A obsidiana é um vidro vulcânico escuro com o gume mais afiado encontrado na natureza. As culturas da antiga mesoamérica tinham grande apreço por suas propriedades, tornando-a um produto amplamente comercializado em toda a região. Utilizava-se a obsidiana para criar ferramentas, armas e, quando polida, como espelhos, além de aparecer como ornamento decorativo em quase tudo, desde joias até máscaras rituais.
Propriedades e Comércio
A obsidiana (nome químico: dióxido de silicone) é um tipo de vidro vulcânico que ocorre quando a lava quente esfria e solidifica tão rápido que não há tempo para a formação de cristais. Compõe-se de uma grande variedade de combinações químicas, em sua maior parte baseadas em sílica. Sua cor é geralmente negra, mas pode aparecer em vários tons, tais como negro-azulado, azul-esverdeado, castanho-avermelhado e, muito mais claras, as esverdeadas. As variações de cor acontecem devido à presença de minerais como a hematita ou minúsculas bolhas de gás. Também pode ocorrer com grãos brancos de cristobalita (obsidiana flocos de neve).
A respeito da relativa abundância desta matéria-prima, as peças trabalhadas de obsidiana eram muito apreciadas por todas as culturas mesoamericanas, dos olmecas aos astecas (ou mexicas), tornando-a uma das primeiras e mais corriqueiras mercadorias comercializadas. O gume ultra-afiado proporcionado pela obsidiana cuidadosamente trabalhada, tão cortante quando as navalhas atuais (de fato, alguns procedimentos cirúrgicos modernos fazem uso de bisturis com gumes desta pedra) a fizeram particularmente valorizada. Ela é facilmente trabalhada com golpes de pedras mais resistentes, que removem lascas ao longo de fraturas concoidais (com a aparência de conchas). Seu uso em armas e ferramentas de vários tipos levou o historiador M. E. Miller a descrever a obsidiana como "'o aço' do Novo Mundo" (11). O material também era apreciado por sua textura macia e o incomum brilho vítreo escuro quando polida, um processo no qual geralmente se empregava areia abrasiva.
A exemplo de outros materiais valiosos, como o jade e a turquesa na Mesoamérica, as variedades incomuns de obsidiana eram as mais valorizadas. Um tipo raro, de cor verde-oliva, era extraído das minas de Sierra de las Navajas [Serra das Navalhas] em Pachuca e vizinha a Tula (ou Tollán), que acabou se transformando num dos principais centros de comércio de obsidiana. Tula sediava a capital da civilização tolteca, que floresceu no México central entre o século X e meados do século XII. O número de oficinas de obsidiana em Tula levou os historiadores a estimar que cerca de 40% da população total da cidade - por volta de 30-40.000 pessoas -, engajava-se nesta atividade para atender tanto as necessidades locais quanto o comércio.
O comércio mesoamericano de obsidiana, no entanto, retroage a muito antes dos toltecas, com evidências que remontam ao segundo milênio a.C., durante o período chamado com frequência de Formativo Inicial. Os maiores depósitos deste material, além de Pachuca, ocorriam nos planaltos de Jalisco (México centro-ocidental) e da Guatemala (El Chayal e San Luis Jilotepeque). Destas jazidas no planalto, a obsidiana era transportada por via fluvial para outras regiões. Nem sempre as elites ou cidades-estado conduziam o comércio; os próprios artesãos por vezes conseguiam obter a pedra bruta, como pode ser visto em locais como Xochicalco, que floresceu entre c. 700 e c. 900 d.C.. Por outro lado, sabemos que em alguns sítios contemporâneos no México ocidental (os vales de Tequilla), a fabricação de joias de obsidiana era controlada pela elite governante e que, nos vizinhos povoados tarascanos, o estado controlava a produção de lâminas de obsidiana. Claramente, havia uma divisão de valor e controle entre a pedra bruta e os artigos manufaturados, em geral associados com o poder, como, por exemplo, as joias da elite e as armas.
