Quem é Quem numa Tripulação Pirata

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 17 setembro 2021
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, alemão, italiano
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Tudo bem embolsar bens alheios e bradar fanfarronices em festas regadas a rum, mas a vida num navio pirata envolvia uma quantidade surpreendente de trabalho pesado. Antes de tudo, os piratas eram marinheiros e, na Era de Ouro da Pirataria (1690-1730), uma embarcação requeria uma grande dose de perícia para operar e manutenção constante para permanecer flutuando. De fato, eles precisavam ser marinheiros incrivelmente bons para conseguir capturar navios mercantes em fuga e escapar das atenções indesejáveis de embarcações armadas até os dentes. Do capitão ao rigger [armador], cada membro da tripulação desempenhava seu papel no complexo conjunto de tarefas que mantinha um navio dos séculos XVII/XVIII navegando em ordem

Tom Hopper as Billy Bones
O Ator Tom Hopper como Billy Bones
Starz (Copyright, fair use)

O Capitão

O capitão era, com muita frequência, o principal cérebro criminoso por trás das operações realizadas pelo navio pirata. Também podia ser aquele que dispunha de capital suficiente para comprar um navio ou ter sido seu capitão legítimo ou um oficial de alta patente numa embarcação corsária antes da tripulação se decidir pela vida de pirataria.

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Um belo casaco longo e várias pistolas muito caras eram típicos de um líder bem-sucedido de piratas.

Talvez de maneira surpreendente para uma gangue de bandidos brutais, o capitão pirata geralmente era eleito para seu posto mas, novamente, seria difícil liderar através de coerção um grupo de indivíduos que valorizava a liberdade acima de tudo. Muitos marinheiros voltavam-se para a pirataria precisamente devido à disciplina estrita e punições cruéis típicas da vida num navio mercante ou da marinha e, assim, dificilmente estariam dispostos a aceitar um líder que comandasse unicamente pelo uso da força. Apesar disso, os capitães mais bem-sucedidos, aqueles que capturavam grandes presas, instilavam algumas regras e disciplinas sobre seus homens, como por exemplo Bartholomew Roberts (1682-1722), que insistia que a tripulação evitasse o jogo de azar na lista de regras do navio que todos os tripulantes juravam observar. A posição de capitão podia ser temporária, no entanto, já que marinheiros que haviam se amotinado uma vez não se constrangiam em fazê-lo de novo. Charles Vane (m. 1721) foi removido de seu comando por se recusar a atender ao desejo da tripulação de atacar um navio e substituído por Calico Jack (ou John Rackham, m. 1720).

Os capitães piratas costumavam se vestir de acordo com uma era dourada. Barbanegra (ou Edward Teach, m. 1718) procurava instilar o terror através da barba enfeitada com fitas e rastilhos sob seu chapéu, enquanto Roberts ostentava sedas escarlates, chapéu com plumas e um colar de diamantes. Um belo casaco longo e várias pistolas muito caras eram outros meios de se exibir como um líder pirata bem-sucedido.

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Bartholomew Roberts from Assassin's Creed IV: Black Flag
Bartholomew Roberts no Jogo Assassins's Creed IV: Black Flag
Ubisoft (Copyright, fair use)

Graças às suas habilidades de liderança, navegação e puro carisma, um capitão pirata obtinha o dobro do butim capturado, em comparação com outros membros da tripulação. Em compensação, caso fosse capturado, o capitão podia esperar o pior julgamento das autoridades. Enquanto muitos piratas encaravam o risco real de serem enforcados, os capitães tinham este destino quase garantido, e os mais notórios poderiam ter também seus cadáveres pendurados por correntes e deixados para apodrecer por anos, como o capitão Kidd, em 1701.

