As Sete Cidades de Cíbola são as terras míticas de ouro que os espanhóis do século XVI acreditavam existir no sudoeste da América do Norte, comparável a outra famosa cidade lendária, El Dorado. Não foram encontrados locais que correspondessem às descrições dos exploradores europeus que as relataram inicialmente, mas a lenda resultou no lançamento de expedições que provocaram a destruição de muitos outros povoados indígenas.
A existência das cidades começou a ser atestada por quatro sobreviventes da desastrosa Expedição Narváez de 1527, incluindo o explorador Álvar Núñez Cabeza de Vaca (m. c. 1560), em 1536. O relato feito por De Vaca foi posteriormente “corroborado” pelo frade franciscano Marcos de Niza (v. c. 1495-1558) em 1539. A vívida descrição feita por de Niza sobre as riquezas do local encorajou a expedição de 1540 na América do Norte, liderada pelo conquistador Francisco Vázquez de Coronado (v. 1510-1554) que não encontrou os locais descritos.
A expedição de Coronado conseguiu, no entanto, matar um grande número de nativos americanos, seja diretamente ou roubando seus suprimentos de comida, o que os fez perecer pela fome. Partindo de Compostela, no noroeste do México, Coronado viajou para o atual estado norte-americano do Novo México, onde descobriu que os relatos sobre a cidade dourada não passavam de fábula. Depois de tomar a cidade, ele destruiu outras comunidades antes de se convencer da existência de uma cidade dourada ainda maior, Quivira, e sua busca para encontrar esse lugar mítico o levou até o norte do atual estado do Kansas. Descobriu-se mais tarde que os nativos reprimidos pelo conquistador após a tomada de Cíbola inventaram Quivira como um meio de mandá-lo para o deserto, onde esperavam que ele e seus homens perecessem devido às privações.
A expedição levou Coronado à ruína, pois ele estava tão convencido dos relatos feitos por De Niza decidiu financiar a expedição por conta própria. Embora Coronado seja frequentemente reconhecido como o primeiro europeu a explorar o sudoeste da América do Norte, o efeito imediato na região foi negativo, o legado insignificante e o único significado real da expedição está no relatório de Garcia López de Cárdenas (v. c. 1540), um dos oficiais de Coronado, além de outros, que proporcionam uma descrição em primeira mão da vida dos povos nativos que encontraram e de formações naturais, como o Grand Canyon. O persistente destaque de historiadores de que a expedição de Coronado foi a primeira a conhecer tais locais e registrar tais aspectos soa cada vez mais vazia, no entanto, à medida que a motivação superficial da expedição e a destruição que ela causou nas comunidades nativas americanas ficavam mais claras para o público da atualidade.
Expedição Narváez e De Vaca
A história das Sete Cidades de Cíbola começa com uma expedição sem nenhuma relação com a região. Em 1527, o conquistador Pánfilo de Narváez (m. 1528) foi enviado da Espanha com 600 homens, um certo número de mulheres e escravos e cinco navios para colonizar a Flórida, que havia sido reivindicada para a Coroa Espanhola por Ponce de León (v. 1474-1521) em 1513. Eles naufragaram ao largo de Cuba graças a uma tempestade que atirou os cerca de 400 sobreviventes às margens da costa oeste da Flórida, próximo da atual Baía de Tampa.
Narváez não tinha ideia de onde estava e dividiu o grupo em dois, com mais de 100 pessoas viajando de navio e o restante por terra, em direção ao norte, onde esperava encontrar um porto. Embora Ponce de León tivesse reivindicado a terra, ele não conseguiu instalar um forte ou deixar qualquer tipo de orientação, então dificilmente se pode culpar Narváez pela desorientação. O navio e o grupo terrestre se perderam de vista e os que estavam em terra continuaram a marchar até que acabaram na região do atual Texas. Uma vez que não se encontrou nenhum porto ou pontos de referência mencionados no relatório de León, Narváez tomou a decisão de fabricar jangadas para navegar pela costa e descobrir o local correto onde deveriam ter desembarcado. Uma tempestade afogou a maior parte das 300 pessoas a bordo das jangadas, incluindo o próprio Narváez. Os sobreviventes, atirados novamente às costas da Flórida, morreram nos meses seguintes, com exceção de quatro deles:
- Álvar Núñez Cabeza de Vaca
- Alonso del Castillo Maldonado (m. 1547)
- Andrés Dorantes de Carranza (m. 1550s)
- Estevanico (v. c. 1500-1539)
Estevanico era um mouro, escravizado desde c. 1522, e que pertencia a de Carranza. Os quatro homens percorreram o Texas, acabaram capturados por nativos que os escravizaram por quatro anos, escaparam e fugiram para o interior. Nos anos seguintes, eles viveram entre os nativos, viajando de povoado a povoado e adquirindo reputação como curandeiros, até finalmente conseguir chegar à Cidade do México em 1536, quando as histórias de suas aventuras - e especialmente a suposta vasta riqueza das terras pelas quais haviam viajado, incluindo as cintilantes cidades douradas - atraíram muita atenção.