Usos
Inicialmente, a obsidiana bruta era trabalhada no formato de cones multifacetados, a partir do qual separavam-se com mais facilidade múltiplas lâminas ou cacos. O gume da obsidiana supera todos os materiais, mas ela tem o defeito fatal de se quebrar facilmente. Teotihuacan, no México central, estava no seu auge a partir de 375 até 500 d.C. e, de lá, as lâminas trabalhadas de obsidiana eram usadas para vários tipos de armas e ferramentas, como explica o historiador D. M. Carballo:
Os soldados de Teotihuacan equipavam-se com dardos com pontas de obsidiana, lanças curtas atiradas com um atlatl ou atirador de lanças, facas de obsidiana e porretes de madeira. No interior da cidade, algumas oficinas de obsidiana localizavam-se em complexos de apartamentos onde se fabricavam principalmente ferramentas, enquanto que ao menos uma delas, localizada próxima à Pirâmide da Lua, especializava-se na produção de armas (pontas de dardos e facas), bem como itens cerimoniais utilizados como oferendas sagradas e exportadas para locais tão distantes quanto certas cidades maias. As oficinas domésticas parecem ter sido organizadas como um comércio independente, a cargo de famílias estendidas, mas, na oficina do distrito da Pirâmide da Lua, a supervisão ficaria a cargo de funcionários estatais e as armas seriam estocadas em armazéns do estado. (41)
Efígies de obsidiana foram escavadas em Teotihuacan, tanto de humanos quanto de animais, especialmente serpentes. Esculturas e altos-relevos de divindades da cidade frequentemente eram incrustadas com obsidiana, geralmente reservadas para características como os olhos, tórax e joias. O negro e a obsidiana estavam associados à noite, à morte e ao submundo, vindo daí a utilização deste material em itens funerários. Um exemplo é a tampa de obsidiana de uma espetacular urna de travertino, contendo os restos cremados de um único homem, descoberta na base do Templo Maior em Tenochtitlán (atual Cidade do México). Os restos mortais podem ter pertencido a um governante dos astecas, a última grande civilização mesoamericana.
Como uma pedra semipreciosa, a obsidiana polida era usada na joalheria da elite social mesoamericana. Em contas ou incrustações, podia ser encontrada em colares, braceletes, tornozeleiras, anéis, adereços de orelhas, piercings labiais e como elementos em peças maiores, como cintos, peitorais e adornos de cabeça. Os artífices de Tula, cuja habilidade tornou-se lendária entre os astecas que vieram depois, conseguiam fazer joias extremamente finas com obsidiana, com frequência recoberta com materiais mais preciosos, como ouro ou turquesa.
Os astecas, como seus predecessores na região, utilizavam a obsidiana (que denominavam itztli) para armas, tais como lâminas para facas, pontas de flechas, lanças ou dardos e cabeças de machados. Uma arma específica dos astecas combinava a espada e o porrete, conhecida como macuahuitl. No formato de um longo remo de madeira, as lâminas trabalhadas de obsidiana eram inseridas de ambos os lados ao longo de seu cumprimento. As lâminas de obsidiana deviam causar ferimentos terríveis e não é se espantar que os guerreiros mesoamericanos tomassem medidas para se proteger. Usavam-se escudos redondos de madeira ou cana reforçado com couro (chimalli) e às vezes elmos de couro. Também costumavam vestir uma armadura corporal (ichcahuipilli), feita de algodão acolchoado e umedecida com água salgada para torná-la mais rígida e resistente aos golpes inimigos. Esta armadura era tão efetiva que até os conquistadores espanhóis a usavam nos combates com exércitos indígenas que portassem armas de obsidiana.
Associações Sagradas
Ao longo de toda a história da Mesoamérica, utilizou-se a obsidiana altamente polida para criar espelhos, ainda que outros materiais também fossem empregados, tais como a pirita. Os espelhos recebiam molduras de madeira ou uma borda externa de plumas exóticas, além de perfurações para que cordões pudessem ser passados através deles. Além de servir para checar a aparência, os espelhos em si recebiam propriedades especiais. Acreditava-se que o deus asteca e tolteca Tezcatlipoca fosse uma personificação exata de um espelho de obsidiana polida; de fato, seu nome na linguagem náuatle significa "Espelho Fumegante" (as propriedades reflexivas do fogo com fumaça eram com frequência comparadas com os espelhos). Tezcatlipoca, um deus da criação, trazia tanto o bem quanto o mal. Como representava a dualidade da mudança através do conflito, um espelho era um emblema adequado para ele, com sua superfície que refletia o real. De forma semelhante, a onipresença divina deste deus estava bem exemplificada pelo espelho que via tudo e buscava a verdade. Acreditava-se que o deus considerava a humanidade somente como um reflexo em seu espelho, um símbolo da mortalidade humana. Conforme as crenças mesoamericanas, Tezcatlipoca usaria seu espelho de duas faces não somente para adivinhar o futuro, mas também para "revelar a verdadeira natureza das coisas, incluindo a alma de alguém" (Carballo, 179). É interessante notar que existem exemplos de espelhos de obsidiana que sobreviveram com polimento em ambos os lados, talvez uma imitação do espelho mágico da divindade. Representações de Tezcatlipoca na arte frequentemente o mostram com um espelho de obsidiana na parte de trás da cabeça, nas têmporas ou até substituindo um dos pés.
