A imprensa, creditada ao inventor e impressor alemão Johannes Gutenberg (v. c. 1396-1468) em 1450, tornou-se o fator mais importante no sucesso da Reforma Protestante, ao fornecer os meios para a ampla disseminação dos “novos ensinamentos” e encorajar o pensamento independente em temas antes rigidamente controlados pela elite letrada.
Os chamados Protorreformistas, tais como John Wycliffe (v. 1330-1384) e Jan Hus (v. c. 1369-1415) já haviam abordado muitos dos pontos levantados por Martinho Lutero mais tarde, mas careciam de maneiras de alcançar um público maior. A invenção da imprensa fez com que os livros pudessem ser produzidos em grandes números, vendidos por preços menores e distribuídos amplamente. Martinho Lutero (v. 1483-1546) reconheceu o valor da nova invenção e a explorou brilhantemente em seu desafio à autoridade da Igreja Católica.
O panfleto contendo as 95 Teses de Lutero, que previamente teria circulado somente entre os acadêmicos letrados de Wittenberg, transformou-se num campeão de vendas dentro de apenas um ano após sua postagem inicial, em 1517. Entre esta data e aproximadamente 1525, seriam publicadas mais de meio milhão de exemplares das obras de Lutero, tornando-o o primeiro autor mais vendido do Período Moderno Inicial e superando o autor humanista Desidério Erasmo (v. c. 1469-1536), apologistas católicos e reformadores contemporâneos. Obras de João Calvino (v. 1509-1564), Heinrich Bullinger (v. 1504-1575) e outros também viraram campeões de vendas, consolidando a visão protestante do cristianismo, em sua maior parte, através do poder da imprensa.
Os Protorreformistas e a Imprensa
Já existia uma pequena população letrada antes da invenção de Gutenberg que, devido ao elevado preço dos livros, limitava-se às classes mais altas que podiam arcar com tais gastos. A maioria dos europeus era analfabeta, nascia e morria no mesmo povoado, sem viajar ou mesmo se deslocar muito além, e recebia informações sobre o mundo principalmente através do padre local ou, algumas vezes, de caixeiros viajantes. As pessoas sabiam o que havia sido ensinado pelos pais e religiosos e esse conhecimento era transmitido de geração em geração sem questionamentos, porque não havia um contraponto que pudesse representar um desafio à visão estabelecida.
O entretenimento ficava a cargo de contadores de histórias ou atores que memorizavam o que haviam aprendido através da transmissão oral; trabalhos por escrito eram consultados somente nos scriptoriums dos monastérios ou em bibliotecas particulares. Manuscritos com iluminuras levavam mais de um ano para serem produzidos e seriam inúteis para a maior parte das pessoas, que sequer conseguiam ler a linguagem que falavam, muito menos latim, mesmo que pudessem adquirir um exemplar. Alguns livros foram fabricados na época em escalas modestas, utilizando a impressão por blocos de madeira, mas, ainda assim, tinham pouco impacto na população em geral, já que eram escritos em latim.
Quando John Wycliffe traduziu a Bíblia do latim para o inglês, esperava tornar possível a sua leitura para um público mais amplo, mas a maioria não era mais alfabetizada em inglês do que em latim. A Bíblia de Wycliffe e suas obras em latim atraíram a atenção e influenciaram o trabalho de Jan Hus, contribuindo para o início da Reforma Boêmia (c. 1380 até c. 1436), mas a impressão por blocos de madeira era demorada e mais cara. Por isso, as várias impressões da Bíblia de Wycliffe (mais de 200 ainda existem) não alcançaram um público tão amplo quanto o de Lutero. Wycliffe foi condenado pela igreja postumamente e Hus executado em 1415, nenhum dos quais obtendo o esperado e amplo apoio para suas reformas.
A Prensa de Gutenberg
A prensa de Gutenberg mudou este panorama ao fornecer os meios para a produção em massa em escalas muito maiores, além da distribuição de material de leitura. O pai do inventor trabalhava na casa da moeda de Mainz e acredita-se que ele ensinou ao filho seu ofício, que envolvia usar um buril para gravar letras em moedas. O uso do buril, bem como as prensas usadas para vinho e azeite, teriam inspirado Gutenberg na criação da prensa de tipos móveis.
A impressão com tipos móveis tinha sido desenvolvida na Coréia por volta de 1234 (ou, conforme alguns estudiosos, na China c. 1040) e foi usada na dinastia chinesa Song (960-1279), mas esta não parece ter sido a inspiração para a invenção de Gutenberg. Ele parece ter concebido a ideia de forma independente, tanto a partir da cunhagem de moedas quanto das prensas de vinho. Em algum momento por volta de 1450, mudou-se de Mainz para Estrasburgo, onde se associou com alguns investidores e começou a construir sua primeira impressora.
