A Pimenta há muito tempo era a rainha das especiarias e por quase 2.000 anos dominou o comércio mundial. Originária da Índia, já era conhecida na Grécia no séc. IV a.C. e era uma parte importante na dieta dos romanos no ano 30 a.C. Permaneceu uma força na Europa até 1750. O caminho da Pimenta para a Europa foi longo e tortuoso, pesadamente dependente de quem controlava o Oriente Médio.
As Rotas Romans
O caminho mais utilizado para o comércio de pimenta para o mundo romano era pelo Mar Vermelho, principalmente em barcos romanos e sempre a partir dos portos egípcios para a Índia e, na volta, através do Reino de Axum, ao longo do sul do Mar Vermelho. Originada nas montanhas da Etiópia, Axum tornou-se um peso pesado que controlava, de fato, o norte da Etiópia, o Sudão e o Sul da Arábia, mas mantinha laços sólidos com o Império Romano. O nível do comércio romano através de Axum crescia e descia através dos anos, porém, na maior parte de sete séculos, permaneceu forte.
Após a queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C., uma associação bizantina com Axum manteve o comércio marítimo por uns dois séculos, mas o poder sassânida no Oceano Índico cresceu a tal ponto que nos séculos V e VI quase dominou totalmente o comércio com a Índia e muito limitou o comércio de pimenta através do Mar Vermelho. A conexão marítima do Império Bizantino com o Sudoeste da Ásia terminou quando ele perdeu o controle do Egito após uma devastadora série de guerras contra o Império Sassânida, com uma completa interrupção da rota marítima antiga para as entregas de pimenta para a Europa.
Comércio de Pimenta Sob os Muçulmanos
No início do século VII, as diversas tribos beligerantes da Península Arábica se unificaram sob o Profeta islâmico Maomé (570-632) e deram início a tomar sistematicamente o controle de todo o Oriente Médio. Em um período de poucas décadas, os árabes realizaram uma rápida conquista da Palestina, Síria, Iraque, Irã e, em seguida, o Egito. Com suas conquistas, os muçulmanos vieram a controlar as principais rotas de comércio do Sudoeste Asiático. O Mediterrâneo tornou-se uma zona hostil controlada por piratas árabes, com domínio do mar pelos próximos 300 anos. O comércio de longa distância do Oriente para o Ocidente ficou restrito à Rota da Seda, por terra, passando através das estepes do Norte europeu. No século IX, Trebizonda, que sediava o cruzamento das vias entre o Império Bizantino, a Armênia e os Califados Islâmicos, funcionava como principal mercado marítimo para as especiarias orientais.
Trebizonda perdeu seu papel central no século X quando a dinastia Fatimida xiita assumiu o controle da maior parte do Egito e teve início um comércio ativo entre eles e os bizantinos. Os muçulmanos e os cristãos não eram amigos, mas o comércio entre eles era mutuamente benéfico. Economicamente era muito mais vantajoso o transporte por mar do que por terra. Os comerciantes ocidentais realizavam transações ativas em Alexandria para especiarias e outras mercadorias e, em troca, forneciam madeira, escravos, plantas medicinais, tecidos de seda, mobiliário e até queijo.
Ascensão de Veneza e das Cidades-Estados Italianas
Durante séculos, o poder marítimo de Veneza crescia vigorosamente no Oriente Médio, enquanto o do Império Bizantino diminuía. O comércio através do Mediterrâneo veio a se tornar dominado por Veneza e outras repúblicas marítimas que surgiram na Itália durante a Idade Média, incluindo Gênova, Pisa e Amalfi. Estas Cidades-estados movimentaram um ativo comércio através do Mediterrâneo e formaram poderosas marinhas para proteção e conquistas. Veneza dominava o comércio pelo Adriático, enquanto Pisa e Gênova se concentravam no comércio da Europa Ocidental.
No progredir do século XI, as forças muçulmanas cercaram o Sacro Império Romano, ganhando força e ameaçaram o Império Bizantino. Um novo poder turco, os Turcos Seljúcidas, invadiu e capturou Bagdá das mãos da Dinastia Abássida em 1055 e, em seguida, vieram a tomar a Terra Santa na Síria e Palestina do domínio bizantino. Em seguida invadiram a Ásia Menor bizantina e, por volta de 1081, já dominavam quase toda região. Uma grande faixa do antigo Império Romano estava, agora, sob domínio muçulmano ao invés do controle cristão.
