No mundo antigo, a sexualidade humana era crucial para a sorevivência da tribo e do clan, bem como agradável, uma dádiva dos deuses. Milhares de cultos nativos realçavam a fertilidade através de rituais e orações, e os deuses antigos eram representados com deusas suas parceiras que produziam descendentes. Havia uma ampla aceitação dos benefícios da sexualidade humana: a procriação assegurava a sobrevivência da comunidade. Representações de deuses e deusas estavam ou nus ou pouco cobertos, realçando os atributos masculinos e femininos e os seus papéis na fertilidade.
Cada membro da família tinha deveres religiosos, com o foco principal na sua preparação para o seu eventual papel na procriação. Através da procriação, as tradições dos antepassados podiam ser passadas de geração em geração. Estes deveres eram apresentados como códigos de leis, e todas as culturas os respeitavam como tendo origem no divino. O Cristianismo seguiu o mesmo padrão quando criou as suas próprias regras de comportamento para «a vida Cristã».
Os pais da igreja
Em meados do século segundo d.C, depois da separação do Cristianismo do Judaísmo, um grupo de dirigentes e bispos Cristãos (todos Gentios convertidos), retroactivamente chamados de “Pais da Igreja”, escreveram cartas e tratados que eventualmente se converteram em doutrina Cristã. Quando o Império romano começou a perseguir os Cristãos pelo crime de ateísmo (#”descrença nos deuses”), os escritores Cristãos apelaram para o imperador romano para provarem que os Cristãos eram, apesar de tudo, bons cidadãos.
Fizeram-no comparando o estilo de vida dos nativos com o dos Cristãos. Este é um processo muito antigo de apresentar a própria visão do mundo apontando os defeitos dos outros, e os Cristãos tinham muito material com o qual trabalhar. A visível tirania de roma também era criticada por outros autores. Por diversas razões os Cristãos declararam que a raiz de todo o mal se encontrava na sua idolatria que criara desvios comportamentais e sexuais. É por este motivo que a literatura desse período parece estar quase obcecada com os tópicos de sexo e sexualiudade humana.
Os Pais da Igreja foram influenciados pela sua educação e experiências:
- O seu treino nas escolas de filosofia Romana e Grega
- O seu conhecimento das Escrituras Judaicas
- A sua interacção com o estilo de vida Greco-Romano
As escolas de filosofia (“o amor da sabedoria”) analizavam a relação entre o corpo físico e a alma, então entendida como a essência do ser que originava do mais nobre deus. Os desejos da carne, do corpo, não deviam controlar a vida de cada um. Pelo contrário, o foco no espírito (os mais elevados elementos da vida) devia ter sempre precedência. Aplicavam a analogia do treino atlético no seu discurso. Com base no termo Grego ascesis (“disciplina) ensinavam que os homens deviam treinar o corpo contra o comportamento excessivo a comer, a beber e na actividade sexual. O conceito é conhecido como asceticismo, a não cedência aos desejos do corpo.
Era vitalmente importante controlar as paixões (o conceito de apathea), particularmente quando envolvia relacionamento sexual. O momento do orgasmo sexual era considerado a mais desviante perda de control por parte dos homens. Isto não significava que as escolas ensinassem contra a importância da procriação. Na sua maioria aprovavam o casamento com o fim de povoar cidades-estado. Contudo o coito devia ser limitado ao casamento e não praticado fora do contrato matrimonial.
As escolas de filosofia também ensinavam medicina e teorias médicas. A forma como entendiam o género e os papéis de género estava “no sangue”. Os homens tinham o sangue quente, o que os tornava activos; as mulheres tinham sangue frio, tornando-as passivas. Os antigos conheciam ao aspectos básicos do coito, mas acreditavam que uma mulher só podia engravidar deitada de costas como receptáculo para o sémen. Era consensual que todos os traços físicos provinham do sémen; o útero era apenas uma incubadora para cuidar do feto até ao nascimento.
Os Livros dos Profetas & Um Conflito de Estilos de Vida
A história dos Judeus compreende diversos desastres nacionais tais como a conquista pelos Assírios em 722 a.C e a conquista pelos Babilónios e destruição do Templo em 587 a.C. Os Profetas de Israel explicaram que Deus tinha usado nações estrangeiras para castigar Israel pelo seu grande pecado de permitir a idolatria no seu solo. Porque a idolatria envolvia divindades de fertilidade, usaram metáforas sexuais e analogias. O termo para isto nas Escrituras Judaicas era pornea , “imoralidade sexual” ( e a fonte do termo moderno ‘pornografia’). Tecnicamente, o termo significava uniões sexuais ilícitas e remetia para códigos de incesto ou o grau de parentesco permitido no casamento. Para os Profetas, a idolatria conduziu à imoralidade sexual, que por sua vez levou à morte ( a violência dos desastres nacionais).