Intendente

Um intendente pirata (ao contrário daqueles que atuavam em embarcações mais legítimas) com frequência era o segundo em comando, e abaixo dele na hierarquia situavam-se os primeiro e segundo imediatos. Seria, portanto, o equivalente ao primeiro imediato mercante ou primeiro-tenente da marinha. Como o capitão, o intendente também podia ser eleito ou destituído do cargo pela tripulação. O timoneiro, o homem que dirigia o leme do navio, era geralmente supervisionado pelo intendente que, habilidoso na navegação, também se preocupava com o curso geral do navio e com o registro de sua velocidade, embora esse papel pudesse ser assumido pelo capitão ou navegador (este último o especialista na capacidade de navegação do navio em todas as condições). O intendente geralmente supervisionava a abordagem dos alvos, liderando ele mesmo o ataque. Após a tomada da embarcação atacada, decidia então o destino da pilhagem e sua divisão justa entre a tripulação. Sua parcela do butim equivalia à do capitão: o dobro da parte de um marinheiro comum. Nos raros casos em que a tripulação votava pelo açoitamento de um de seus companheiros, a punição ficava a seu cargo. Quando se capturava um segundo navio considerado viável para ser incluído na frota pirata, o intendente vinha em primeiro lugar na lista de candidatos para se tornar capitão da nova aquisição.

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Navegador

O navio podia um navegador exclusivo e, embora o capitão e o intendente muitas vezes tivessem conhecimento de navegação, preferia-se um especialista familiarizado com mapas marítimos, linhas costeiras, correntes, ventos e condições climáticas locais. Não existia ainda a medição da longitude com precisão neste período e, assim, a experiência prática trazia uma grande vantagem. Com um bom navegador, um capitão pirata poderia alcançar as áreas exatas onde os navios mercantes navegavam com frequência e poderia lidar melhor com regiões de águas rasas e ilhas perigosas, que ofereciam excelentes lugares para emboscar um navio em trânsito. Às vezes, a frota pirata inteira dispunha de um único navegador especializado. Como poucos marinheiros conheciam a misteriosa arte da navegação, costumava-se chamar o navegador de Artista.

Pirate with Telescope
Pirata com Telescópio
Starz (Copyright, fair use)

Contramestre

O contramestre ou mestre de cabotagem (o nome em inglês, boatswain, costumava ser reduzido simplesmente para bosun), supervisionava todas as tarefas que requeriam marinhagem, além de ser responsável pelos estoques e em assegurar as boas condições de funcionamento do cordame, velas e âncoras da embarcação. Ele recebia uma parte e meia do butim de um marinheiro comum. Numa grande tripulação, o bosun teria assistência de adjuntos, os imediatos do contramestre.

Oficiais

Embora as tripulações piratas não tivessem postos formais, alguns marinheiros estavam definitivamente acima dos outros em termos de conhecimento e experiência. Tais indivíduos, como em navios regulares, organizavam os marinheiros comuns em suas tarefas diárias quando no mar. O chefe do mastro de proa, por exemplo, supervisionava uma equipe de cinco ou seis marinheiros. O mestre timoneiro (que podia ser um imediato do bosun) pilotava o navio (nesta condição seria chamado simplesmente de timoneiro), além de estar encarregado de quaisquer botes pequenos a bordo - úteis para desembarque em terra, explorar águas rasas e embarcar em outros navios. Estes oficiais recebiam uma parte e um quarto do butim de um marinheiro comum.

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A dura vida marítima era uma atividade para jovens e poucos piratas chegavam além dos 40 anos.

Ter um médico a bordo seria uma boa vantagem, desde que se pudesse coagir um deles a se juntar à tripulação. Caso contrário, contar com um baú de remédios era o melhor que um capitão podia fazer para reduzir os efeitos de doenças e ferimentos em sua tripulação. Na ausência de um cirurgião, convocava-se o carpinteiro do navio para realizar operações drásticas, como as as amputações.