Temendo por sua sobrevivência, o Imperador bizantino Alexios I Kommenos (rein. 1081-1118) apelou ao Ocidente por socorro e, em 1095, o Papa Urbano II aquiesceu, convocando para a Primeira Cruzada no Concílio de Clermont para “libertar a Igreja de Deus”. Esta Cruzada foi notavelmente bem-sucedida e por um período de sete anos uma grande parte do Levante foi recuperada e implantados quatro Estados Cruzados.
Tendo o cristianismo implantado bases no amplo Oriente Médio Muçulmano, houve um significativo impacto sobre o comércio ocidental. As grandes cidades transformaram-se em ativos centros mercantis, com comerciantes da Arábia, Iraque, Bizâncio, Norte da África e Itália. Surgiram mercados especializados onde residentes na cidade ou estrangeiros conseguiam adquirir uma ampla gama de bens, desde sedas e especiarias até gêneros alimentícios, bens em couro, roupas, peles e outras manufaturas. Pimenta e outras especiarias dirigiam-se livremente para o Ocidente.
Entre 1174 e 1187, o sultão aiubida Saladin (rein. 1174-1193) reconquistou a maioria dos Estados Cruzados e retornou-os ao controle muçulmano. Isto reduziu consideravelmente o comércio de especiarias pelo Levante e colocou de volta a importância de Alexandria. A Cidade Sagrada de Jerusalém caiu em 1187 para grande consternação do mundo cristão. A Terceira Cruzada foi lançada em 1189 para recuperá-la e, embora grande parte dos Estados Cruzados tenham sido recuperados, Jerusalém permaneceu em mãos muçulmanas.
Em 1202, o Papa Inocêncio III convocou a Quarta Cruzada para retomar a Cidade Santa. O grande plano era primeiro invadir e conquistar o Egito e, em seguida, Jerusalém. Este plano saiu terrivelmente fora dos eixos, culminando na loucura de 1204: o saque de Constantinopla pelo exército cruzado. Tudo que restou do antigo e orgulhoso Império Bizantino foi repartido em três estados, Império de Nicéa, Império de Trebizonda e o Despotato de Epirus, mas Jerusalém continuou sob controle muçulmano. Depois de quase mil anos de domínio europeu, o poderoso Império Bizantino evaporou-se e o comércio de especiarias ficou quase completamente nas mãos dos venezianos.
Queda Definitiva dos Estados Cruzados
Em abril de 1291, o sultão mameluco al-Ashraf Khalil (rein. 1290-1293) avançou sobre Acre no Reino de Jerusalém, determinado a “eliminar a presença do infiel dentro das terras do Islã” (Crowley, 148). A população da cidade de aproximadamente 40.000 pessoas, vinda de toda a Europa incluídos comerciantes de Veneza e Pisa, era defendida pelos lendários Cavaleiros Templários e Cavaleiros Hospitalários. Khalil postou um forte exércitos fora dos muros da cidade com grande número de catapultas gigantes que ele havia trazido do Cairo. Sob implacável bombardeio, os europeus resistiram valentemente por cinco semanas, sem sucesso.
Ondas de choque sacudiram a Europa após o sítio de Acre em 1291, seguido de recriminações papais. Veneza e Gênova há tempos vinham comprando sedas, especiarias, linho e algodão no mundo islâmico. A madeira para as catapultas e os soldados escravos que exerceram papel crítico na destruição de Acre, pode muito bem ter vindo dos comerciantes italianos. O Papa Bonifácio VIII decretou em 1302 uma proibição de comércio com os mamelucos do Egito e da Palestina. Isso significava que os venezianos e os genoveses deveriam passar por cima dos intermediários muçulmanos para conseguir bens exóticos da Índia e do Sudoeste da Ásia que a Europa muito demandava. Devido a esse problema, houve necessidade de se retornar às rotas da estepe para se conseguir as especiarias.
Gênova foi a primeira das Cidades-estados a se dirigir vigorosamente para a região do Mar Negro, onde fixou sua maior colônia em Caffa, na Península da Criméia em 1266. Após Caffa, Rapidamente seguiram com a implantação de uma série de assentamentos ao longo das costas do Mar Negro e do Mar de Azov, montando, ao mesmo tempo, uma estação de comércio em Trebizonda. Caffa logo se tornou um importante centro internacional de comércio reunindo as culturas latino-cristã, grego-bizantina, eslava, russa, turca, tártara, armênia, judaica e do Mediterrâneo Oriental.
No seu auge, Caffa, protegida por duas formidáveis muralhas concêntricas, possuía uma população de aproximadamente 20.000 pessoas. Funcionava como ponto de trânsito importante para o comércio de especiarias e seda vindas do Leste, bem como grãos, peixes, caviar, madeira, sal, linho, cânhamo, couro e carne. Caffa também se tornou particularmente importante como um centro para o comércio mundial de escravos, exportando escravos das colônias do Mar Negro para a metrópole, resto da Itália e outras regiões como Mediterrâneo Ocidental, Constantinopla, Ásia Menor, Oriente Próximo, Norte da África e Egito Mameluco.
