Henrique IV da França e o Edito de Nantes

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Artigo

Stephen M Davis
por , traduzido por Ivan Madanelo Costa
publicado em 11 julho 2022
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, Polaco, espanhol
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Henrique de Navarra tornou-se o governante nominal da França após o assassinato de Henrique III (r. 1574-1589), cujo casamento com Luísa de Lorena não produziu nenhum herdeiro. Após anos de tentativas de negar o trono a Navarra, seus inimigos perceberam que não poderiam derrotá-lo militarmente. As guerras religiosas francesas esgotaram o país e ficou claro que Henrique precisaria adotar a religião da maioria de seus súditos para garantir a liberdade de consciência aos protestantes com quem tinha afinidade religiosa e que lutaram ao seu lado.

Henry IV of France
Henrique IV da França
Frans Pourbus the Younger (Public Domain)

A conversão de Henrique de Navarra ao catolicismo

A chegada de um rei protestante e o cansaço dos partidos adversários impuseram o compromisso da conversão de Henrique ao catolicismo. O Arcebispo de Bourges anunciou a intenção de Henrique em 17 de maio de 1593 e dois meses depois, em 25 de julho de 1593, Henrique de Navarra retratou-se solenemente na Basílica de Saint-Denis, aos pés do arcebispo. A sua abjuração foi atacada como fingida por alguns, mas muitos cidadãos simplesmente queriam a paz e uma nação livre da influência estrangeira. Os protestantes não esconderam o seu desgosto e solicitaram garantias ao rei, que prometeu restabelecer um decreto anterior de 1577 e a sua garantia de tolerância religiosa. Deste modo, os protestantes foram permitidos de praticar sua religião em todo o reino, inclusive discretamente na corte, e os oficiais do exército puderam celebrar a Ceia do Senhor nos campos. Com estas condições, os protestantes mantiveram provisoriamente a confiança no seu antigo correligionário.

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O EDITO DE NANTES NÃO EXTINGUIU IMEDIATAMENTE TODOS OS RANCORES E RESSENTIMENTOS, MAS PROPORCIONOU RELATIVA SEGURANÇA E TOLERÂNCIA.

Os líderes religiosos e políticos eventualmente se uniram a Henrique, o que levou à sua coroação como Rei Henrique IV da França na Catedral de Chartres em 27 de fevereiro de 1594. Lá ele pronunciou o juramento tradicional de expulsar de suas terras todos os hereges denunciados pela Igreja. Em 22 de março, o rei entrou em Paris e o Te Deum soou em Notre Dame. O Papa Clemente VIII (serviu entre 1592 e 1605), irritado com a absolvição de Henrique IV pela Igreja Francesa sem autorização pontifícia, desconfiava da sinceridade do rei. Somente em setembro de 1595 o papa concedeu seu perdão condicional. Os protestantes, porém, ulcerados pela abjuração do rei, temiam que a reconciliação com o papa levasse a uma nova perseguição e procuravam obter mais garantias de segurança.

Edito de Nantes e a tolerância religiosa

Em resposta à contínua violência religiosa, em 13 de abril de 1598, o rei promulgou um édito de pacificação e declarou-o perpétuo e irrevogável, conhecido como Edito de Nantes. O édito, que impunha a coexistência religiosa, encontrou resistência. Henrique IV empregou sua energia para obter o registro do edital nos parlamentos regionais. Roma continuou a opor-se a qualquer mudança na posição privilegiada da Igreja Católica na França, e o Papa Clemente VIII declarou que a liberdade de consciência foi a pior coisa que alguma vez aconteceu. Após anos de guerras religiosas, o édito não extinguiu imediatamente todos os rancores e ressentimentos, mas abriu um novo período nas relações entre católicos e protestantes e proporcionou relativa segurança e tolerância aos protestantes. Além disso, com o nascimento de Luís XIII da França (r. 1610-1643) em 1601 garantiu a perenidade da dinastia.

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O Edito de Nantes em 1598 foi um divisor de águas na história francesa e a maior conquista de Henrique IV. A França estabeleceu a noção de tolerância e proclamou oficialmente pela primeira vez que as pessoas eram livres de professar a religião da sua escolha, embora o catolicismo continuasse a ser a religião do reino. Esse foi um decreto de compromisso até então desconhecido na França, garantindo o reconhecimento legal da religião protestante, mas estabelecendo limites ao culto. Nesse sentido, os protestantes ainda eram obrigados a pagar o dízimo aos párocos católicos, a observar os dias de festa católicos, e todas as propriedades religiosas que originalmente pertenciam à Igreja Católica foram devolvidas; e em alguns lugares, como Paris e arredores, o culto protestante foi proibido dentro de um raio estabelecido. Já em relação aos direitos, os protestantes e católicos tinham direitos iguais na educação dos seus filhos e do ponto de vista político, foi concedida anistia total para todos os atos de guerra, foi garantida a igualdade civil com os católicos e previsto o direito de acesso ao emprego público. E aqueles que outrora haviam fugido da França foram autorizados a retornar.

