A Turquesa na Mesoamérica

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Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 17 agosto 2022
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
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A turquesa era um material altamente valorizado na antiga Mesoamérica, talvez o mais valioso de todos para objetos sagrados e de arte decorativa, tais como máscaras, joias e as vestimentas dos governantes e altos sacerdotes. Era adquirida através do comércio, com os melhores exemplares provenientes do sudoeste americano. Esta pedra também se associava com divindades como o deus do fogo, Xiuhtecuhtli, conhecido como o "Senhor da Turquesa".

Propriedades e Comércio

A turquesa (fosfato de alumínio de cobre) é uma pedra semipreciosa, tipicamente com aparência opaca. A cor das gemas encontradas na Mesoamérica varia desde o azul-esverdeado escuro até tons mais claros, como azul-celeste e verde azulado (a turquesa persa, por exemplo, muito raramente tem tonalidade esverdeada). As variações de cores da pedra, do verde ao azul, refletem os níveis existentes de ferro ou cobre. As gemas geralmente incluem áreas com veias escuras, causadas por óxido de ferro.

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Mask of Xiuhtecuhtli (Detail)
Máscara de Xiuhtecuhtli
The British Museum (CC BY-NC-SA)

A turquesa é uma pedra relativamente macia, mais fácil de cortar e esculpir; pode ser polida, o que lhe dá um brilho encerado. Infelizmente, a cor da turquesa tende a se deteriorar com o tempo, o que responde pelos tons bastante embotados de alguns dos artefatos mesoamericanos produzidos com este material e que sobreviveram até os dias atuais.

Valorizava-se a pedra por sua raridade, pois não havia fontes dela na maior parte da Mesoamérica, tornando a importação necessária. Embora peças de turquesa datadas do Período Pré-Clássico (do segundo ao primeiro milênio a.C.) tenham sido descobertas, um comércio significativo do material começou apenas no Período Pós-Clássico Inicial (a partir de 1.000 d.C.). A maior parte do material utilizado nas culturas mesoamericanas veio do que é atualmente o estado norte-americano do Novo México, especialmente na região de Cerillos, como indicado pela análise química dos artefatos. A turquesa estava disponível no México setentrional, mas com qualidade inferior às importadas. Mercadorias mesoamericanas, tais como plumas de pássaros exóticos, costumavam ser utilizados nas transações. Tal era a importância da turquesa que as redes comerciais regionais da Mesoamérica para o Sudoeste Americano têm sido comparadas à Rota da Seda da China para a Europa, a chamada “Rota da Turquesa”.

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Representações de deuses vestindo turquesa podem ser vistas em pinturas murais mesoamericanas, tais como as existentes em Tulum.

Quem começou a utilizar extensivamente a turquesa foi a civilização tolteca do México central, que floresceu entre os séculos X e XII, mas outras culturas tambem a valorizavam, tais como os maias, tarascas e astecas (ou mexicas). Ainda que reservada para elites políticas, religiosas e militares, isso não impedia a extração de grandes quantidades da pedra, como demonstrado pelas escavações em Casas Grandes (ou Paquimé), lideradas por Charles Di Peso, que descobriu armazéns repletos com o precioso material. Da mesma forma, achados de turquesa armazenada em Alta Vista, no noroeste do México (onde não há filões locais) revelam uma produção em grande escala. Em Alta Vista, há evidência de que se transformava a pedra bruta em pequenos ladrilhos, encaminhados então para distribuição por toda a Mesoamérica. Que a turquesa estava reservada para a elite social fica claro nos túmulos de Alta Vista, nos quais aparecia junto com outros materiais preciosos em ricas tumbas, claramente indicando que o ocupante pertencia aos mais elevados escalões da comunidade. Sítios maias, como Chichén Itzá, também revelam a importação desta gema. Os governantes astecas incluíam a turquesa bruta na lista de mercadorias que exigiam como tributo das tribos conquistadas pelo império.