Veneza se Volta Para o Mar Negro
Veneza esteve bastante tempo inativa no Mar Negro na segunda metade do século XIII, mas passou a se interessar, cada vez mais, pela região devido a seu potencial de lucro. Este interesse cresceu mais intensamente com os decretos papais proibindo o comércio com os muçulmanos do Oriente Médio, que eram os maiores fornecedores de especiarias e sedas para os venezianos. Gênova batalhou poderosamente para assegurar sua posição privilegiada e numerosas batalhas se espalharam por todo o Mediterrâneo Oriental e Mar Negro. Navios foram queimados, cargas pirateadas e assentamentos pilhados. Enormes frotas mercantis armadas combatiam umas contra as outras, muitas vezes sem um vencedor definido.
Somente após 1333 Veneza foi capaz de implantar seu primeiro ponto de apoio na região do Mar Negro, quando enviou um embaixador ao soberano muçulmano, Muhammad Uzbeg Khan (rein. 1313-1341) que permitiu que os venezianos implantassem uma colônia em Tana, no canto nordeste do Mar de Azov. Os genoveses também se encontravam presentes em Tana, porém seus grandes navios tinham dificuldades no raso Mar de Azov. Os galeões venezianos, adaptados para águas rasas de lagoas, eram capazes de realizar negócios, na rasas águas do Azov, muito mais facilmente que os genoveses.
Tana, junto com o Império de Trebizonda, tornaram-se os principais centros de comércio de Veneza no Leste, conectando-os às rotas trans asiáticas mongóis, transportando as preciosas comodities orientais: especiarias, seda, pérolas, algodão cru, ouro, peles e jóias. Os mercadores venezianos se fortaleceram bastante com aquele comércio, tal qual os bizantinos em Taba e Trebizonda séculos antes.
Portugal e a Era da Exploração
Um importantíssimo desvio na direção do comércio de pimenta chegou com a Era da Exploração européia, quando os portugueses descobriram uma a contornando o Cabo da Boa Esperança e deram início às suas sangrentas conquistas do Oceano Índico. Nos primeiros anos do século XVI, a conquista portuguesa da Índia e sua tomada de Málaca, reduziu em muito a capacidade veneziana em conseguir especiarias. As movimentações venezianas caíram de aproximadamente 1600 toneladas por ano ao final do século XV para menos de 500 toneladas em quinze anos.
À medida que a presença portuguesa crescia no Oceano Índico, os mamelucos e os venezianos ficaram obcecados em salvar a rede de seu lucrativo comércio. Intromissão portuguesa no Oceano Índico foi um violento golpe nos interesses comerciais venezianos e fizeram de tudo para encorajar os mamelucos repelirem os portugueses. Eles pleiteavam que os mamelucos tentassem e parassem o comércio entre as Cidades-estados indianas e os portugueses. Finalmente, em 1505, os mamelucos decidiram que precisavam agir e o Sultão Qansuh al-Ghuri (rein. 1501-1516) ordenou a construção de uma frota para combater os lusitanos. A frota aportou na Índia em Diu em 1507 e unindo-se aos indianos locais, conseguiram um sucesso inicial,mas, ao final, os portugueses esmagaram a coalizão egípcio-indiana. O que sobrou da frota egípcia retornou ao Egito e os mamelucos não mais desafiaram seriamente os portugueses.
Enquanto os mamelucos não foram capazes de expulsar os portugueses da Índia e tomarem a portuguesa Málaca, os sobrecarregados portugueses nunca foram capazes de impedir com sucesso o comércio pelo Mar Vermelho, fazendo com que seu domínio no comércio de pimenta fosse efêmero. Não demorou muito para que os comerciantes gujaratis e árabes se desviarem para outros locais em Sumatra e Java, para suprir os venezianos. Ao final do século XV, uma grande parte da pimenta dirigida à Europa encontrava-se viajando por terra pelo Levante a partir do Mar Vermelho, ao invés da rota atlântica portuguesa. Os Venezianos vendiam pimenta para a maior parte da Europa através dessa rota, enquanto os portugueses desviaram o foco de seu comércio de pimenta para o Norte da Europa através de Amsterdã. A muçulmana Aceh tornou-se uma poderosa comercializadora de pimenta, produzindo anualmente sete milhões de libras de pimenta.