Edict of Nantes
Edito de Nantes
National Archives of France (Public Domain)

O édito abriu o acesso dos protestantes às universidades e cargos públicos, e quatro academias receberam autorização juntamente com o direito de convocar sínodos religiosos. Aos protestantes foi garantida a segurança das suas guarnições durante oito anos em várias cidades, principalmente na cidade portuária de La Rochelle. Uma grande novidade foi que o poder civil colocou limites à dominação religiosa da sociedade. A Igreja Católica recuperou 200 cidades e 2.000 paróquias rurais e resignou-se à tolerância como uma necessidade das circunstâncias da época. Embora os protestantes não tenham sido autorizados a atividade missionária para abrir novos locais de culto, os católicos alteraram o mapa religioso, abrindo igrejas em locais onde o catolicismo tinha virtualmente desaparecido.

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Na realidade, o Edito de Nantes foi um tratado com concessões destinadas a evitar novas guerras. O édito, ao conceder tolerância aos protestantes, também reforçou os direitos da Igreja Católica. O Artigo 3 estipulava que a religião católica, apostólica e romana seria restabelecida em todo o reino para ser exercida livre e pacificamente, sem qualquer problema ou obstáculo. Isto autorizou a restauração institucional completa da Igreja Católica em todos os cantos do reino, mesmo em lugares onde a maioria dos habitantes se converteu à fé reformada, em cidades como La Rochelle, Montauban e Montpellier, e em vastas regiões como Cévennes, Dauphiné e Vivarais. Em todos estes locais, os protestantes precisavam agora de se preparar para o regresso dos padres que estiveram ausentes durante duas gerações. As procissões católicas foram retomadas em lugares onde não havia nenhuma há décadas. As tensões eram muitas vezes elevadas em cidades com dois locais de culto, dois cemitérios, duas categorias de súbditos do rei e até dois sinos de igreja.

A importância do édito reside em uma perspectiva diferente do indivíduo. Como sujeito político, esperava-se que o indivíduo obedecesse ao rei, independentemente da confissão. Como crente, o sujeito era livre para escolher sua religião, o que passou a ser considerado um assunto privado. Os protestantes mantiveram a posse territorial de locais seguros em mais de 100 cidades da França, incluindo La Rochelle, Saumur, Montpellier e Montauban. Durante este período de tolerância, essas cidades tornaram-se Estados dentro do Estado Francês. Realizaram assembleias políticas, desenvolveram organização territorial, mantiveram fortalezas militares e praticaram diplomacia e relações com potências estrangeiras, nomeadamente a Inglaterra. La Rochelle tornou-se o principal bastião da religião reformada, sendo apoiada pela Inglaterra, que visou conter o desenvolvimento e a expansão da marinha francesa.

Desvendando o Edito de Nantes

O édito foi outorgado durante o reinado de Henrique IV, às vezes com grande dificuldade, até seu assassinato em 1610. Ele sobreviveu a várias conspirações e tentativas de homicídio antes de cair nas mãos de um fanático católico, François Ravaillac, em 14 de maio de 1610. Sua morte alarmou os protestantes que temiam a perda dos direitos adquiridos. Marie de' Medici (1575-1642) tornou-se rainha após a morte do marido. Ela confirmou o Edito de Nantes numa declaração de 22 de maio de 1610, mas os protestantes tinham pouca confiança nela. Os Estados Gerais reuniram-se em 1614 e 1615, altura em que os protestantes perceberam que a nobreza e o clero estavam preparados para considerar os decretos de pacificação como provisórios. Eles também ficaram alarmados com a proposta de casamento de Luís XIII (1601-1643) com Ana da Áustria. Três províncias, Languedoc, Guyenne e Poitou, participaram de uma revolta liderada por senhores descontentes. As negociações de Marie com eles resultaram no Tratado de Loudun, que concedeu mais seis anos de proteção às cidades protestantes seguras.

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AS PROTEÇÕES DESFRUTADAS SOB HENRIQUE IV COMEÇARAM A SE DESFAZER E FORAM GRADUALMENTE REMOVIDAS APÓS SUA MORTE.

