A Reforma Protestante (1517-1648) foi um dos eventos de maior impacto cultural, político e religioso na história da Europa e influenciou e contribuiu para formar o mundo moderno. Foi um evento complexo abrangendo mais de 100 anos, que radialmente mudou o modo como as pessoas entendiam a si mesmas, a religião, sociedade e, em última instância, como a verdade pode ser definida.
Antes da Reforma, a Igreja Católica era a única autoridade espiritual na Europa medieval (c. 476-1500). A Igreja medieval providenciava ordem e significado para a vida dos adeptos por meio de batismo de crianças, atendimentos semanais nos serviços, rituais de casamento e ritos fúnebres. Depois da morte, a Igreja afirmava, o destino do indivíduo era determinado por um Deus amoroso que era também justo, pois punia aqueles que morreram em pecado a uma eternidade de tormentos por terem rejeitado o dom da graça divina. Não havia argumento contra os princípios da Igreja pois não havia outra autoridade espiritual que as pessoas pudessem seguir.
Os ensinamentos da Igreja eram entendidos pelos protestantes como corrupções humanas, desse modo deveriam ser rejeitadas pelos verdadeiros fiéis.
A Reforma Protestante mudou completamente esta dinâmica quando o teólogo alemão e monge católico Martinho Lutero (1483-1546) inadvertidamente desafiou a autoridade da Igreja ao questionar a prática de vender indulgências (documentos escritos com a promessa de encurtar a estada de alguém – ou de um ente querido – no purgatório). O ativismo de Lutero na Alemanha inspirou outros a fazerem seus próprios levantes com base em interpretações individuais da Bíblia e do conceito de que apenas a fé e a escritura eram tudo o que o fiel precisava para se reunir com Deus. Os ensinamentos da Igreja foram então entendidos pelos protestantes como corrupções humanas, desse modo deveriam ser rejeitadas pelos verdadeiros fiéis.
Apesar de existirem muitos fatos interessantes sobre a Reforma, os dez seguintes reúnem os conceitos-chave do movimento como um todo. Os pesquisadores contemporâneos discordam sobre as datas precisas da Reforma, mas podemos afirmar com certeza que, nos 100 anos contados a partir das 95 teses de Lutero – escritas em 1517 -, a sociedade europeia foi radicalmente transformada e continuaria a ser influenciada pela visão dos primeiros reformadores até a era moderna.
Houve reformadores antes de Martinho Lutero
Antes de as 95 Teses de Marinho Lutero iniciarem a Reforma, outras tentativas foram feitas para corrigir o que era visto como abusos e falsos ensinamentos da Igreja Católica. Os paulicianos e valdenses advogaram por reforma, enquanto que os cátaros se separaram completamente da Igreja. Os dois protorreformadores mais conhecidos foram o teólogo inglês e pregador John Wycliffe (1330-1384) e o padre boêmio Jan Hus (c. 1369-1415). Wycliffe inspirou Hus, cujos esforços foram a força motriz por trás das Guerras Hussitas (1419-c.1434) e a Reforma Boêmia (c. 1380 – c. 1436), duas primevas tentativas de reforma. Posteriormente, Martinho Lutero iria se referir a Hus, que foi executado em 1415 como herege, como modelo para os cristãos que buscavam um verdadeiro relacionamento com Deus baseado somente na fé e na interpretação individual das escrituras. Contrariamente à lenda, Hus jamais “previu” o ativismo de Lutero: esta história é uma invenção tardia de luteranos.
Martinho Lutero não tinha inicialmente a intenção de romper com a Igreja
Lutero não tinha a intenção de romper com a Igreja e estabelecer uma nova visão de cristandade em 1517. Ele era um padre católico e teólogo cujas 95 Teses foram escritas como um convite ao debate sobre as indulgências, debate que ele afirmava ser fundamental. As 95 Teses foram publicadas e traduzidas pelos seus seguidores, cujo suporte encorajou Lutero a se posicionar contra a Igreja. Do mesmo modo que as 97 teses de Lutero publicadas um mês antes, inicialmente, estas também eram apenas um convite ao debate acadêmico. Uma vez que a reação da Igreja foi a tentativa de silenciar suas objeções às indulgências, Lutero reagiu denunciando a política da Igreja e sua prática, dando início à Reforma.
Talvez Lutero não tenha pregado suas 95 na porta da Igreja de Wittenberg
A imagem icônica de Lutero pregando suas 95 Teses na porta da Igreja de Wittenberg, no dia 31 de outubro de 1517, é sem dúvida a mais famosa da Reforma Protestante, mas, de acordo com pesquisadores contemporâneos, este evento pode nunca ter ocorrido. Esta história só começou a circular depois de alguns depois, quando foi propagada por Filipe Melâncton (1497-160), que não estava sequer em Wittenberg na época em que ela supostamente ocorreu. O próprio Lutero não faz menção em pregar estas teses nas portas da igreja em 1517 ou em data posterior, afirmando apenas que as enviara para o Arcebispo de Mainz. Esta história tem sido aceita como verdade histórica por muito tempo, embora tenha sido usualmente repetida acriticamente.