A Expedição liderada por de Niza
Informações sobre as riquezas do norte finalmente chegaram aos ouvidos do vice-rei da Nova Espanha, Antonio de Mendoza (v. 1495-1552), que ordenou a organização de uma missão de exploração, liderada pelo frade Marcos de Niza, em 1539. Porém, havia um problema: ninguém sabia onde estavam as cidades de ouro. De Vaca, a principal fonte destas histórias, tinha partido para a Espanha em 1537 e, mesmo se não tivesse ido (como mostra a obra publicada posteriormente a respeito de suas aventuras), seria de pouca ajuda, pois denominava os povos que encontrou e os locais que visitou com nomes que escolhia dependendo de como comiam, vestiam ou do que uma determinada formação rochosa o fazia lembrar. Estevanico ainda permanecia na região, no entanto, com seu senhor, e de Niza o escolheu como guia.
Estevanico, provavelmente, estava muito feliz em retornar ao norte e viver como um homem livre novamente e, assim, o pequeno grupo partiu. Enquanto viajavam, atraíram a atenção de mercadores nativos, que encorajaram de Niza com histórias das grandes cidades de ouro que certamente estavam próximas. Estevanico foi enviado adiante do grupo principal para localizar as cidades e mandar mensagens a respeito e, após um certo número de dias ou semanas, um batedor nativo informou que o mouro tinha descoberto Cíbola e que os aguardava na cidade. O acadêmico Bill Yenne relata a descrição feita por Estevanico a de Niza:
Havia "sete grandes cidades, todas submetidas a um único senhor. Nelas existiam grandes casas de pedra e argamassa, as menores com pelo menos um andar com terraço e, além delas, construções com dois e três pavimentos. A casa do chefe tinha quatro andares. Havia muitas decorações nas entradas das principais casas e turquesas, que eram abundantes na região. O povo destas cidades vestia-se muito bem". (125)
De Niza apressou-se para alcançar Estevanico até que recebeu informações de que este havia sido assassinado. Ninguém sabe como morreu (alegou-se que fingira a própria morte para conquistar a liberdade), mas contaram a de Niza que o escravo, afirmando ser um curandeiro, exigira objetos valiosos e mulheres dos habitantes da cidade, que decidiram matá-lo. O frade ficou com receio de seguir adiante e, assim, subiu numa meseta e "sem na verdade colocar os pés num deles, deu uma última e demorada olhadela aos pueblos [...] e retornou rapidamente ao México” (Yenne, 126). Uma vez lá, ele entreteve Mendoza e outros com histórias das fabulosas cidades que tinha visto. Yenne comenta:
Ele deixou sua imaginação galopar sem freios, relatando coisas que não poderia ter visto sem entrar numa das sete cidades. Escreveu sobre enormes pérolas e esmeraldas [e] disse que as pessoas comiam em pratos de ouro e prata [...] Também afirmou que as Sete Cidades de Cíbola tinham população igual à da Cidade do México. (127)
A impressão dada era de um vasto e rico centro urbano e, embora de Niza não pudesse saber disso, ele estava realmente certo. As cidades que avistara faziam parte do Complexo Zuni-Cibola do atual Novo México, na época o maior centro comercial da região. O acadêmico James J. Drexler observa:
[Cibola] era o núcleo da vasta e ativa rede comercial que cobria a maior parte do norte do México e grande parte do oeste dos Estados Unidos. O comércio de Cíbola estendia-se para o leste até a região das Grandes Planícies, onde obtinham peles de bisões e, a oeste, até pelo menos o baixo Rio Colorado [...] A rede comercial abrangia ainda a costa oeste do México, onde os nativos de Cíbola adquiriam conchas, e ao sul, até o atual México, fornecedor de aves com plumas vistosas. Os cibolanos estavam cientes do Rio Mississípi, da costa do Golfo do Texas e do México, da costa oeste da Califórnia, do Grand Canyon do Rio Colorado e dos rios e planícies de Oklahoma e Kansas. Tratava-se de pessoas civilizadas, com uma cultura e tradição antigas. (103)
Mendoza não estava muito interessado no que de Niza tinha a dizer sobre as pessoas que viviam em Cíbola, exceto quanto ao fato de que pareciam ser capazes de pagar enormes quantias de tributo assim que fossem conquistadas; assim, ele organizou uma segunda expedição, muito maior, para alcançar esse objetivo.