Carpinteiro

Qualquer veleiro precisava de um bom carpinteiro para manter a embarcação em bom estado, evitar vazamentos e realizar os inevitáveis e constantes reparos dos danos provocados pelo vento, mar, criaturas marinhas tropicais e fogo inimigo. Ele também precisava de outras habilidades, como reequipar uma embarcação capturada para torná-la mais adequada para a nova função. Torná-la mais veloz era essencial e, portanto, removiam-se as superestruturas para reduzir o peso e aumentar a velocidade e capacidade de manobra. Abriam-se escotilhas adicionais no casco e se removiam as anteparas internas para dar lugar a mais canhões. Em seguida, havia ainda reparos nos mastros e esteios destruídos por tiros de canhão. Não é de se admirar, portanto, que quando se capturava um navio mercante, o carpinteiro especializado a bordo era muitas vezes forçado a ingressar na nova tripulação, despedindo-se de uma vida honesta e consideravelmente mais longa. O carpinteiro tinha direito a uma parte e meia do butim de um marinheiro comum.

Captain Kidd in New York Harbour
Capitão Kidd no Porto de Nova Iorque
Library of Congress (Public Domain)

Tanoeiro

Os tanoeiros, ainda que encontrados somente a bordo de embarcações de grande porte, eram artesãos especializados bastante úteis, já que podiam montar barris - uma habilidade fundamental porque, na época, tratavam-se dos únicos grandes contêineres disponíveis -, utilizados para manter artigos secos e molhados, além de água, rum e pólvora. O trabalho do tanoeiro assegurava que os barris permanecessem tão impermeáveis e estanques quanto possível, e, em caso de necessidade, seriam desmontados para aumentar espaço destinado a novas cargas capturadas. O tanoeiro também fazia e reparava baldes.

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Mestre das Velas

Como o carpinteiro, o ferreiro e o tanoeiro, a fabricação das velas de navegação requeria um artesão especializado, que necessariamente não precisaria conhecer outras habilidades cotidianas dos marinheiros. As velas estavam sempre desgastadas pelo tempo, com frequência rasgadas por tempestades e algumas vezes perfuradas por fogo de metralha. Na era da navegação à vela, quem as fabricava se tornava tão importante quanto o engenheiro-chefe numa embarcação moderna, já que sem ele o navio não iria longe. Se não houvesse um cirurgião presente, ficava a cargo deste tripulante dar pontos nos marinheiros feridos em batalhas ou em acidentes.

Artilheiro

O artilheiro liderava a equipe de operadores de canhão, gritava a ordem "Fogo!" e tinha a assistência de um imediato. Cada canhão requeria entre 4 a 6 homens para operá-lo. Era necessária experiência na medição da quantidade correta de pólvora para disparar projéteis de tamanho variável e na distância necessária para atingir o alvo. Além disso, o navio em que o canhão estava sendo disparado e o alvo estavam frequentemente em movimento horizontal e vertical, caso estivessem navegando e não em uma calmaria. Felizmente, poucos capitães piratas desejavam danificar seriamente um alvo por medo de danificar de forma semelhante sua preciosa carga, mas, se um navio mercante decidisse lutar depois que a Jolly Roger [bandeira pirata] fosse içada ou os piratas estivessem sob ataque de uma embarcação da marinha, enviada por um governador colonial para caçá-los, então as vantagens de um bom artilheiro ficavam bastante óbvias. Outra vantagem era a velocidade com que uma equipe de artilharia treinada poderia disparar vários tiros. Em um navio pirata, não havia operadores de canhão em tempo integral e, portanto, eles tinham outras funções quando não estavam em batalha. Um artilheiro recebia uma parte e meia do butim de um marinheiro comum.

The Queen Anne's Revenge
O Navio Queen Anne's Revenge
Qualiesin (CC BY-SA)

Cozinheiro

Embora os piratas desfrutassem dos alimentos roubados dos navios capturados e da comida das tavernas, quando se encontravam em um refúgio de piratas, eles ainda precisavam de alguém para cozinhar regularmente enquanto navegavam em busca de vítimas. O cozinheiro dos navios piratas (ou de qualquer outro, aliás) era muitas vezes um marinheiro que havia perdido um membro em ação, fato que não passou despercebido por Robert Louis Stevenson em seu romance de 1883, A Ilha do Tesouro, no qual se conta que Long John Silver serviu como cozinheiro antes de se tornar pirata.