Gutenberg sabia que a igreja seria a melhor esperança de grandes lucros e, assim, logo que tornou seu equipamento funcional, imprimiu cartas de indulgências – anteriormente escritas à mão e vendidas para os paroquianos que quisessem reduzir sua estada (ou a de um ente querido) no purgatório – e, em 1456, após retornar a Mainz, uma Bíblia padrão. Suas dívidas o levaram a pedir um empréstimo ao ourives e banqueiro Johann Fust, cujo filho adotivo, Peter Schöffer, foi uma das primeiras pessoas a quem Gutenberg ensinou o processo de impressão. Fust exigiu o pagamento da dívida antes do prazo previsto e confiscou sua oficina tipográfica, rapidamente assumindo o crédito pela invenção e, com Schöffer, passando a imprimir a Bíblia de Gutenberg sob seu nome.
O processo foi empregado a seguir por Arnold Pannartz (m. 1476) e Conrad Swynheym (também citado como Schweinheim, m. 1477), que instalou uma das mais famosas gráficas em Veneza (1469), enquanto Schöffer continuava a imprimir em Mainz e outras tipografias continuaram a aparecer em todos os lugares. Gutenberg morreu na pobreza em 1468 mas, nessa época, sua invenção já estava transformando a sociedade europeia ao proporcionar material de leitura a um custo acessível. Livros que anteriormente só estavam disponíveis para a elite mais rica, como a História Natural, de Plínio, o Velho, começaram a ser vendidos a todos que podiam comprá-los.
A Imprensa e Lutero
A igreja deu as boas-vindas à imprensa a princípio, pois permitiu a distribuição da Bíblia padrão às paróquias através da Europa a custos baixos, bem como proporcionou a produção em massa de documentos como as cartas de indulgências, decretos e avisos. A igreja ainda controlava o que era impresso porque não havia questionamento à sua autoridade e, além disso, não havia público leitor devido aos altos índices de analfabetismo. A disponibilidade de livros a preços mais baixos, por si só, não significava que as pessoas fossem subitamente capazes de usufruí-los ou mesmo que tivessem esse desejo. Livros e panfletos costumavam ser lidos perante uma audiência na praça ou bar dos povoados e “leitura” era entendida, mais ou menos, como “apresentação”. O estudioso John Bossy comenta:
Até o século XVII, a leitura silenciosa consistia ou numa realização de estudiosos ou numa forma de devoção pessoal. A leitura significava murmurar para si mesmo ou ler em voz alta para os outros; a palavra escrita era um “sinal audível”. Isso era o que significava para a leitura clandestina das escrituras, assim como para Lutero. Sua palavra precisava ser ouvida, uma promessa recebida com fé, não um texto para exame. A fé, como disse São Paulo, vinha por ouvir; o ouvido, não o olho, era o sentido cristão. (100)
A “audição” podia ser monitorada pela igreja e o que se ouvia podia ser controlado até Lutero postar suas 95 Teses em 1517, as quais, apenas dois anos depois, haviam sido publicadas e amplamente distribuídas. Embora Lutero alegasse que não tinha intenção de publicar o texto, parece que encorajou tanto a publicação quanto a distribuição. Ironicamente, o panfleto das 95 Teses atacava a prática católica de venda de indulgências - um dos primeiros documentos que Gutenberg imprimiu -, e se tornou rapidamente uma leitura popular. Com tantas cópias da obra de Lutero em circulação, a igreja não podia mais controlar o que estava sendo "ouvido" e o questionamento de Lutero à autoridade eclesiástica recebeu apoio e espalhou-se mais rápido e além do que poderia ter sido imaginado por Wycliff ou Hus. O estudioso Mark U. Edwards Jr. comenta:
A imprensa permitiu aos propagandistas evangélicos fazer o que antes seria impossível: alcançar um público mais amplo, rápida e efetivamente, com uma mensagem que tentava mudar o cristianismo. Por vários anos cruciais, estes propagandistas evangélicos divulgaram milhares de panfletos desacreditando a antiga fé e defendendo a nova… Não somente a Reforma fez a primeira “campanha de mídia” em larga escala, mas também concentrada em uma única pessoa, Martinho Lutero. Mais obras de Lutero foram impressas e reimpressas do que quaisquer outros propagandistas. (1)
Lutero foi excomungado em Janeiro de 1521 e, em Abril do mesmo ano, convocado para comparecer à Dieta de Worms e se retratar. Em vez disso, ele defendeu seus “novos ensinamentos” na hoje célebre declaração “Aqui Estou”. O discurso na Dieta acabou sendo transcrito pelos apoiadores, publicado e distribuído, garantindo-lhe ainda mais apoio. Quando ele traduziu o Novo Testamento do latim para o alemão, mais tarde naquele ano, a obra tornou-se um best-seller, assim como quaisquer outras que ele enviasse às tipografias. A imprensa transformou Lutero no primeiro escritor famoso do início da Era Moderna.