Quando Alexandre o Grande (r. 336-323 a.C) conquistou o Médio Oriente e introduziu a cultura Grega, alguns Judeus reagiram à religião e estilo de vida Grego. Criticaram a sexualidade aberta da cultura Grega como moralmente incorreta e causadora de corrupção. Alguns judeus criaram listas de vícios padrão para descrever os Gentios (não-Judeus). Paulo o Apóstolo utilizou estas listas nos seus ensinamentos:
Ou não sabeis que os pecadores não herdarão o reino de Deus? Não vos deixeis enganar: nem a imoralidade sexual nem os idólatras nem os adúlteros nem os homens que têm sexo com homens nem os ladrões nem os gananciosos nem os bêbados nem os mentirosos nem os vigaristas herdarão o reino de Deus (1 Corintios 6.9-10)
Estas listas de vícios tornaram-se padrão na crítica Cristã da cultura dominante. No século I d.C, os cultos religiosos antigos conhecidos como Mistérios eram populares. Os Mistérios (Deméter, Dionísio, Magna Mater (Deusa Mãe), Bona Dea (Boa Deusa) tinham rituais de iniciação em que os participantes juravam manter em segredo esses rituais. As convenções sociais eram temporariamente postas de lado, as mulheres bebiam abertamente vinho, e até os escravos eram bem vindos. As pessoas não participantes afirmavam que esses rituais incluíam comportamentos sexuais divergentes e secretos, e embriaguez. A palavra Grega orgia significava originariamente “rituais religiosos”, mas era nessa altura usada pelos Cristãos para descrever todos os festivais religiosos dos nativos como orgias desviantes.
Este conceito dos antigos estilos de vida pagãos ainda aparece nas opiniões modernas e nas representações de Hollywood. Contudo, é importante reconhecer que a literatura Cristã sobre os pagãos era polémica; argumentos para ter em mente. Ainda nos podemos espantar com as atitudes antigas em relação à sexualidade, especialmente entre os ricos e famosos de Roma. Mas polémica não é evidência. A maioria dos não-Cristãos continuaram a seguir os códigos sociais nos seus papéis de casarem e procriarem para benefício da comunidade.
Contudo, os Pais da Igreja adoptaram o termo “imoralidade sexual” (pornea) como a descrição genérica do estilo de vida Greco-Romano, que levava à condenação na vida após a morte. A maior parte das Bíblias Inglesas traduzem “imoralidade sexual” como “fornicação”, derivada do Latim forne (“arcos”) devido ao facto de as prostitutas de rua conduzirem o seu negócio debaixo de arcos. Fornicação tornou-se num termo significando relação sexual fora do casamento.
O Pecado de Eva & Todas as Mulheres
As opiniões dominantes acerca das mulheres na Roma antiga integravam a ideia que as mulheres tentariam sempre seduzir os homens para que os pudessem controlar ou dominar. Sendo mais fracas, a sedução (as suas roupas, a maquilhagem e o comportamento sexual) eram as únicas armas de que as mulheres dispunham. Os escritores Cristãos também reflectiram acerca da origem desta natureza inerente das mulheres e reinterpretaram os acontecimentos que levaram à queda no Jardim do Paraíso.
O Genesis explicou a forma como o mal entrou no mundo através do pecado de desobediência de Adão e Eva. Os Cristãos começaram a atribuir apenas a Eva a culpa da queda. Originalmente apenas uma personagem da narrativa no Genesis, a serpente era agora considerada o Demónio. Utilizando iconografia do deus Pan da fertilidade, o Demónio seduziu Eva com o seu enorme falo. Deus tinha criado o coito como um mecanismo de procriação, mas através da sedução da própria Eva e a posterior sedução de Adão, a luxúria entrou no jardim e tornou-se parte do coito humano.
Um bispo do Norte de Africa, Tertuliano (160-225d.C) tinha bastante a dizer acerca das mulheres e da sexualidade:
E não sabes que tu és Eva? A sentença de Deus ainda paira sobre todas do vosso sexo e o seu castigo recai sobre ti. Tu és a porta de entrada do demónio; tu és aquela que primeiro violou a árvore proibida e quebrou a lei de Deus. Foste tu que te insinuaste em redor daquele que o Demónio não tinha força suficiente para atacar. Com que facilidade destruíste aquela imagem de Deus: o Homem! Por causa da morte que mereceste, até o Filho de Deus teve que morrer (Sobre o Vestuário das Mulheres, Capítulo 1).
De acordo com Tertuliano, o pecado da luxúria foi o motivo porque Deus teve que enviar Cristo ao mundo para morrer e expiar o pecado original. Tal como Cristo Expiou o pecado de Adão, o pecado de Eva foi expiado na vida de Maria, mãe de Jesus. O século II d.C produziu histórias dos antecedentes de Maria, que fora criada por sacerdotes no templo onde nunca encontrara o mal, e Maria foi consagrada como uma virgem perpétua e o modelo ideal para todas as mulheres.
