As noivas de Jamestown (também conhecidas como noivas do tabaco) eram mulheres jovens e solteiras, transportadas da Inglaterra para a Colônia de Jamestown, na Virgínia, entre 1620-1624 para se casar com os colonos locais. As mulheres tinham suas próprias razões para fazer a travessia transatlântica, mas também eram encorajadas pela Companhia da Virgínia, com sede em Londres.
Estas mulheres ganharam dotes da companhia, responsável pelo financiamento da expedição que estabeleceu Jamestown em 1607. Muitos dos homens que emigraram tinham conseguido amealhar quantias que lhes pareciam suficientes e, então, retornavam à Inglaterra para se casar, enquanto outros morreram e alguns se casaram com mulheres nativas americanas e foram viver em suas tribos. Um dos fundadores da Companhia da Virgínia, Sir Edwin Sandys (pronuncia-se Sands, v. 1561-1629) estabeleceu um programa para enviar mulheres-noivas em 1619, com o objetivo de interromper as deserções e proporcionar estabilidade, harmonia e um senso de comunidade à colônia. Assim começou o programa das Noivas de Jamestown.
As jovens necessitavam de recomendações para participar do programa e estas cartas as acompanhavam na viagem. Embora com frequência se afirme que a Companhia da Virgínia “vendeu” mulheres aos colonos, esta alegação tem sido repetidamente desmentida. A alegação é baseada no fato de que a companhia cobrava aos homens 120-150 libras [54 a 68 quilos) de tabaco por uma noiva (o que originou o epíteto “noivas do tabaco”), mas esta cobrança visava a cobrir gastos com a viagem e os dotes fornecidos pela empresa às mulheres. O tabaco não era um preço para a noiva, e os homens que quisessem se casar mas não tivessem como custear o valor poderiam fazê-lo mais tarde, quando conseguissem os recursos.
Houve tentativas de alguns grupos de se aproveitar do programa e sequestrar jovens mulheres para serem enviadas à Virgínia à força e, embora isso possa ter acontecido com mais frequência do que reportado, os registros oficiais declaram que estas pessoas foram flagradas e processadas, geralmente executadas, e as mulheres libertadas. O programa ainda estava em funcionamento em 1623 – embora não esteja claro quantas mulheres efetivamente viajaram nesse ano – e foi concluído quando o Rei James I da Inglaterra (r. 1603-1625) revogou a autorização da Companhia da Virgínia e assumiu o controle da colônia, em 1624. A série de TV Jamestown (2017-2019), que recebeu muitas avaliações positivas pela precisão histórica, é um drama moderno sobre as noivas de Jamestown.
Os Anos Iniciais de Jamestown
Jamestown foi fundada em 1607, pela Companhia da Virgínia de Londres, como um empreendimento comercial. A colônia foi tudo menos um sucesso instantâneo, pois os cerca de 100 homens e garotos que integraram a primeira expedição não tinham habilidades agrícolas e, além disso, os líderes decidiram situar o povoado num pântano. Eles sobreviveram no primeiro ano graças à generosidade do Chefe Powhatan (também conhecido como Wahunsenacah, v. c. 1547-c. 1618). O capitão John Smith (v. 1580-1631) negociou a paz com a Confederação Powhatan, insatisfeita com os contínuos abusos cometidos pelos colonos, que roubavam alimentos e terra dos nativos. O relacionamento ficou ainda mais precário após a chegada de novos colonos em 1608, trazidos por um dos fundadores, Christopher Newport (v. 1561-1617), que tinha voltado à Inglaterra para conseguir suprimentos mas que apenas aumentou as necessidades de comida e abrigo.
Uma das recém-chegadas foi Anne Burras, criada de Thomas e Senhora Forrest, que iria se tornar a primeira inglesa a se casar na colônia, unindo-se a John Laydon, um dos colonos, no final do outono de 1608. Outras mulheres se seguiram à medida que Newport ia e voltava através do Atlântico, reabastecendo a colônia com pessoas, mas com poucos suprimentos para mantê-las alimentadas.