A Expedição de Coronado
Coronado, na época governador da Nova Galícia (atual Sinaloa e áreas vizinhas, no México), na Nova Espanha, estava casado com uma mulher de uma família abastada. Financiado pela família da esposa e seguro em seu cargo, quando ouviu a história de Cíbola contada por de Niza, ofereceu seus serviços a Mendoza como líder da expedição. Coronado estava tão confiante no sucesso e nas riquezas com as quais retornaria que resolveu financiar todo o empreendimento por conta própria. Mendoza custeou uma parte para garantir o direito a uma parte dos despojos da conquista. Ninguém duvidava da precisão do relatório feito por de Niza e, de fato, à medida que se recontava a história da aventura do frade sobre a fabulosa cidade, o tamanho dos edifícios e o volume de riqueza aumentavam. Coronado nomeou de Niza como seu guia fidedigno e partiu com trezentos soldados, mais de mil auxiliares nativos, uma enorme caravana de suprimentos, gado para carne e rebanhos extras de cavalos, quase tudo pago por ele mesmo, em fevereiro de 1540.
No início de julho, chegaram ao lugar onde Estevanico teria sido morto, segundo o relato do frade; não se parecia em nada com as cidades fabulosas que ele havia descrito na Nova Espanha. O oficial e cronista de Coronado, Castaneda, escreve:
É uma aldeia pequena e populosa, como se tivesse sido amontoada num só ponto. Existem fazendas na Nova Espanha que trazem uma melhor aparência à distância. É uma aldeia de cerca de duzentos guerreiros, tem três e quatro andares de altura, com casas pequenas e contendo apenas alguns quartos e sem pátios. (136)
Coronado marchou sobre a cidade, exigindo sua rendição e, quando o povo rejeitou o ultimato, ele atacou. De acordo com o relato de Castaneda, não foi uma batalha fácil, e o próprio Coronado ficou ferido. Os espanhóis conseguiram derrotar os cibolanos, no entanto, devido ao uso da cavalaria e poder de fogo superior, que apavorou os nativos e finalmente os levou a abandonar a cidade. Quando Coronado avançou, esperando encontrar montes de ouro e joias, porém, nada havia além de potes de cerâmica quebrados, cadáveres e casas vazias.
Castaneda relata que Coronado e os outros imediatamente se voltaram contra de Niza, tão furiosos que Castaneda se preocupou com a segurança do frade, afirmando que "tais eram as maldições que alguns lançaram contra Frei Marcos que rezo para que Deus o proteja deles" (136). Coronado inspecionou a cidade minuciosamente e depois redigiu um relatório a Mendoza informando que o relato do frade era falso; ele despachou então de Niza, escoltado pelas tropas que retornavam ao México. Castaneda, ao descrever a partida, aparentemente esquece seus receios anteriores pela segurança do religioso e mais ou menos o chama de mentiroso:
[De Niza voltou] porque não achava seguro ficar em Cíbola, visto que seu relatório havia se revelado inteiramente falso, pois os reinos de que ele descrevera não haviam sido encontrados, nem as cidades populosas, nem a riqueza de ouro, nem as pedras preciosas que relatou, nem as roupas finas, nem outras coisas proclamadas nos púlpitos. (136-137)
Em seguida, Coronado enviou seus oficiais para explorar a região enquanto concluía a tarefa de se apropriar das casas e suprimentos alimentares dos Zuni. Mensagens foram enviadas para outras comunidades nativas dando conta de que "os cristãos tinham vindo ao país com o único desejo de travar amizade" e que seriam bem-vindos para parlamentar com Coronado mas, de forma pouco surpreendente, não houve muita resposta a esta oferta (Yenne, 138). Os oficiais do conquistador, no entanto, depararam-se com recepções festivas quando chegavam às diferentes comunidades, com cantos, danças e presentes. Os nativos os recebiam bem até descobrir que os recém-chegados não eram confiáveis.