Usos mais Comuns

As culturas mesoamericanas valorizavam extremamente os artesãos capazes de produzir objetos artísticos a partir de materiais como conchas e turquesa. Por exemplo, aqueles que trabalhavam a pedra ficavam hospedados numa parte distinta do palácio real na capital asteca de Tenochtitlán, o totocalli ou “casa dos pássaros”.

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Aztec Ceremonial Knife
Faca Cerimonial Asteca
Trustees of the British Museum (Copyright)

A turquesa costumava ser utilizada como material incrustado em peças de joalheria, tais como diademas, colares, pingentes, tornozeleiras, braceletes, cintos, peitorais, plugues de ouvido e pinos (geralmente usados no lábio inferior pela nobreza). Podia ser empregada como contas em partes variadas do corpo ou como acréscimos para peças de joalheria mais complexas. Em forma de mosaico, empregava-se a pedra para cobrir quase tudo, desde cabos de facas até molduras de espelhos. Tipicamente, o material de suporte do mosaico seria a madeira, com os azulejos (tessera) colados com resina de pinheiro. Os artistas mesoamericanos exploravam com habilidade as variações naturais de cor da turquesa ao utilizarem pequenos azulejos para criar efeitos de luz e sombra, acentuando os contornos da peça na qual se montava o mosaico. Os astecas eram grandes colecionadores de obras de arte produzidas por culturas mesoamericanas mais antigas e, com frequência, embelezavam tais peças adicionando mosaicos de turquesa.

Devido ao seu caráter precioso, usava-se também a turquesa em oferendas votivas. O cenote sagrado maia de Chichén Itzá, por exemplo, continha vários discos de ouro e turquesa, atirados nele durante cerimônias religiosas. Objetos preciosos semelhantes também foram escavados das fundações de templos piramidais da Mesoamérica - um dos melhores exemplos é o escudo de turquesa dedicado ao deus da chuva, Tlaloc, enterrado sob o Templo Maior, em Tenochtitlán.

Aztec Turquoise Shield
Escudo Asteca de Turquesa
The British Museum (CC BY-NC-SA)

Associações Religiosas

A estima que os antigos mesoamericanos tinham pela turquesa é indicada pela associação desta pedra a importantes divindades. Tanto os toltecas quanto astecas adoravam Tonatiuh, o quinto e atual sol na cosmologia asteca. Seu nome pode ser traduzido como “Senhor da Turquesa”. De fato, os astecas pensavam que o Sol fosse feito desta pedra.

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De maneira confusa, também denominavam outra divindade superior, o deus do fogo Xiuhtecuhtli, como "Senhor da Turquesa", talvez por causa da conexão estreita entre o fogo e o Sol ou mesmo o azulado no coração de uma chama intensa. A palavra náuatle para turquesa é xihuitl, um termo também usado tanto para o fogo quanto para o próprio tempo ou, talvez mais precisamente, o ano solar. Associava-se Xiuhtecuhtli com o pássaro xiuhtotl, que tinha a cor da turquesa, e o deus é geralmente representado na arte com um pássaro empoleirado em sua testa.

Os sacerdotes mesoamericanos usavam com frequência máscaras de turquesa durante cerimônias importantes.

Representações de deuses usando a turquesa podem ser vistas em pinturas murais mesoamericanas, tais como as criadas entre os séculos XI e XII em Tulum, na costa leste da península de Yucatán, no México meridional. Na cultura asteca, Xiuhtecuhtli costumava ser visualizado portando uma coroa pontuda, peitoral e escudo de mosaico desta pedra. Como esta divindade estava associada com guerreiros, eles também vestiam itens de turquesa, particularmente peitorais na forma de borboletas ou cães estilizados. Ao serem cremados, os guerreiros mortos quase sempre ostentavam imitações em papel de joalheria em turquesa.

