A Invenção da Cunhagem de Moedas na Antiga Lídia

10 dias restantes

Investir no ensino da História

Ao apoiar a nossa instituição de solidariedade World History Foundation, está a investir no futuro do ensino da História. O seu donativo ajuda-nos a capacitar a próxima geração com os conhecimentos e as competências de que necessita para compreender o mundo que a rodeia. Ajude-nos a começar o novo ano prontos a publicar informação histórica mais fiável e gratuita para todos.
$3081 / $10000

Artigo

Oxford University Press
por Frank L. Holt / Oxford University Press, traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 09 julho 2021
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
Ouve este artigo
X
Imprimir artigo

O dinheiro pode assumir muitas formas, desde o código digital das criptomoedas até os escalpos de pica-pau preferidos no início da colonização da Califórnia. As pessoas também têm usado gado, grãos de cacau, conchas de cauri, chiclete, grãos e pedras gigantes como moeda. As culturas antigas tinham uma preferência especial pelos metais, particularmente prata, ouro e eletro (uma liga dos outros dois). Eles mantinham seu valor (ao contrário de uma vaca morta), eram fáceis de transportar (o que não se pode dizer de uma pedra gigante) e podiam ser medidos em frações exatas (algo bem mais difícil com um escalpo de pica-pau). O único problema com os metais é a necessidade de pesagem. Isso acrescenta tempo a cada transação, aumentando a inconveniência e os custos de fazer negócios com barras. Tinha de haver uma solução melhor – e os antigos lídios a inventaram.

Lydia Electrum Stater
Estáter de Electro da Lídia
Classical Numismatic Group, Inc (CC BY-NC-SA)

Os Lídios Inventam a Cunhagem

Em aproximadamente 630 a.C., alguém no reino da Lídia, na Anatólia, estampou uma peça de metal precioso com algo semelhante a um anel de sinete. Uma consequência deste simples ato foi aumentar a confiança no peso e pureza daquela peça de metal, quando usada mais tarde, no mercado. Este procedimento nada fez para modificar o valor intrínseco daquela commodity, mas simplificou a troca de barras para qualquer um que se mostrasse disposto a aceitar a garantia estampada prima facie, em vez de repesar e retestar da peça cada vez que trocava de mãos. Os mercadores poderiam deixar de lado as incômodas balanças, pesos e pedras de toque para acelerar as transações contando, e não mais pesando, sua nova forma de moeda corrente. Os gregos, que rapidamente adotaram esta tecnologia da Lídia, denominaram as moedas nomismata, porque elas funcionavam como dinheiro por uma convenção aceita (nomos).

Remover publicidades
Publicidade
O objeto possuía os três elementos essenciais de uma moeda: metal aceitável, peso e estilo.

Esta aceitação provavelmente ocorreu de forma gradual. Quando alguém surgiu num mercado da Lídia com alguns pedaços de eletro, a maioria dos vizinhos talvez sequer notaram ou se importaram. O metal foi para o prato da balança com outras barras para pagar um débito ou adquirir um cordeiro. Nada diferenciava as peças gravadas ou sem gravação, até que as pessoas pudessem concordar, pelo costume aceito (nomos), que a mensagem impressa no metal tinha um significado especial. Neste ponto, o objeto obteve os três elementos essenciais de uma moeda, como mais tarde estipulado por Isidore de Seville, no século VII d.C.: metal aceitável, peso e estilo padrão. As gravações eram trabalhos rudimentares a princípio, portando mensagens em grego ou lídio declarando "Sou o sinete de Phanes" ou "Sou [o sinete] de Kukas".

Deve ser lembrado, porém, que os povos antigos consideravam um selo mais formalmente do que fazemos com uma assinatura; o selo encorporava o pleno poder e prestígio da pessoa associado a ele. Podemos compará-lo a um documento reconhecido em cartório e não meramente assinado. As legendas acompanhavam diversas imagens, variando desde um leão a um cervo, todos martelados no metal por um cunho temperado. Pessoas como Phanes ou Kukas (talvez um fosse um comandante militar e outro um rei) davam garantias de suas peças cunhadas em termos de qualidade e quantidade. Seu envolvimento anterior facilitou a realização de negócios com o metal. Para tornar a inovação ainda mais conveniente, moedas eram cunhadas em sete denominações, indo até a fração mínima (1/192) de um estáter, pesando menos de um décimo de grama. Este fato sugere um alto grau de monetização baseada em moedas, permitindo grandes e pequenos pagamentos em toda a economia da Lídia.

Remover publicidades
Publicidade

Cunhagem Estatal e Rei Creso

O que pode ter começado como uma série de atos privados assumiu cada vez maior importância, até que se tornou um monopólio estatal. Os líderes da Lídia colocavam mais e mais moedas em circulação; e, tão importante quanto, eles reforçavam a aceitação em virtude de seu decreto real. Os especialistas com frequência chamam estas moedas reais de creseidas, em homenagem ao Rei Creso, que governou a Lídia aproximadamente de 561 até 546 a.C.. A inovação espalhou-se com rapidez, provavelmente pela demanda de mercenários gregos de pagamento em dinheiro que pudesse ser gasto mais facilidade e rapidez e guardado sem perder seu valor. Isso explica por que os persas adotaram a cunhagem naquelas áreas de seu império onde recrutavam e posicionavam soldados mercenários.