A Reforma não foi um movimento unificado
Apesar de o evento ser constantemente referido como Reforma Protestantes, tratou-se de uma série de eventos separados que seriam melhor denominados como reformas. Na Alemanha, onde Martinho Lutero liderou a causa, também havia Martin Bucer (1491-1551), que discordava de aspectos e visões luteranas, e Andreas Karlstadt (1486-1541), que possuía suas próprias ideias em relação à “verdadeira cristandade” do mesmo modo que o reformador alemão Thomas Müntzer (c. 1484-1525). Na Suíça, Ulrico Zuínglio (1848-1531) discordava de Lutero sobre a natureza da Eucaristia, e João Calvino (1509-1564) expandia sua própria agenda, que diferia da de Zuínglio. Além do mais, estes reformadores inspiraram outros que então iniciaram seus próprios movimentos reformistas dentro da Reforma em larga escala, como no caso dos anabatistas que rejeitaram o status de cidadão de segunda classe às mulheres e, em oposição a outras reformas, elevaram as mulheres a posições de autoridade.
Muitas mulheres participaram no anos iniciais da Reforma
Muitas mulheres contribuíram de modo significativo para a Reforma, especialmente porque elas enxergavam ali esperança de igualdade na vida política e maior autonomia.
Apesar de os reformadores homens terem ganho destaque por séculos pelos historiadores, muitas mulheres contribuíram de modo significativo para a Reforma, especialmente porque elas enxergavam ali esperança de igualdade na vida política e maior autonomia. Entre as mais conhecidas estão Catarina von Bora (1499-152), esposa de Martinho Lutero; Argula von Grumbach (1490 – c.1564), Katharina Zell (1497-1562), Margarida de Navarra (1492-1549), Marie Dentière (c.1495 – c.1561), Joana D’Albret (futuramente Joana III de Navarra, 1528-1572) e Olympia Fulvia Morata (1526-1555). Estas mulheres, entre tantas outras, promoveram a cauda da Reforma, mas à medida que o movimento se tornou popular e as crenças foram codificadas, as contribuições das mulheres foram marginalizadas, e a esperança pela igualdade nunca foi materializada.
A Reforma teve sucesso por causa da Imprensa
A Reforma teve sucesso, enquanto que esforços anteriores de reforma falharam, primariamente por causa da invenção da imprensa em c. 1440. Wycliffe e Hus possuíam muitos argumentos posteriormente articulados por reformadores, mas lhes faltava a tecnologia para compartilhar seus pensamentos com uma ampla audiência. As 95 Teses de Martinho Lutero foram popularizadas por meio da imprensa, assim como outros de seus escritos que foram então traduzidos e impressos em outros lugares, inspirando um movimento maior fora da Alemanha. Mulheres como Argula von Grumbach e Marie Dentière poderiam não ter tido voz pública se não pela imprensa, e esta tecnologia foi usada de modo efetivo por Joana D’Albret para divulgara a mensagem protestante na França durante as Guerras Religiosas. Tradução da Bíblia, comentários das escrituras, e ataques à Igreja Católica – tantos pelos católicos quanto por protestantes – se tornaram possíveis pela produção em massa de livros e panfletos. A popularidade destas obras religiosas impressas contribuiu para aumentar o letramento na Europa, que é um aspecto da Reforma frequentemente posto em destaque.
A Reforma contribuiu para algumas das mais devastadoras guerras da história europeia
O desafio à Igreja, que anteriormente era considerada a única autoridade espiritual na Europa, resultou em numerosos conflitos, que aumento em escopo, selvageria e casualidades; começando com as Guerras Hussitas, seguindo pela Revolta dos Cavaleiros (1522-1523) e Guerra dos Camponeses (1522-1523). Apesar de a Guerra dos Camponeses, do mesmo modo que conflitos posteriores, não ter sido causada exclusivamente por diferenças religiosas, a visão da Reforma desempenhou um papel de destaque ao encorajar as classes inferiores a acreditar na esperança de uma nova ordem na qual eles teriam maior autonomia. As Guerras Religiosas Francesas (1562-1598) foram diretamente causadas por desentendimentos religiosos, e diferenças religiosas também contribuíram para a Guerra dos Oitenta anos (1568-1648) e para a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), tento matado mais de oito milhões de pessoas.