Nos pueblos Tiguex (próximos à atual cidade de Santa Fé, no Novo México), Coronado encontrou um nativo da região do Mississípi, mantido como escravo e descrito nos relatos de Castaneda como "o Turco". O Turco contou ao conquistador histórias sobre uma fabulosa terra de riquezas ao norte, conhecida como Quivira, e se ofereceu para conduzi-lo até lá. A expedição partiu em abril ou maio de 1541 e, depois de um mês, nada encontrou que sugerisse uma cidade de ouro, ainda que o Turco continuamente assegurasse que o local estava apenas um pouco adiante. Ao longo do trajeto, a expedição matou 200 nativos numa aldeia, queimando alguns e atropelando outros com seus cavalos, além de cometer assassinatos em outros locais, estuprar mulheres nativas, roubar suprimentos de comida, deixando o povo perecer pela fome, e destruir casas e aldeias nativas para estabelecer a ordem, civilização e valores cristãos.
Após tudo isso, Coronado ainda não se encontrava próximo à cidade dourada de Quivira. Finalmente, nas proximidades da atual Salina, no estado norte-americano do Kansas, a paciência de Coronado se esgotou e ele confrontou o Turco, que admitiu ter mentido, pois o lugar realmente não existia. O Turco contou a Coronado que queria se libertar e esperava retornar ao seu próprio povo conduzindo os espanhóis nesta busca mas, além disso, ele havia sido orientado a enganar propositalmente Coronado pelos nativos da região de Cíbola, na esperança de que se perdesse e morresse no território selvagem.
Coronado ouviu a explicação e mandou estrangulá-lo. Em seguida, anunciou que voltariam para a Nova Espanha, uma vez que, nas palavras de um de seus oficiais, "o grupo nunca encontrou uma terra em que fosse possível se estabelecer" e as Sete Cidades de Cíbola acabaram por carecer de "riqueza e civilização" (Flint, 2) Coronado retornou à Nova Espanha na primavera de 1542 e retomou sua posição como governador da Nova Galícia, mas estava desonrado e falido. De Niza também acabou sendo alvo de desprezo público, mas escapou de punições e viveu o resto da vida na obscuridade.
Conclusão
A busca pelas Sete Cidades de Cíbola foi apenas uma das mais de 130 expedições lançadas pelos espanhóis nas Américas em busca de ouro durante esse período. Ao mesmo tempo que Coronado devastava o sudoeste, Hernando de Soto (v. c. 1500-1542) estava estuprando, assassinando e queimando as aldeias dos nativos do Vale do Rio Mississípi, em busca de ouro supostamente escondido. Gonzalo Pizarro (v. 1510-1548), o irmão mais novo de Francisco Pizzaro (conquistador dos Incas) também estava ativo em 1541, destruindo e escravizando comunidades nativas no Equador à procura da cidade dourada de El Dorado.
Essas expedições receberam destaque durante séculos como "precursoras", como se a paisagem e as pessoas não tivessem valor inerente até serem "descobertas" por europeus que sempre são caracterizados como exploradores e não como traficantes de escravos ou simplesmente oportunistas gananciosos que se aproveitaram de populações que inicialmente os acolheram, confiaram e ajudaram. A expedição de Coronado a Cíbola não merece nenhum tipo de celebração, assim como qualquer uma das outras.
A expedição de Cíbola, um projeto absurdo, baseado em mentiras e impulsionado pela avareza, pouco realizou além da perda de vidas em comunidades que existiam por milhares de anos antes da passagem de Coronado pela região. Nenhum desses povos, nem seus descendentes, poderia ter se importado menos que esses espanhóis fossem os primeiros a registrar sua terra e cultura na história.
Elogios contínuos a expedições como a de Coronado são comparáveis à admiração amealhada por um ladrão de bancos que, depois de matar todos no prédio, se depara com uma moeda rara; textos históricos se concentram regularmente na moeda, ignorando em grande parte o custo de sua descoberta. As Sete Cidades de Cíbola nunca existiram mais do que El Dorado ou Quivira, mas a busca para encontrar esses lugares imaginários resultou na destruição de comunidades muito reais, e essa é a verdadeira história de Cíbola.