Remover publicidades
Publicidade

A cunhagem de moedas ocorreu de forma mais lenta em outras regiões do Mediterrâneo, mesmo naquelas comercialmente ativas, como Egito, Fenícia, Cartago e Etrúria. Os romanos não lançaram uma moeda corrente regular de prata até o fim do século III a.C.. O comércio não criava moedas e moedas não criavam comércio; simplesmente trabalhavam juntos. Da mesma forma, moedas não deram origem à guerra, escravidão, tirania e império: a cunhagem simplesmente aprendeu – assim como a poesia, arte e história – a tomar parte.

Lydian Silver Stater
Estáter de Prata da Lídia
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Mensagens em Moedas

Os antigos logo perceberam que a mensagem de validação impressa num dos lados de uma moeda (o verso) podia ser aumentada pela gravação de desenhos adicionais também no outro lado (o reverso). Este passo inicial duplicou o poder de comunicação da cunhagem ao dispor mensagens ao público em ambas as faces. Uma analogia pode ser encontrada na história clássica de Mark Twain Na Corte do Rei Arthur, onde cavaleiros andantes usavam suas armaduras como quadros de avisos para espalhar mensagens de serviço público por todo canto. Esta noção é comunicada duplamente num dólar americano de prata, mostrando um dos cavaleiros de Twain no reverso. Podemos comparar esta situação com os modernos caminhões de entregas, que têm seus trajetos diários a cumprir no mercado. Já que eles estão trafegando por todos os lados, transportando leite ou equipes de encanadores, por que não empregá-los como placas de propaganda móveis?

As mensagens no metal transformaram as moedas em algo radicalmente novo – história no exterior com dinheiro no meio. Uma vez que os estados assumiram a responsabilidade por cunhar moedas, eles fizeram suas próprias experiências com o novo meio. Em geral, os gregos colocavam a imagem de uma divindade padroeira, herói, animal ou criatura mitológica em suas moedas, como, por exemplo, Héracles (Hércules) estrangulando um leão para as cunhagens de Heracleia, uma cidade denominada em sua homenagem. Produtos regionais importantes ou contos folclóricos também podiam ser divulgados, como a planta medicinal silphium, de Cirene, ou o herói epônimo de Tarento, Taras, cavalgando um golfinho. As moedas orgulhosamente ostentariam o nome do rei ou cidade responsável pela cunhagem, com frequência abreviado com as iniciais ou o monograma de um funcionário da casa da moeda local. Em casos raros, o artista que gravava as cunhas assinava seu trabalho, como, por exemplo, o talentoso Euaineto, responsável pelo belo carro de corrida das moedas da Sicília. Alguns designs famosos emprestaram seus nomes para as próprias moedas, como as “corujas” de Atenas ou os “arqueiros” da Pérsia Aquemênida, de maneira semelhante à que se diz atualmente dos "Benjamins" dos Estados Unidos, “loonies” [referência à ave aquática gravada na moeda] no Canadá e "kiwis" [referência à ave-símbolo do país] na Nova Zelândia. O escritor do século II d. C. Plutarco ainda sabia que todos, até mesmo os espartanos, chamavam as moedas atenienses de “corujas”, no século V a.C..

Remover publicidades
Publicidade

Athenian Silver Tetradrachm
Tetradracma de Prata Ateniense
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Significativamente, a maior parte do dinheiro grego era mais belo do que seria necessário para o uso comercial. Em palavreado moderno, era embalado criativamente para agradar ao consumidor e promover o produto. Ele trouxe aos mercados de todo o mundo antigo uma regular demonstração de habilidades artísticas. Pequenas porções medidas de metal trocado foram transformadas em obras-primas em miniatura. Cada cunha era gravada à mão e cada moeda impressa manualmente; a fabricação automática de moedas não surgiria senão no século XVII. O alto-relevo das antigas moedas gregas, diferente da lisura característica da maior parte do dinheiro moderno, deu-lhes uma incrível qualidade escultural que grandes artistas podiam explorar. Embora facilmente empilháveis, as moedas modernas (com raras exceções) não se comparam às suas antecessoras gregas como arte tridimensional.

O competitivo espírito dos gregos pode ser melhor conhecido através dos seus feitos atléticos, militares, político e arquitetônicos, mas a fabricação de moedas se destaca também pela qualidade e mensagem. Por exemplo, várias cidades competiam pelo reconhecimento do local de nascimento de Homero retratando o poeta em suas moedas.

Outros buscavam estabelecer sua conexão com algum dos heróis homéricos. A cidade macedônica de Enéa usava suas moedas para ilustrar a fuga de Eneias e de sua família de Troia. Este desenho foi mais tarde reprisado na cunhagem propagandística de Júlio César, que anunciava sua descendência do guerreiro troiano. A reivindicação à fama da pequena vila de Maroneia era que seu herói epônimo, Maron, tinha dado a Odisseu o vinho que embriagou o perigoso ciclope Polifemo – assim, seus cidadãos orgulhosamente inseriram um cacho de uvas em sua cunhagem.

Remover publicidades
Publicidade

Remover publicidades
Publicidade

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Citar este trabalho

Estilo APA

Press, F. L. H. /. O. U. (2021, julho 09). A Invenção da Cunhagem de Moedas na Antiga Lídia [The Invention of the First Coinage in Ancient Lydia]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1793/a-invencao-da-cunhagem-de-moedas-na-antiga-lidia/

Estilo Chicago

Press, Frank L. Holt / Oxford University. "A Invenção da Cunhagem de Moedas na Antiga Lídia." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação julho 09, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1793/a-invencao-da-cunhagem-de-moedas-na-antiga-lidia/.

Estilo MLA

Press, Frank L. Holt / Oxford University. "A Invenção da Cunhagem de Moedas na Antiga Lídia." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 09 jul 2021. Web. 21 dez 2024.