Músicos

Músicos, tais como violinistas e trompetistas, faziam parte de qualquer tripulação, incluindo dos navios piratas. Eles proporcionavam uma fonte de ritmo para auxiliar em tarefas manuais como puxar cordames, além de muito úteis para criar uma cacofonia de ruído que contribuía para o terror geral de um ataque pirata e, como em outros navios, ficavam à disposição de qualquer um da tripulação que quisesse se divertir.

Marinheiros Comuns

A maior parte das tripulações piratas compunha-se de amotinados ou prisioneiros forçados a se juntar a eles ou serem mortos (este último caso era certamente a justificativa mais comum da defesa nos julgamentos). Os prisioneiros incluíam garotos que serviam como aprendizes nos navios capturados ou serventes, desempenhando tarefas de limpeza e serviço em geral. Os recrutas também podem originar-se dos marinheiros cansados do trabalho árduo e da disciplina típica dos navios mercantes e da marinha - para não mencionar os salários baixos - ou daqueles que não podiam suportar mais as duras condições de trabalho de ocupações como a de pescador na região da Terra Nova, na América do Norte. Havia também aqueles atraídos pela ideia da vida no mar e da fuga da monotonia de seu emprego em terra firme. Os trabalhadores em fábricas de madeira situadas em climas tropicais repletos de doenças estavam particularmente interessados no ar fresco marítimo e na chance de ganhar uma fortuna. Além disso, a frequência de capturas, naufrágios, baixas, acidentes e doenças resultava em tripulações com uma crônica falta de pessoal.

Pirate Crew from Black Sails
Tripulação Pirata na Série de TV Black Sails
Starz (Copyright, fair use)

Os capitães buscavam novos recrutas em refúgios piratas, lugares como Tortuga, Providence Island e Port Royal, que geralmente estavam cheios de piratas à procura de um novo navio para embarcar. As tripulações piratas no Caribe durante a Era de Ouro eram compostas por todas as nacionalidades, com a maioria de britânicos ou colonos das Américas. Os negros africanos - escravos capturados e pressionados para se juntar ao grupo, voluntários ou escravos que escaparam das plantações coloniais -, perfaziam um total nada insignificante das tripulações. Escravos, por falta de conhecimentos sobre a atividade dos marinheiros, provavelmente atuavam como serventes ou nas tarefas mais servis a bordo, mas há evidências em registros de julgamentos de que alguns se tornaram marinheiros capazes, no mesmo nível de seus companheiros.

Para se qualificar para a vida em um navio pirata como o marinheiro de classificação mais baixa, requeriam-se habilidades como controlar as velas (içar, rizar e recolher), pilotar e fazer sondagens; perícia com armas seria um bônus destacado, assim como não ser muito exigente em termos de companhia. A juventude vinha em destaque entre os requisitos, pois a dura vida no exigia muito dos piratas e poucos chegavam a mais de 40 anos, com a grande maioria na casa dos vinte.

Os "benefícios" da vida de um pirata eram melhor alimentação e pagamento (talvez muitos anos de salário de uma só vez se um bom prêmio caísse em suas mãos), muito álcool e a chance de liberdade e aventura. Havia, também, o maior senso de envolvimento nos assuntos do navio, uma vez que muitas vezes as decisões-chave e a distribuição de espólios ocorriam de acordo com linhas democráticas. As desvantagens incluíam o risco muito real de prisão, enforcamento ou ferimentos graves. A carreira média durava cerca de dois anos e, com toda a probabilidade, uma vez alguém que se tornasse um pirata, nunca mais veria a família.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Ricardo é um jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2021, setembro 17). Quem é Quem numa Tripulação Pirata [Who's Who in a Pirate Crew]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1835/quem-e-quem-numa-tripulacao-pirata/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "Quem é Quem numa Tripulação Pirata." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação setembro 17, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1835/quem-e-quem-numa-tripulacao-pirata/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "Quem é Quem numa Tripulação Pirata." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 17 set 2021. Web. 18 set 2024.