A associação de Xiuhtecuhtli com os governantes ocorreu durante o Período Pós-Clássico Tardio (séculos XIII-XVI) e, assim, eles também portavam coroas pontudas ou diademas feitos com mosaicos desta pedra, aplicados a uma folha de ouro, o xiuhuitzolli. Esta coroa também representava um glifo náuatle empregado para representar governantes, líderes militares, juízes e o imperador asteca Montezuma (ou Motecuhzoma, r. 1440-1469). Durante a cerimônia de coroação, os líderes astecas também usavam o xiuhtlapilli tilmahtli, um manto azul decorado com peças de turquesa.

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Aztec Turquoise Pendant
Pingente de Turquesa Asteca
British Museum (CC BY-NC-SA)

Efígies de deuses permaneciam no topo dos templos piramidais, geralmente adornados com a pedra semipreciosa. Isso acontecia com a imagem do deus da guerra, Huitzilopochtli, que podia ser vista no alto do Templo Maior, em Tenochtitlán. As serpentes de fogo conhecidas como xiuhcoatl - uma das quais carregada por Huitzilopochtli como uma arma - teriam as peles cobertas de turquesa, e assim costumavam ser retratadas na arte mesoamericana.

Os sacerdotes mesoamericanos usavam com frequência máscaras de turquesa durante cerimônias importantes. A Cerimônia Asteca do Fogo Novo, também conhecida como a Cerimônia da Liga dos Anos ou Toxhiuhmolpilia, consistia num ritual realizado a cada 52 anos, na culminação de um ciclo completo do ano solar asteca (xiuhmopilli). O propósito deste ritual era nada menos do que renovar o sol e garantir sua aparição por outro ciclo de 52 anos. Durante a cerimônia, um alto sacerdote vestido como Xiuhtecuhtli e portando uma máscara de turquesa removia o coração de uma vítima e tentava iniciar o fogo sagrado na cavidade peitoral agora vazia. Se o fogo não acendesse, não haveria renovação do sol por um novo ciclo de 52 anos; em resumo, seria o fim do mundo asteca. A associação com Xiuhtecuhtli e o tempo explica por que o símbolo da turquesa era um círculo com um relógio de areia ao centro. Um símbolo alternativo para esta pedra semipreciosa no Período Pós-Clássico Tardio consistia num quincunce (como o cinco num dado), o que também representava o universo para os astecas.

Mask of Xiuhtecuhtli
Máscara de Xiuhtecuhtli
Trustees of the British Museum (Copyright)

Obras-primas de Turquesa

A Máscara de Xiuhtecuhtli

Uma das mais impactantes de todas as obras de arte da Mesoamérica é a máscara de mosaico de turquesa que representa o deus do fogo, Xiuhtecuhtli, datada do período entre 1400-1521. É feita de cedro, com olhos de madrepérola, dentes de conchas e já teve folhas de ouro nas pálpebras. A superfície externa traz centenas de azulejos de turquesa, dos quais aqueles em torno dos olhos, sobrancelhas, nariz e boca cortados com extrema precisão. Houve uma cuidadosa escolha das tonalidades de cores, com tons mais claros e azulados utilizados onde a luz atingiria naturalmente um rosto, tais como o nariz, bochechas e testa.

Uma característica peculiar da máscara é o uso deliberado de azulejos elevados em pontos variados, quase como verrugas. Estas "verrugas" levaram alguns estudiosos a especular que a peça pode representar Tonatiuh, pois esta divindade, anteriormente, havia sido um deus idoso e coberto de verrugas, que se sacrificou atirando-se ao fogo, uma ação que fez nascer o deus sol. Em contraste, outros acadêmicos observam que os tons ligeiramente mais escuros da tessera nas faces e osso do nariz criam uma borboleta estilizada, como ocorre na testa, e esta criatura está estreitamente associada a Xiuhtecuhtli e como um símbolo de mudança e renovação.