As proteções desfrutadas sob Henrique IV começaram a se desfazer e foram gradualmente removidas após sua morte. Muito antes da sua revogação em 1685, sob Luís XIV de França (r. 1643-1715), o édito foi minado através de uma aplicação inconsistente e de intermináveis ​​queixas de má-fé apresentadas contra os protestantes. O Edito de Nantes não estabeleceu a igualdade entre as religiões. Os protestantes recebiam vantagens políticas e eram simplesmente tolerados, desde que praticassem a sua religião dentro das restrições que lhes eram impostas. Os primeiros dez anos do século XVII após o Edito de Nantes marcaram uma renovação católica. O rei gabou-se de que a França pudesse retornar à unidade religiosa. Para tanto, foram criados fundos ( Caisse de Conversion ) para pagar os pastores que se convertessem ao catolicismo. Os tempos passaram de guerras religiosas a controvérsias religiosas e foram marcados por conversões entre as duas religiões; os monges abraçaram a religião reformada e os pastores se voltaram para o catolicismo. Henrique IV teve vários colaboradores protestantes e, para seu crédito, durante os 15 anos de seu reinado, ele tirou sua nação devastada pela guerra de décadas de guerra civil. No entanto, recusou-se a reunir os Estados Gerais e a criar uma monarquia parlamentar que pudesse ter protegido a nação de futuros abusos de poder. Ele orientou a nação para o absolutismo que lhe ofereceu um esplendor impressionante, embora breve, que levaria a reações sangrentas.

A presença de fortalezas protestantes tornou-se intolerável para o sucessor de Henrique IV, seu filho Luís XIII. Sob ele, o domínio do clero católico cresceu rapidamente. O rei tomou um jesuíta como confessor, e seu novo ministro, Charles-Albert de Luynes, em que prometeu exterminar os hereges. Na assembleia geral do clero católico de 1617, Luís XIII, em vez de respeitar a vontade do pai, ordenou a restituição dos bens à Igreja Católica. Ele marchou para a província de Béarn, tomou o reduto dos navarrianos e restabeleceu o catolicismo. Os abusos cometidos contra uma população majoritariamente calvinista prenunciaram as futuras dragonadas, uma forma de perseguição sob Luís XIV, onde os protestantes foram forçados a alojar os cavaleiros do rei (dragões) para induzir os protestantes a se converterem ao catolicismo.

Louis XIII of France
Luís XIII da França
Philippe de Champaigne (Public Domain)

Em resposta às ações do rei, a assembleia geral huguenote em La Rochelle, em dezembro de 1620, dividiu a França em oito regiões quase militares com líderes, o que desencadeou a oposição católica. A maior parte de Midi pegou em armas, mas o resto do país não se moveu contra o rei. Ele sitiou Montauban, que resistiu heroicamente por dois meses e meio e forçou o rei a levantar o cerco em 2 de novembro de 1621. O rei sitiou Montpellier em agosto de 1622, mas a cidade defendeu-se tão valentemente que o rei concordou em negociar . O cerco foi levantado e a Paz de Montpellier, assinada em 18 de outubro de 1622, confirmou o Edito de Nantes e concedeu anistia, mas proibiu assembleias políticas sem autorização real. Restaram apenas duas cidades-fortaleza: La Rochelle e Montauban.

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Os anos de 1622 a 1625 foram marcados por incessantes disputas e atos de violência entre as partes. Em 1625, Rohan no Languedoc e seu irmão Soubise nas regiões ocidentais engajaram-se em campanhas militares sem resultados decisivos. A Paz de Paris foi assinada em 5 de fevereiro de 1626 e manteve o status quo até que o Cardeal Richelieu entrou em ação.

Cardeal Richelieu e o Cerco de La Rochelle

Maria de Médici conseguiu introduzir Armand du Plessis de Richelieu (1585-1642), agora usando chapéu de cardeal, na corte de Luís XIII em 1624. Richelieu foi primeiro-ministro durante o reinado de Luís XIII (r. 1610-1643). Era um homem de grande ambição e capacidades, um defensor estrito da causa católica em França, pretendendo quebrar toda a oposição ao absolutismo real. Luís XIII e Richelieu procuraram forçar a submissão dos protestantes à autoridade real e reforçar a unidade do reino. A cidade de La Rochelle representou uma barreira formidável aos seus desígnios e tornou-se o principal reduto do partido huguenote.