A Imprensa e Outros Reformadores
Da mesma forma que a imprensa permitiu a Lutero criticar a igreja abertamente, também forneceu os meios para as críticas dos seus oponentes. Estes ataques iniciais não vieram da Igreja, mas de homens que inicialmente o apoiaram, incluindo Andreas Karlstadt (v. 1486-1541) e Thomas Müntzer (v. c. 1489-1525). Seus ensinamentos foram também contestados pelas obras do reformador suíço Huldrych Zwingli (v. 1484-1531). Ele discordava de Lutero sobre a natureza da Eucaristia e portanto suas obras, incluindo os 67 Artigos de fé de Zwingli, representavam uma contestação significativa à autoridade luterana. Por sua vez, os anabatistas, inspirados por ele, acabaram tendo discordâncias com as posições do reformador suíço e também publicaram sua própria visão da reforma.
Ao mesmo tempo, o principal auxiliar de Lutero, Philip Melanchthon (v. 1497-1560) defendia as posições luteranas em suas publicações, o que encorajou outros a divulgarem seus pontos de vista favoráveis a eles e novamente aos demais que discordavam de ambos. Obras religiosas, geralmente publicadas em quartos (uma folha dividida em quatro para criar oito páginas) eram as campeãs de venda da ocasião e os trabalhos dos protestantes – que eram tão provocativos no questionamento da autoridade religiosa – vendiam mais do que quaisquer outros.
Estas publicações eram populares também por causa do seu ineditismo. A imprensa deu voz a um grupo demográfico que, de outra forma, não teria nenhuma: as mulheres. Argula von Grumbach (v. 1490 a c. 1564), Katharina Zell (v. 1497-1562), Marie Dentière (v.c. 1495-1561) e Olympia Fulvia Morata (v. 1526-1555), entre outras, publicaram textos apoiando a Reforma Protestante. Tais trabalhos eram com frequência controversos pela simples razão de terem sido escritos por mulheres, mas também por sua defesa da reforma e crítica à Igreja. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica fazia escasso uso da imprensa nas primeiras décadas da Reforma, parecendo confiar em grande parte na sua velha autoridade e publicando poucas obras em defesa. Edwards assinala:
Uma simples comparação entre as versões em vernáculo dos propagandistas católicos e os resultados de um evangélico, Martinho Lutero, sugere uma batalha altamente desigual pelos corações e mentes do público laico letrado nas primeiras décadas da Reforma. No período entre 1518 e 1544, as publicações de Lutero (ou seja, impressões e reimpressões de suas obras em alemão, excluindo as traduções da Bíblia) totalizaram pelo menos 2551. No mesmo período, os propagandistas católicos produziram 514 publicações. Em termos simples, isso se traduz em cerca de cinco publicações de Lutero para cada católica… E, é claro, Lutero era acompanhado por vários e prolíficos autores evangélicos. (29)
Entre estes estavam João Calvino e Heinrich Bullinger. Calvino publicou pela primeira vez seu icônico livro, A Instituição da Religião Cristã em 1536, revisando-o e republicando a obra periodicamente pelo resto da vida, além de sermões, palestras e comentários bíblicos. Bullinger escreveu seu famoso Décadas entre 1549-1551 e a obra foi então traduzida para o inglês e publicada em 1577, 1584 e 1587. As traduções de Calvino e Bullinger tornaram-se best-sellers na Inglaterra, influenciando os movimentos puritanos e separatistas locais. A abordagem moderada de Bullinger refletia de alguma forma a argumentação anterior de Martin Bucer (v. 1491-1551) que, como Karlstadt e Müntzer, haviam apoiado e depois rompido com Lutero, publicando então seus próprios pontos de vista que enfatizavam a importância da união cristã.
A Imprensa e a Contrarreforma
A Igreja não permaneceu inerte durante os primeiros anos da Reforma Protestante. O Cardeal Thomas Cajetan (v. c. 1468-1534) e o teólogo Johann Eck (v. 1486-1543) eram somente dois dos mais destacados oponentes dos ensinamentos de Lutero. O livro Short Chronicle (1535), de Jeanne de Jussie, e trabalhos similares também faziam um contraponto às alegações da Reforma. Somente com a Contrarreforma, porém, a Igreja começou a considerar seriamente a questão das obras impressas.