Por ser um mal necessário, os Pais da Igreja tinham regras para o coito humano. Só era permitida uma posição: o homem por cima e a mulher por baixo. Qualquer outra forma denunciava que o objectivo não era a procriação, mas a luxúria. Quando mais tarde os missionários Cristãos foram ao encontro dos povos indígenas nas Américas, África e Ásia, ensinaram-lhes a forma ‘correcta’ de ter sexo; é daqui que decorre a designação de ‘posição do missionário’. A relação sexual só podia ter lugar dentro de um casamento Cristão legal e o coito só se podia realizar quando a mulher estava fértil. A partir do momento em que a mulher entrava na menopausa ou se fosse infértil durante vários anos, toda a actividade sexual tinha que cessar.
Celibato & Castidade
No século II d.C como religião independente, o Cristianismo estabeleceu uma hierarquia institucional com a eleição de bispos («superintendentes») mas não existia uma autoridade central tal como mais tarde o Vaticano que instituiu conceitos e rituais universais; cada comunidade seguia diversos ensinamentos próprios. Entre estas comunidades existiam Cristãos Gnósticos. Gnosis significa «conhecimento», e eles afirmavam que tinham o conhecimento secreto tanto da natureza de Cristo como dos seus ensinamentos. A maior parte dos sistemas Gnósticos afirmavam que os corpos humanos tinham sido criados por um deus maldito, inferior. Eles pregavam que Jesus Cristo nunca teve um corpo humano; apenas aparecia sob essa forma para nos ensinar.
Para eliminar a criação de corpos malditos, os Gnósticos foram os primeiros ascetas a praticar o celibato e a castidade. Celibato significava tecnicamente nunca contrair o contrato de casamento, enquanto a castidade significava nunca se entregar à sexualidade humana. Os Pais da Igreja reagiram contra estes ensinamentos com os conceitos inovadores de ortodoxia («crença correcta») e heresia («crenças divergentes»). Apesar disso, os Pais da Igreja adoptaram algumas ideias gnósticas na sua hierarquia institucional e adoptaram os conceitos gémeos de celibato e castidade para o clero cristão. Isto consagrou o clero acima dos outros porque foi considerado um sacrifício de vida. Os bispos sacrificavam uma vida normal de casamento e filhos para se dedicarem à igreja. Isto criava uma aura de santidade aos dirigentes Cristãos, não manchados pelos pecados da sexualidade.
Agora, já a escrever em Latim, os Pais da Igreja utilizaram os termos ‘concupiscência’(«desejo forte») e ‘continência’ («abstenção»). Escreveram-se tratados sobre os detalhas da promoção do ascetismo, que incluíam dieta. Comer carne conduz a uma natureza animal e beber vinho traz desejos sexuais. O controle e a abstenção dos desejos do corpo tornou-se um ideal para a vida espiritual .
O Apóstolo Paulo acreditava que o reino de Deus estava eminente e que todas as convenções sociais seriam transformadas. Disse aos casais que estavam noivos para continuarem assim e não se casarem e recomendou às viúvas que não procurassem um segundo casamento. Os Pais da Igreja consideraram os ensinamentos de Paulo como preceitos universais e criaram a ideia inovadora de virgindade para toda a vida como o ideal para todos os homens e especialmente para as mulheres. Os Cristão eram pressionados para entregarem as filhas ‘em excesso’ ainda jovens para que devotassem a sua vida à igreja. Quando os Cristãos começaram a construir igrejas (Basílicas) uma das formas de as conceptualizar como um espaço sagrado era através da presença física destas virgens nas comunidades. As viúvas não se deviam casar e era esperado que contribuíssem com os fundos que tinham herdado para o trabalho de caridade das comunidades Cristãs.
O monasticismo Cristão começou com António do Egipto (c.250 d.C) quando foi viver para o deserto para devotar a sua vida a Deus. Em breve outros o seguiram, e a criação de mosteiros e conventos proporcionou instituições para vida comunitária. Os monásticos também acreditavam no ascetismo, disciplinando o corpo, particularmente contra as tentações do Demónio. Conhecidos como «os Pais e as Mães do Deserto», os seus escritos apresentam em detalhe a sua luta contra o Demónio e os seus agentes, que os tentavam com imagens de grandes banquetes e mulheres sedutoras. Os monásticos tornaram-se os modelos ideais do uso da oração para disciplinar os desejos do corpo.