Controle Otomano
O século XVI trouxe outra grande mudança na paisagem geopolítica do Mediterrâneo Oriental quando os otomanos implantaram uma inconteste hegemonia na região. Em 1517, derrotaram os mamelucos e Egito e Síria tornaram-se províncias dentro daquele império. Na metade do século XVI, Solimão, o Magnífico, (r. 1520-1566) também capturou Bagdá e as terras à volta do Golfo Pérsico e ampliou o poder turco para Aden, no Mar Vermelho. Agora controlavam completamente o comércio de especiarias, ofuscando completamente o comércio atlântico dos portugueses.
Quando o Império Otomano tomou o Egito pela primeira vez, interromperam a maior parte do comércio veneziano em especiarias, porém esse embargo não dissuadiu os venezianos por muito tempo. Muito embora os otomanos e os venezianos fossem grandes inimigos e já se haviam enfrentado em guerras territoriais, era mutuamente benéfico manter seus canais de comércio abertos. Em 1528, Francisco I da França (rein. 1515-1547) abriu negociações com Solimão e os navios franceses obtiveram permissão para obter especiarias em Alexandria. Os turcos preferiam lidar com os franceses ao invés dos venezianos e a França sobrepujou-os na quantidade de comércio através de Alexandria.
Comércio Levantino
Em 1536, um tratado de capitulação foi negociado entre Francisco I e Solimão, dando à França jurisdição sobre o comércio levantino. Qualquer nação cristã que desejasse comercializar através do Levante “era obrigada a negociar sob bandeira francesa e com a representação e fiscalização exclusivas do embaixador e cônsules franceses” (Hornikere, 302). O comércio de especiarias e seda sofreu um enorme crescimento através do Levante e quando este comércio ficou bastante significativo, foi inevitável que os ingleses considerassem esse acordo intolerável. Dentro dessa visão, em 1583, sob o reinado de Elizabeth I da Inglaterra (rein. 1558-1603), a Inglaterra foi capaz de obter seu próprio tratado de paz e amizade, o que lhe deu o privilégio de comercializar sob sua própria bandeira. Os holandeses também vieram a ficar ativos no Levante, inicialmente sob bandeiras francesa e inglesa e, mais tarde recebendo seu acordo comercial em 1612. Durante a Trégua dos Doze Anos entre a República Holandesa e a Espanha (1609-1621), os holandeses foram capazes de sobrepujar seus rivais venezianos e ingleses e se tornarem os maiores atores no comércio do Levante.
No início do século XVII, os ativos holandeses e ingleses finalmente encontraram o caminho em volta do Cabo e revigoraram o tráfego ocidental em especiarias, que havia decaído acentuadamente sob controle português. Eles combateram mutuamente pelo comércio pela pimenta, noz-moscada e cravo, ao final, os holandeses levaram a melhor. Eles, mais tarde, estreitaram seus laços comerciais com o Levante e chegaram ao ponto de transportar pimenta e especiarias em volta da África para portos do Levante. Por essa época, a sorte dos venezianos havia naufragado, enquanto a França seguia firme em seu “pedaço de torta”.
Fim da Era da Especiaria
Na metade do século XVII, mudanças nos gostos dos europeus fizeram com que desabasse a rentabilidade das especiarias. Interesse em novos estimulantes, bebidas e têxteis assumiram o mercado na Europa. Houve um excedente de pimenta na metade do século, o que fez cair o preço do produto para aproximadamente 40% se comparado com o que os portugueses e, em seguida, outras potências europeias foram capazes de manter. Após um pico de 7 milhões de quilos de pimenta importados em 1670, os níveis caíram para 3,5 milhões de quilos em 1688. Com o fim da Companhia das Índias Orientais, foi-se também a centralização do comércio de pimenta e especiarias. Não mais cresceria tal comércio restrito unicamente a regiões geográficas sob o controle de uma companhia comercial específica, ficando espalhado por todo o mundo.Outros mercados cresceram em países distantes de suas origens no Sudoeste Asiático, em particular África, América Central e do Sul.
Deu-se então que, após milhares de anos de comodities remotamente localizadas e controladas por uns poucos impérios comerciais, as especiarias tornaram-se mais ou menos mercadorias rotineiras, abertas a muitos empreendedores internacionais. Por séculos após os europeus encontrarem o caminho para o Oceano Índico, os países produtores de pimenta permaneceram estáticos e tal situação permaneceu inalterada até que na Era Moderna, quando a pimenta foi introduzida com sucesso no Brasil em 1930, para a África, Vietnam e Sul da China após a I Guerra Mundial (1939-1945). Vietnam lidera atualmente a produção mundial, seguido pelo Brasil, Indonésia e Índia.