O capitão John Smith, ferido num acidente com pólvora em Outubro de 1609, retornou à Inglaterra para tratamento mas, antes mesmo de sua partida, as relações com as tribos powhatan tinham piorado devido à persistente carência dos colonos e o roubo contínuo de alimentos e terra. Tal comportamento levou o Chefe Powhatan a estabelecer limites na interação com os europeus e, finalmente, em 1609, ele deu ordens para que os colonos permanecessem dentro das fortificações de Jamestown; quem fosse encontrado na terra powhatan acabaria morto.
Esta ordem contribuiu para o que é conhecido como o Tempo da Fome em Jamestown, no inverno de 1609-10, durante o qual as pessoas comeram cães, cavalos, insetos, cadáveres e, em pelo menos um caso, uma mulher. Um colono não identificado, segundo John Smith:
Matou sua mulher, temperou-a e já tinha devorado parte dela antes que fosse descoberto; por isso ele foi executado, como bem merecia; agora, se ela ficava melhor assada, cozida ou na grelha, não sei, mas de um prato de esposa temperada nunca ouvi falar. (411)
Em Maio de 1610, o novo governador, Sir Thomas Gates (v. c. 1585-1622) chegou e, ao encontrar somente 60 colonos vivos e a colônia quase em ruínas, ordenou que fosse abandonada. Ele embarcou os sobreviventes em seu navio e estava navegando rio abaixo quando se deparou com outra embarcação, que levava o aristocrata Thomas West, Lorde De La Warr (v. 1577-1618), que o colocou sob sua autoridade e restabeleceu Jamestown. West instituiu políticas novas e mais duras em relação aos nativos americanos, o que desencadeou a Primeira Guerra Powhatan (1610-1614), durante a qual morreram cerca de 400 colonos. A guerra não interrompeu a chegada de novos colonizadores da Inglaterra, porém, e entre eles estavam várias mulheres. Cecily Jordan Farrar, que se tornaria a matriarca da conhecida família Farrar, chegou em 1610, uma garota de 10 anos cujo nome aparece numa lista de passageiros com 20 mulheres.
Ainda assim, a proporção de homens e mulheres da colônia permanecia em aproximadamente 7-1. Os homens abandonavam a colônia para se casar com nativas americanas ou retornavam à Inglaterra para se casar e muitos mais, é claro, morriam em conflitos, por desnutrição ou doença. Em 1611, Sir Thomas Dale assumiu a colônia e instituiu as famosas leis restritivas que proibiam o casamento com nativas, mas isso não parece ter cessado a constante deserção da população masculina.
As Noivas de Jamestown
John Rolfe (v. 1585-1622), que desembarcou com Gates, obteve sucesso com o plantio de tabaco por volta de 1614, o que salvou a colônia. O súbito boom econômico atraiu mais colonos, principalmente homens. A Primeira Guerra Powhatan acabou graças ao casamento de John Rolfe com Pocahontas (v. c. 1596-1617), filha do Chefe Powhatan, em 1614, iniciando um período de calma e prosperidade conhecido como a Paz de Pocahontas (1614-1622). Durante este período, colonos e nativos negociavam uns com os outros e interagiam com poucos conflitos, favorecendo uma estabilidade ainda maior. No entanto, Jamestown ainda tinha muito mais o aspecto de um posto avançado militar do que de um empreendimento comercial ou povoado colonial. A Companhia da Virgínia reconheceu que era preciso uma força estabilizadora para a comunidade, o que deu origem ao programa das Noivas de Jamestown.
Sir Edwin Sandys, tesoureiro da companhia, compreendeu que a colônia necessitava de governo representativo presente e ativo, que pudesse resolver problemas rapidamente, em vez de pedir orientação à Inglaterra todo o tempo. Em 1619, ele ordenou a criação da Casa dos Burgueses (ou Cidadãos) e, no mesmo ano, iniciou o programa das noivas. Até aquele momento, as iniciativas da companhia para tentar estabilizar Jamestown haviam trazido poucos resultados. Inicialmente, enviaram crianças sem lar, "com 12 anos de idade ou mais velhas" que serviriam como servos por contrato até a idade de 21 anos (Neill, 161); em seguida, a companhia propôs solucionar o problema da superpopulação das prisões inglesas e da sua necessidade de mais colonos embarcando condenados para a Virgínia. Nenhuma destas soluções contribuiu com a estabilização da colônia.