Agostinho & o Pecado Original
Agostinho de Hipona (354-430 d. C) foi bispo no Norte de África onde fundou o seu próprio mosteiro. A sua obra Confissões é considerada a primeira autobiografia no Ocidente. Antes da sua conversão ao Cristianismo (386 d.C), ele tinha vivido publicamente durante 15 anos com uma mulher. Tendo escolhido ser um bispo celibatário, Agostinho não tinha qualquer problema com o lado físico do sexo. Contudo, não conseguia deixar de pensar nisso, o que o levou a reflexões sobre os motivos que levam os humanos para o mal e a cometer pecados quando sabem a diferença entre o bem e o mal.
Numa famosa passagem das Confissões , Agostinho conta que quando era um adolescente, ele e um grupo dos seus amigos roubaram fruta da árvore de um vizinho. Nem eram pobres nem tinham fome. Porque o fizeram? À semelhança de muitos escritores Cristãos, Agostinho procurou uma resposta no Genesis e na perda do Paraíso. Depois da criação «Adão e a sua mulher estavam ambos nus e não sentiram vergonha» (Genesis 2:25), mas depois de a serpente entrar na história e de Adão e Eva terem desobedecido a Deus, «os olhos de ambos abriram-se e perceberam que estavam nus; por isso uniram folhas de figueira e cobriram-se com elas»(Genesis 3:7). Quando Deus os veio procurar, eles estavam escondidos porque estavam nus e envergonhados. Por outras palavras, entre as duas passagens, algo ‘mau’ tinha acontecido – relação sexual apaixonada.
Mas não foi Deus que criou os genitais? Não foi Deus que ordenou «sede férteis e multiplicai-vos» (Genesis 9:7). Sim, disse Agostinho, mas, originalmente, esta função era apenas uma função natural dos humanos, tal como andar ou comer. O pecado não foi tanto a desobediência , mas a inclusão de luxúria no coito. O Genesis associa o acto deles com a vergonha de terem perdido o controle das suas paixões, a vergonha da nudez, e este acto foi responsável pela morte humana. Além da culpa, Agostinho juntou um elemento único ao pecado da luxúria. Como progenitores de todos os humanos, o primeiro acto de coito deixou uma mancha negra no feto, a marca do Pecado Original. Esta mancha passou-se a todos os descendentes porque todos os fetos foram concebidos através do coito. Então porque é que os humanos praticam o mal? Não o podemos evitar; porque o herdámos.
Segundo Agostinho, Deus criou inicialmente o livre arbítrio nos humanos, que se perdeu naquele momento no Paraíso devido ao pecado da luxúria. Os seus descendentes já não têm a capacidade de escolher livremente o bem sobre o mal; esta liberdade foi superada pelo poder do pecado, agora presente no corpo. Agostinho refere-se à humanidade como as massas condenadas por termos sido concebidos no pecado. O baptismo era o ritual de iniciação para a admissão na comunidade, mas não eliminava completamente a tendência humana para o mal. Adoptando uma ideia de Paulo, a única coisa que pode salvar a humanidade da condenação era a graça de Deus. Graça, neste contexto, deriva da palavra Grega charis , que significa «dádiva». A dádiva de Deus à humanidade foi enviar Cristo para conduzir ao caminho da salvação, o perdão dos nossos pecados. Isto era verdadeiramente uma dádiva porque os humanos nunca poderiam alcançar a salvação pelos seus méritos próprios.
Agostinho mudou para sempre a interpretação da história de Adão e Eva. De notar que não existe nenhuma descrição de sexo no Jardim do Paraíso; eles têm os seus primeiros filhos depois de serem expulsos do Paraíso. Contudo a sua versão tornou-se a regra padrão na literatura e arte ocidentais.
O Legado da Visão Cristã sobre Sexualidade Humana
Os primeiros anos do Cristianismo sofreram perseguição, fome, pragas, perturbações dinásticas, guerras e invasões de bárbaros. Então como agora, as pessoas tentavam compreender todas estas catástrofes através de uma lente religiosa. Na perspectiva de Agostinho, o mal existe devido à perda da liberdade de escolha; o pecado é a incapacidade de resistir à tentação. A matéria em si não é um mal, mas o excesso material (os pecados da carne) é. Os humanos são considerados responsáveis pelo mal, e serão julgados por Deus. A solução que apresenta é a fé em Cristo e a prática da auto-disciplina.
Os escritos de Agostinho difundiram-se pela Europa e tornaram-se fundamentais para a igreja medieval . As regras e regulamentos de comportamento Cristão foram validadas como tendo sido originadas nos pecados do corpo. Martinho Lutero (1483-1546), um ex-monge Agostiniano, aplicou os seus ensinamentos à Reforma Protestante. À medida que surgiam os estados-nação no período moderno, as leis civis codificaram muitas destas regras de comportamento nas suas constituições. A herança destas ideias permanece inserida no discurso moderno dos usos e abusos do corpo.