As ferramentas de obsidiana exerciam um importante papel em rituais comuns das culturas da Mesoamérica, como a sangria ritual. Uma forma suave de autossacrifício, a sangria imitava a atitude dos deuses no momento da criação da humanidade. Costumava-se sepultar as ferramentas de obsidiana para a sangria em tumbas junto com os falecidos, tanto homens quanto mulheres.
A obsidiana aparecia nos sistemas de escrita. Por exemplo, representava-se a cidade de Itzteyocan com uma combinação de uma rua, uma pedra e uma lâmina de obsidiana negra. Ela também era usada como um material onde escrever ou gravar deuses, símbolos e padrões. Várias peças escavadas debaixo de uma estela na cidade maia de Tikal, na Guatemala, parecem ter sido gravadas para representar deuses específicos. O sepultamento de peças de obsidiana com gravações embaixo de estelas não é exclusivo de Tikal e aparece por toda a área central maia.
Os maias cakchiquel comunicavam-se com uma pedra sagrada de obsidiana, talvez considerada como um oráculo, e que eles denominavam Chay Abah. O historiador M. Miller sugere que a Chay Abah pode ter sido um espelho polido. Os xamãs também empregavam espelhos – seja na forma de tigelas de água ou de materiais polidos, como a obsidiana – para ver tanto o passado quanto o futuro e para se comunicar com os mortos. Acreditava-se em muitas culturas mesoamericanas que um espelho – porque se podia olhar dentro, mas não através dele –, de alguma forma, seria um portal para o mundo espiritual. Assim como os deuses observavam a humanidade através dos reflexos dos espelhos, assim também os humanos com poderes especiais e, particularmente, os líderes comunitários poderiam vislumbrar as divindades refletidas e, assim, ter indicações sobre o que planejavam para o futuro.
O poder de um espelho de obsidiana em revelar o futuro faz parte de uma lenda envolvendo o último governante verdadeiro dos astecas, Motecuhzoma II (ou Montezuma, r. 1502-1520). Pescadores locais apareceram certo dia com um pássaro extraordinário, semelhante a uma garça, mas com um espelho em sua cabeça. A curiosidade foi devidamente presenteada a Motecuhzoma e, quando ele olhou no espelho, foi surpreendido por ver num relance um céu estrelado e então vários guerreiros cavalgando cervos. Se estes guerreiros representavam conquistadores espanhóis a cavalo (um animal até então desconhecido na Mesoamérica), algum outro evento futuro e se esta visão realmente ocorreu ou se trata de um exemplo da história escrita após o evento não podemos saber, mas, pelo menos, revela os poderes que os mesoamericanos davam aos seus espelhos altamente polidos de obsidiana. De fato, os espelhos em geral, de obsidiana ou outros materiais, eram considerados itens tão valiosos e significativos que serviam como joias ou símbolos de status, particularmente pelos governantes, e isso pode explicar por que os pescadores estavam tão ansiosos em presentear Motecuhzoma com o "pássaro-espelho".
Parece que o apelo da obsidiana trabalhada ultrapassou as fronteiras e conquistou governantes estrangeiros, já que Filipe II da Espanha (r. 1556-1598) parece ter tido vários espelhos mesoamericanos de obsidiana. A reverência dada a estes espelhos trouxe um desafio para os religiosos espanhóis na Nova Espanha (como a região se tornou conhecida), o que talvez explique por que toleravam que os mexicanos convertidos os acrescentassem às cruzes nos átrios e em torno das igrejas coloniais. Algumas destas cruzes sobreviveram até os dias atuais, ainda ostentando seus espelhos de obsidiana.