A Contrarreforma (também conhecida como Reforma Católica, 1545 a c. 1700) representou a resposta católica à Reforma Protestante e tratou da proliferação do que a Igreja considerava como material de leitura herético. Falhando em silenciar Martinho Lutero ou aqueles que vieram depois dele, a instituição focou em reformar sua imagem e restabelecer a autoridade ao definir claramente o que significava ser católico e por que faltava mérito às alegações dos protestantes.
Embora pareça ter sido lenta em aproveitar ao máximo a imprensa, a Igreja publicou refutações importantes aos argumentos protestantes, bem como obras desenvolvendo a visão católica do cristianismo. Dois destes livros produzidos em massa foram diretamente responsáveis pelo ativismo de um dos maiores defensores da fé católica, Inácio de Loyola (v. 1491-1556), um soldado basco que se tornou padre católico após uma experiência religiosa. Esta experiência foi inspirada por dois livros que leu sobre a vida de Cristo e os atos dos santos em 1521, enquanto se recuperava de um ferimento. Loyola escreveu sua própria obra, Exercícios Espirituais (1548) e fundou a Ordem Jesuíta para defender a posição da Igreja. O livro é ainda considerado nos dias atuais como um dos maiores guias para a devoção religiosa e formou a base para a disciplina dos jesuítas.
Monarcas católicos e papas responderam à proliferação de obras protestantes banindo-as e multando, prendendo e executando impressores. Os jesuítas, ainda que apoiassem esta política, também agiram através da fundação de escolas católicas, seminários e universidades, que formavam autores que publicavam suas próprias apologias em apoio à Igreja e contestavam os argumentos da Reforma. O Concílio de Trento (1545-1563) corrigiu erros e abusos dentro da Igreja, ao mesmo tempo em que reafirmava sua autoridade. Uma das formas de fazê-lo foi o estabelecimento do Índex de Livros Proibidos em 1563. O Índex consistia numa lista de obras consideradas heréticas ou ameaçadoras para a fé e os católicos não tinham permissão de ler ou publicá-las; caso o fizessem, arriscavam-se à pena de excomunhão e a punição das autoridades seculares.
Conclusão
A Igreja tinha estabelecido versões do Índex antes de 1563, perseguido impressores e destruído suas impressoras, mas isso somente fez as obras protestantes mais populares, já que eram proibidas. Para contornar o Índex, antes e após ser formalmente adotado em Trento, os impressores disfarçavam as obras dando-lhes outros títulos, omitindo o nome do autor na capa e contrabandeando-as regularmente de um distrito ou país para outro.
Já em 1524, os impressores de Leipzig reclamavam junto ao conselho da cidade que estavam perdendo receitas consideráveis devido ao banimento local de obras protestantes. Leipzig tinha sido um dos mais lucrativos centros editoriais antes de Lutero mas, como Wittenberg, experimentou um incremento significativo quando livros sobre os “novos ensinamentos” transformaram-se na mercadoria mais vendida. Impressores que não podiam se dar ao luxo de ignorar o banimento transferiram-se para cidades nas quais podiam continuar seu trabalho ou imprimiam os livros secretamente, com grande risco. Seja qual for o caminho escolhido, as obras protestantes continuaram a ser impressas e permaneceram como o item mais popular dos catálogos. O estudioso Andrew Pettegree comenta:
O impacto no mercado editorial alemão foi profundo: representou quase uma recriação. Nos dez anos antes de Lutero, o Sacro Império Romano fora responsável por um quarto da produção europeia de livros; 75 por cento deles em latim. Nos dez anos seguintes, a produção alemã de livros avançou dramaticamente para 42 por cento do total europeu; em cinco anos, de 1521 a 1525, a Alemanha respondeu por um em cada dois livros publicados na Europa e 80 por cento destes eram em alemão… O papel das publicações evangélicas nesta transformação foi evidente. Durante os dez anos entre 1518-1527, as obras de Lutero responderam por 20 por cento da produção alemã, mas ele não era um caso isolado. (Rublack, 382)
Quanto mais a Igreja se esforçava para suprimir as publicações protestantes, mais populares elas se tornavam e, finalmente, a visão protestante ficou estabelecida primordialmente devido ao uso da poderosa palavra escrita por seus autores. Os livros permitiram a pessoas que nunca tinham e jamais iriam se encontrar com Lutero, Melanchthon, Calvino ou Bullinger entrar em contato com seus pontos de vista diretamente, seja ao ler seus livros ou por ouvir alguém lendo em voz alta. Livro a livro, os “novos ensinamentos” da Reforma Protestante se consolidaram como um sistema de crença legítimo, em igualdade com a velha fé que tão facilmente os havia silenciado antes.