A máscara deveria ser utilizada por um personificador do deus em cerimônias religiosas ou empregada numa efígie da divindade, como indicado pelo pequeno orifício em cada lado da peça, através dos quais uma corda seria passada. Quase certamente a máscara estava entre os tesouros levados da Mesoamérica pelo conquistador Hernán Cortés (1485-1547) e apresentados ao Sacro Imperador Romano Carlos V (r. 1519-1556). Está em exibição permanente no Museu Britânico de Londres.

Aztec Double-Headed Serpent (Detail)
Serpente de Duas Cabeças Asteca (Detalhe)
British Museum (CC BY-NC-SA)

Peitoral com a Cobra de Duas Cabeças

Outra obra-prima em turquesa, também parte do acerto do Museu Britânico, é um impressionante peitoral com uma cobra de duas cabeças. Contemporâneo da máscara de Xiuhtecuhtli, esta peça também consiste em cedro esculpido e completamente coberto em pequenos quadrados de turquesa. As duas bocas vermelhas são de conchas de ostra espinhosa e os dentes de conchas brancas. Os olhos devem ter sido incrustados com pirita ou obsidiana, conforme indicado pelos traços remanescentes de cera de abelhas.

Provavelmente a peça foi certa vez parte de uma vestimenta cerimonial, provavelmente em conexão com Quetzalcoatl, o deus da serpente emplumada. A serpente aparecia como uma imagem poderosa e usada com frequência na arte mesoamericana, pois representava a regeneração (pois os répteis regularmente mudam de pele). A serpente de duas cabeças ou maquizcoatl era considerada como um mau presságio, mas o nome também está associado a Huitzilopochtli e, assim, a peça pode ter sido usada no peito de um alto sacerdote relacionado a esta divindade. A obra mede 43,3 centímetros de lado a lado.

Tezcatlipoca Turquoise Skull
Crânio Decorado com Turquesa de Tezcatlipoca
Trustees of the British Museum (Copyright)

O Crânio de Tezcatlipoca

Uma terceira obra-prima de turquesa que igualmente faz parte do acervo do Museu Britânico é um crânio humano (masculino, com idade em torno de 30 anos), coberto em mosaico para representar o deus tolteca e asteca Tezcatlipoca, estreitamente associado com a criação, arte da guerra e a mudança através do conflito. Ele pode ter sido usado como um ornamento para as costas, embora o revestimento interno e as tiras de couro de cervo possam sugerir outras utilizações. O deus era frequentemente retratado na arte com uma tira negra através da face, neste caso representada por azulejos de linhito. Os olhos estão reproduzidos em pirita polida e concha branca, enquanto uma concha de ostra espinhosa forma a cavidade nasal. Novamente, os azulejos de turquesa foram modelados com perfeição para cobrir os contornos do crânio.

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Perguntas e respostas

Por que os astecas usavam a turquesa?

Os astecas usavam a turquesa porque era um produto importado e raro, que eles associavam com certos deuses, como o deus do fogo Xiuhtecuhtli.

Os astecas dispunham de turquesa?

Os astecas dispunham de turquesa porque a importavam do México setentrional e do sudoeste da América do Norte (Novo México). Eles não tinham fontes próprias de turquesa em seu território.

O que os astecas pensavam sobre a cor turquesa?

Os astecas achavam que a cor turquesa e a pedra em si estava estreitamente relacionada aos deuses. Eles visualizavam certos deuses como portando a pedra, consideravam que o Sol era feito de turquesa e a associavam com a guerra e o governo. A palavra asteca para turquesa também denominava o fogo e o tempo.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2022, agosto 17). A Turquesa na Mesoamérica [Turquoise in Mesoamerica]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2053/a-turquesa-na-mesoamerica/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "A Turquesa na Mesoamérica." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação agosto 17, 2022. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2053/a-turquesa-na-mesoamerica/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "A Turquesa na Mesoamérica." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 17 ago 2022. Web. 21 dez 2024.