La Rochelle aderiu em grande parte à Reforma Protestante, foi responsável pela disseminação do protestantismo nas regiões ocidentais da França e tornou-se um refúgio para protestantes que fugiam de outros lugares. As tentativas de Richelieu de negociar com La Rochelle falharam em 1625, e ele foi forçado a assinar a Paz de La Rochelle em fevereiro de 1626. Em 1627, o conflito foi reacendido e La Rochelle foi sitiada por um ano, cercada e isolada de todas as provisões externas. Richelieu ordenou a construção de um enorme dique para impedir toda a ajuda do mar. Os últimos meses do cerco foram marcados por uma fome devastadora, obrigando mulheres, crianças e idosos a abandonar a cidade e a vaguear desamparados pelos pântanos, onde poucos sobreviveram. Os sitiados sobreviveram comendo cavalos, cães e gatos, e centenas deles morreram diariamente de fome. La Rochelle tinha uma população de 25.000 habitantes antes do cerco, dos quais 18.000 eram protestantes, e pouco mais de 5.000 quando o bloqueio terminou.

Richelieu on the Sea Wall of La Rochelle
Richelieu na muralha marítima de La Rochelle
Henri-Paul Motte (Public Domain)

A expedição montada pelo duque de Buckingham falhou devido ao seu assassinato e La Rochelle capitulou em 28 de outubro de 1628. No dia seguinte, Richelieu entrou na cidade e celebrou uma missa solene na Igreja de Sainte-Marguerite. Luís XIII entrou em La Rochelle em 1º de novembro para receber sua rendição, seguida por uma grande procissão em 3 de novembro. O rei aboliu todos os antigos benefícios de que a cidade desfrutava, ordenou a demolição da maior parte das muralhas, entregou as igrejas à Igreja Católica e criou um bispado. Luís XIII mandou construir a Notre-Dame des Victoires em Paris em homenagem ao seu triunfo. Dez anos depois consagraria a França à Santíssima Virgem e instituiria a Festa da Assunção. Após anos de sacrifício, o destino de La Rochelle estava agora ligado à monarquia francesa e à Igreja Católica.

Conclusão

Em junho de 1629, com o Edito da Graça (Paz de Alès) sob Luís XIII, negociado por Richelieu com os líderes protestantes, os protestantes experimentaram a perda de muitos ganhos anteriores. O édito manteve as concessões do Edito de Nantes, mas desmantelou o partido protestante. Os pastores reformados tinham o direito de pregar, celebrar a Ceia do Senhor, batizar e oficiar casamentos apenas nas aldeias e cidades autorizadas pelo Edito de Nantes. Os protestantes, que contribuíram para a restauração da unidade do reino, eram agora considerados facciosos face a uma unidade centralizada procurada pelos grandes ministros, Richelieu e mais tarde Mazarin. As dragonadas substituíram as Guerras Religiosas à medida que os protestantes perdiam seus príncipes e protetores. Luís XIII ordenou a demolição dos locais de segurança protestantes e o restabelecimento do culto católico. Embora os protestantes teoricamente mantivessem os direitos religiosos por mais 50 anos, perderam influência política e foram progressivamente excluídos das funções públicas. Esses direitos foram lentamente minados pelo sucessor de Luís XIII, seu filho Luís XIV, e eventualmente revogados em 1685.

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Bibliografia

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Sobre o tradutor

Ivan Madanelo Costa
Ivan, estudante do ensino médio e entusiasta de história moderna e contemporânea, atualmente está traduzindo alguns artigos da WH para a língua portuguesa.

Sobre o autor

Stephen M Davis
Stephen M. Davis (PhD) é presbítero na Grace Church, na Filadélfia. Ele é autor de vários livros, incluindo 'Ascensão da Laïcité Francesa', 'Os Huguenotes Franceses e as Guerras Religiosas' e 'A Luta do Protestantismo Francês pela Sobrevivência e Legitimidade'.

Citar este trabalho

Estilo APA

Davis, S. M. (2022, julho 11). Henrique IV da França e o Edito de Nantes [Henry IV of France & the Edict of Nantes]. (I. M. Costa, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2031/henrique-iv-da-franca-e-o-edito-de-nantes/

Estilo Chicago

Davis, Stephen M. "Henrique IV da França e o Edito de Nantes." Traduzido por Ivan Madanelo Costa. World History Encyclopedia. Última modificação julho 11, 2022. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2031/henrique-iv-da-franca-e-o-edito-de-nantes/.

Estilo MLA

Davis, Stephen M. "Henrique IV da França e o Edito de Nantes." Traduzido por Ivan Madanelo Costa. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 11 jul 2022. Web. 09 set 2024.