Sandys distribuiu panfletos por toda a Inglaterra e imprimiu anúncios em jornais sobre o novo programa. Os anúncios enfatizavam a boa vida que esperava as mulheres na Virgínia e a garantia de casamento com homens de recursos. Os Registros da Companhia da Virgínia deixam claro que as mulheres eram livres para escolher seus próprios companheiros e não seriam obrigadas a se casar com alguém que achassem desagradável. Numa carta ao governo colonial, eles declaram:
Temos tomado cuidado e zelo extraordinários na escolha delas e não aceitamos nenhuma da qual não tenhamos testemunho favorável de sua vida e conduta honesta, o que, junto com seus nomes, enviamos também para a apreciação daqueles com os quais venham a se casar [...] com isso e graças às suas próprias boas sobremesas, junto com seu favor e cuidado, todas irão, conforme esperamos, casar-se com homens honestos e de recursos adequados, cujos meios serão suficientes para o reembolso; mas se qualquer uma delas imprudentemente ou amorosamente se comprometer (pois não ousamos infringir a liberdade do matrimônio) com aquele incapaz de quitar seu compromisso, queremos que, ao menos tão logo possam, eles sejam compelidos a pagar a quantidade de tabaco acertada e que este débito tenha precedência sobre quaisquer outros a serem quitados. (Neill, 246-247)
O tabaco servia aos mesmos propósitos do dinheiro de curso legal na época. O reembolso a ser pago pela passagem, alimentação e os dotes modestos para as mulheres era de 120 libras de tabaco em 1620 e 150 libras por volta de 1622 (aproximadamente 5 mil dólares em valores atuais). O alto valor do reembolso por enviar a um homem uma noiva de boa família e caráter tinha o objetivo de dissuadir aqueles com poucos recursos a tentar cortejar as mulheres, e, assim, assegurar a elas um futuro confortável e estável.
As Mulheres
Aquelas que escolhiam participar do programa viam nele uma chance de uma nova vida, livre da rígida hierarquia social da Inglaterra. As jovens de famílias pobres tinham esperanças escassas de obter um dote que lhes proporcionasse um bom casamento. Porém, através do programa, elas recebiam um dote modesto e a promessa de um marido com recursos. Jovens garotas e mulheres que trabalhavam o dia inteiro como domésticas nas residências dos ricos viram no programa uma esperança real de possuir seus próprios lares e, talvez, seus próprios criados. Entre 90 e 100 mulheres desembarcaram em 1620; no ano seguinte, um navio, o Marmaduke, levou mais 13 e, possivelmente, houve outro embarque com mais candidatas; em 1622, os números foram equivalentes ou mesmo superiores. A estudiosa Misha Ewen comenta:
As mulheres que chegaram neste período tinham motivos próprios para viajar para a Virgínia. Elas confiavam em suas próprias capacidades para buscar oportunidades na colônia como, por exemplo, Abigail Downing, uma viúva que navegou para a América em 1623. Ela pagou o custo da passagem de forma que pudesse estar “livre para dispor de si mesma quando chegasse à Virgínia” com a intenção de se casar com um “homem honesto”. Ela não foi enganada sobre as condições em Jamestown, prometendo “esforçar-se e fazer todo o serviço necessário” para “merecer sua comida”. Na Inglaterra, as oportunidades para se casar e começar famílias em lares independentes eram dificultadas pela situação econômica e social. O crescimento da população acelerou-se no final do século XVI e no século XVII, ao mesmo tempo que os salários reais caíram, deixando muitos desempregados e empobrecidos. Sem rendimentos decentes, os casais não podiam pagar por moradias. As treze mulheres, com idades entre dezesseis e vinte e oito anos, que partiram para a Virgínia a bordo do Marmaduke, em 1621, estavam profundamente conscientes desta realidade. (Musselwhite et al, 138)
Após 1622, após chegarem a Jamestown, as mulheres eram abrigadas em sua própria pequena vila, chamada de Vila das Solteiras; antes disso, ficavam com membros da companhia ou recebiam residências na cidade. Os registros oficiais do programa enfatizam a boa sorte das participantes e seu futuro brilhante mas, como a estudiosa Jennifer Potter observa:
Livros de contabilidade ou listas podem dizer a você os nomes dos passageiros embarcados, não podem lhe contar o que as passageiras estavam pensando ou como as mulheres viam suas possibilidades à medida que esperavam [pela chegada ao Novo Mundo]. (17)
As conexões familiares, habilidades e antecedentes das mulheres, além de sua classe, eram parte de um pacote de documentos entregues pela Companhia da Virgínia ao governo colonial. Muito provavelmente, as mulheres sentiam-se como cavalos, gado ou cães de caça, cujo pedigree precisava ser inspecionado para aprovação e aceitação. Potter comenta:
Ao elaborar seus prospectos para os potenciais maridos, a Companhia da Virgínia se esforçou para enumerar as realizações das mulheres. A procedência era uma garantia de valor suficiente para a maioria das jovens de classes mais elevadas entre elas, enquanto as de menor status tinham suas capacidades destacadas, geralmente de dois tipos: habilidades práticas e robustas em trabalhos domésticos, por um lado; e perícia em trabalhos com agulha ou tricô, de outro. (20)
As mulheres eram apresentadas aos possíveis maridos em reuniões patrocinadas pelos representantes da companhia, e a corte supervisionada publicamente pelas senhores da comunidade. Embora os registros oficiais afirmem que elas nunca foram enganadas com relação à vida em Jamestown, há relatos de homens que abandonavam a colônia deixando claro como a companhia apresentava um retrato muito mais favorável da vida no Novo Mundo do que encontraram na realidade. A Paz de Pocahontas proporcionou a Jamestown e seus povoados satélites um grau de calma e prosperidade e, certamente, as lucrativas safras de tabaco deixaram os plantadores mais ricos, mas em geral a vida na colônia era ainda difícil, e a paz não durou muito.
Conclusão
Pocahontas morreu em 1617, na viagem de volta de uma excursão promocional pela Inglaterra, mas Wahunsenacah manteve a paz até sua morte, por volta de 1618. Desde 1610, os colonos persistiam em invadir terras nativas, profanar locais sagrados, roubar milho e outros alimentos dos nativos e promover abusos generalizados contra as tribos da região. Em 22 de Março de 1622, o novo Chefe Powhatan, Opchanacanough (v. 1554-1646) lançou uma ofensiva de um dia, chamada de Massacre Indígena de 1622, matando cerca de 300 colonos e começando a Segunda Guerra Powhatan (1622-1626). Este conflito custaria ainda mais vidas e, mesmo após ter sido oficialmente encerrado, as hostilidades continuaram.
A guerra não dissuadiu as mulheres de participar do programa, porém, e mais chegaram em 1623 e início de 1624. Doença e morte no parto atingiram várias mulheres que não tinham sido vítimas dos ataques nativos, enquanto desnutrição, abuso doméstico e acidentes provocavam mais perdas. Das mais de 150 mulheres selecionadas para o programa Noivas de Jamestown, somente cerca de 30 viveram para ver o seu sexto ano na colônia. O rei James I respondeu ao Massacre Indígena de 1622 extinguindo a Companhia da Virgínia em 1624, lançando uma carta real que transferiu o controle da colônia diretamente para a Coroa.
O programa das noivas foi encerrado, mas, nessa época, a visão de Sandys de uma colônia estável com famílias tinha se concretizado. Jamestown e outros povoados da Colônia da Virgínia ainda se deparavam com vários desafios significativos, mas agora estavam habitados por famílias, em vez de homens solteiros. Outras mulheres, com ou sem maridos, chegaram depois, encorajados pelo fato de que a lei virginiana era muito menos rígida do que a inglesa, permitindo às mulheres um número maior de direitos.
Registros do período mostram que as mulheres podiam recusar a dizer os votos padronizados de casamento; firmar e desfazer contratos de negócios e arranjos matrimoniais; e as viúvas podiam possuir e administrar as propriedades dos maridos. As Noivas de Jamestown que sobreviveram aos seus anos iniciais no povoado se tornaram as respeitáveis mulheres da Colônia da Virgínia e, em vários casos, foram capazes de realizar o sonho de possuir um lar e dirigir suas próprias vidas.