessível a uma identidade mais ampla da Nova Zelândia.
Embora ainda existam muitos hei tiki em coleções privadas de “arte tribal” em todo o mundo (e, portanto, desconectados de seu whakapapa), os jovens artistas Maori criarão uma forma de arte contemporânea que, esperançosamente, verá o hei tiki restaurado como um taonga.