A Contrarreforma inspirou arte & música
A Contrarreforma (também conhecida como Reforma Católica, 1545 até c.1700) foi a resposta da Igreja Católica à Reforma Protestante, durante à qual instituiu mudanças ao mesmo tempo que fez esforços para restaurar sua centralidade anterior. Um aspecto destes esforços era a ênfase na arte, arquitetura e música, as quais poderia elevar as mentes dos adeptos e contrastar fortemente com as igrejas protestantes as quais rejeitavam a iconografia, a música (em maior ou menor grau, dependendo do credo), ou qualquer representação artística de Jesus Cristo ou outra figura bíblica. Na música, algumas das figuras centrais eram o compositor inglês Tomas Tallis (c. 1505-1585), seu discípulo William Byrd (c. 1540-1623) e a compositora italiana Isabela Leonarda (1620-1704). Na arte, a Contrarreforma inspirou as obras de Caravaggio (1571-1610), El Greco (1541-1614), Gerard Seghers (1591-1615) e Peter Paul Rubens (1577-1640), entre outros. A arquitetura das igrejas católicas enfatizaram a grandeza de Deus e a mensagem edificante de perdão e redenção, ao mesmo tempo deixando claro o poder e preeminência da Igreja quando comparada com outros templos mais modesto dos credos protestantes.
A Reforma encorajou ideais democráticos
Enquanto que Lutero teria rejeitado o moderno conceito de democracia, o movimento o qual ele iniciou encorajou ideais democráticos. As obras de Lutero contribuíram para a Guerra dos Camponeses alemães na qual a classe mais baixa lutou por direitos iguais e representação no governo, e os reformistas que seguiam Lutero encorajaram o mesmo. O reformador suíço Henrich Bullinger (1504-1575) defendia uma liderança democrática para a Igreja Reformada, e o reformador escocês John Knox (c. 1514-1572) estabeleceu a Igreja Presbiteriano da Escócia como uma democracia. Desde que os reformadores protestantes rejeitaram a hierarquia da Igreja Católica, eles gravitaram na direção de uma estrutura mais igualitária, política e administrativa, que foi codificada por João Calvino cujos ensinamentos moldaram as crenças dos Puritanos e Separatistas, que eventualmente estabeleceram as Colônias da Nova Inglaterra, aquilo que iria se tornar os Estados Unidos. Os Pais Fundadores, embora não fossem puritanos em nenhum sentido, iriam posteriormente dar base à sua foram de governo no governo da igreja com a qual os colonos estavam mais familiarizados. A estrutura seguida pelos quakers, que também influenciaram o desenvolvimento da moderna democracia nos Estados Unidos, se originara diretamente da rejeição protestante de uma hierarquia, que encorajou idealismo democrático e governo.
Não há consenso sobre o fim da Reforma
Apesar do consenso de a Reforma Protestante ter ocorrido entre 1517-1648, não há consenso universalmente aceito entre os pesquisadores sobre isso, e muitos deles argumentam sobre datas diferentes. Alguns afirmam que o evento deve ser datado a partir do momento do ativismo de Jan Hus até a era pré-industrial (1400-1750), ou, a partir das 95 Teses de Martinho Lutero até a revogação do Edito de Nantes (1517-1985), pois a revogação encorajou êxodo em massa de protestantes da França, que então se estabeleceram em outros lugares como grupos claramente definidos. É mais comumente aceito que as 95 Teses de Lutero marcam o início e a Paz da Vestefália, que encerrou a Guerra dos Trinta Anos, como o encerramento, uma vez que o conflito fora inicialmente encorajado por diferenças religiosas, as quais a Paz da Vestefália de 1648 procurou, em parte, abranger.
Conclusão
A Reforma Protestante interrompeu a unidade e autoridade da Igreja Católica, criando uma pluralidade na cristandade que antes não existia. Apesar de terem existido as chamadas “heresias” que desafiaram a Igreja anteriormente, estas foram esmagadas, e a primazia da Igreja sempre fora mantida. Conceitos renascentistas de humanismo, que elevaram o status do indivíduo, do mesmo modo que tecnologias como a imprensa, somados à corrupção da Igreja medieval, combinaram para incitar um movimento que iria transformar o pensamento europeu, cultura e o que se entendia por verdade. A pesquisador Ulinka Rublack comenta que:
Reformas confrontaram os europeus com o fato que cristandade continha afirmação do que é verdade radicalmente diferentes entre si – entre protestantes, entre protestante e católicos, e entre todos estes credos e a Igreja Ortodoxa. Isto implica que a história e os argumentos envoltos em verdade estavam sendo constantemente reconstruídos e questionados. Eventualmente, isto contribuiu para a emergência da posição intelectual a qual reconhecia religiões como sistemas culturais de significado e a explorar suas ideias, tensões e limitações.
Por volta de 1500, a verdade espiritual era entendida como o que quer a Igreja dissesse que fosse; cem anos mais tarde, “verdade” já era muito mais difícil de ser definida pois, como a Igreja notou no início da Reforma, se qualquer um que pudesse ler a Bíblia poderia definir “verdade”, assim não haveria uma “verdade” última a ser definida. Este aspecto da Reforma foi provavelmente o mais profundo, pois destacou o poder do indivíduo em determinar a sua própria verdade, seja na religião ou em qualquer área da vida, e marcou a transição dos paradigmas medievais de pensamento para os da era moderna.