As Mercadorias da Companhia das Índias Orientais

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 29 setembro 2022
Disponível noutras línguas: Inglês, Chinês, francês, espanhol
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A Companhia das Índias Orientais (EIC, sigla originada do nome em inglês, East India Company) foi criada na Inglaterra em 1600 e passou a controlar tanto o comércio quanto territórios na Índia, bem como exercer o monopólio comercial na China. As mercadorias que a EIC comercializava incluíam especiarias, tecidos de algodão e ópio, em quantidades tão grandes que deixaram seus investidores imensamente ricos, provocaram guerras com os competidores e alteraram práticas culturais em todo o mundo.

O Comércio Triangular

A Companhia das Índias Orientais foi fundada para se tornar a representante comercial da Coroa Britânica em qualquer lugar a leste do Cabo da Boa Esperança. Com a Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC) monopolizando o comércio de especiarias na Indonésia, a EIC voltou-se então para a Índia e depois para a China. No início do século XVII, a companhia inglesa instalou um centro de comércio, ou “fábrica” em Surat, com apoio do imperador Mogol (ou Mughal). Mais centros foram estabelecidos ao longo do século: Masulipatam (atual Machilipatnam) e Madras (1640), Hugli (1658), Calcutá (Kolkata, 1690) e Bombaim (Mumbai, 1668).

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The East India Company Trade, c. 1800
O Comércio da Companhia das Índias Orientais, por volta de 1800
Simeon Netchev (CC BY-NC-ND)

Esta rede de núcleos comerciais permitiu à EIC desenvolver o que ficou conhecido como “comércio triangular”. Ele consistia na troca de metais preciosos (ouro ou prata) por produtos feitos na Índia (principalmente têxteis), que a seguir seriam vendidos nas Índias Orientais em troca de especiarias. Enviavam-se as especiarias (especialmente pimenta, cultivada tanto na Indonésia quanto na Índia) para Londres, onde os preços eram altos o suficiente para gerar lucro em relação ao investimento original em metais preciosos. A EIC expandiu seus interesses até a China, onde a exportação de ópio indiano estava em alta demanda (ainda que proibida pelas autoridades chinesas). Trocava-se o ópio por chá, que por sua vez era despachado para a Inglaterra e suas colônias na América do Norte. Porém, os navios da companhia, conhecidos como East Indiamen, transportavam muitas outras mercadorias.

A EIC desfrutou do monopólio comercial com a Índia até 1813 e com a China até 1833. Os bons tempos para a companhia duraram até 1858, quando a Coroa Britânica assumiu o controle total de seus territórios na Índia, iniciando o que se denominou popularmente como British Raj (Governo Britânico).

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As principais mercadorias comercializadas pela Companhia das Índias Orientais eram:

  • Tecidos de algodão indianos
  • Chá chinês
  • Ópio indiano
  • Especiarias (por exemplo, pimenta, cravo-da-índia, noz-moscada, canela e macis)
  • Ouro
  • Prata
  • Metais não preciosos (por exemplo, estanho, cobre, chumbo e ferro)
  • Seda chinesa e persa
  • Índigo
  • Café
  • Sal
  • Salitre (para pólvora)
  • Porcelana Chinesa
  • Lã inglesa
  • Tecidos de algodão ingleses
  • Tapetes
  • Açúcar
  • Escravos

Especiarias, Índigo e Algodão

A companhia comercializava especiarias quando conseguia obtê-las, mas o monopólio holandês neste setor e sua origem na Indonésia significava que as oportunidades eram limitadas até que as plantações se espalharam pelo subcontinente indiano. A pimenta cultivada na Índia foi a primeira fonte de lucros expressivos da EIC, que exportava cerca de 40 toneladas de pimenta por ano no final do século XVII.

Britannia Receiving the Riches of the East
Britânia Recebendo as Riquezas do Leste
Spyridon Romas (Public Domain)

O índigo contava-se entre os itens mais lucrativos. Adquirido de plantações tradicionais e tintureiros em lugares como Sarkhej e Bayana, na Índia setentrional, a fabricação do corante requeria um processo longo e trabalhoso. O produto final, na forma de bolos secos armazenados em barris, destinava-se à Inglaterra, onde seria utilizado para colorir tecidos.

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Por volta de 1830, a EIC importava para a Inglaterra 13,6 mil toneladas de chá por ano.

No século XVIII, a companhia alterou sua estratégia para tecidos prontos, novamente usando centros manufatureiros estabelecidos e assumindo e expandindo a produção já existente. Em alguns casos, os artesãos vinham para a Inglaterra para modernizar a produção. Os têxteis perfaziam cerca de 70% do total de exportações da EIC por volta de 1850. A maior parte compunha-se de calico [morim], um tipo de tecido de algodão barato com diferentes variedades. Inicialmente, as classes mais pobres vestiam calico, especialmente chintz (algodão estampado), mas logo todos o adotaram por ser leve e fácil de lavar. A musselina de Bengala, outro tipo de tecido de algodão, também se tornou especialmente popular. Ao longo do século XVII, a quantidade de peças de algodão comercializada pela EIC disparou de cerca de 5.000 em 1613 para 1,4 milhão em 1694. Por volta do século XVIII, usava-se o algodão não somente para a fabricação de roupas mas também em lençóis, cortinas e colchas. Na África Ocidental, os têxteis indianos começaram a ser trocados por escravos enviados para as plantações inglesas nas Índias Ocidentais. Outra rota de tráfico humano transportava trabalhadores por servidão e condenados da Índia para as possessões da EIC na Malásia, particularmente Singapura.

Chá

As exportações de chá da companhia aumentaram progressivamente de apenas 0,03% do total de produtos comercializados em 1670 para 1,13% em 1700, elevando-se para 10,22% em 1740. As mercadorias da Índia dominaram durante o século XVIII, mas os produtos chineses começaram a marcar presença e alcançaram mais de 12% do total das transações da companhia em meados do século XVIII. Por volta de 1830, a EIC importava anualmente para a Grã-Bretanha 13,6 mil toneladas de chá. O grande problema da companhia, a exemplo de qualquer commodity popular difícil de obter, era como adquirir quantidades maiores. O chá estava disponível somente na China (as primeiras plantações de chá indianas foram estabelecidas em Assam somente em 1840). Os chineses não se interessavam por produtos europeus (com exceção de pequenas quantidades de coral, marfim e mercúrio, além de produtos manufaturados complexos, como relógios) e só aceitavam barras de prata para aquisições por atacado. A resposta foi combinar dois mercados com imensas demandas e pagar pelo chá chinês com ópio indiano.

East Indiamen in a Gale
East Indiamen numa Tempestade
Charles Brooking (Public Domain)

Ópio

Infelizmente para a EIC, as autoridades chinesas em Cantão (Guangzhou), onde se localizava o maior centro da companhia no país, proibiram a importação de ópio em Dezembro de 1799. Foram motivados pelos terríveis efeitos físicos da substância nos usuários, que rapidamente se viciavam e passavam a roubar para satisfazer sua ânsia. A EIC não se importava com as vítimas ou as autoridades e passou a contrabandear para a China vastas quantidades de ópio de primeira qualidade, proveniente de Patna e Benares, na Índia setentrional (e mais tarde também de Malwa, na Índia ocidental). Os números cresceram de forma impressionante, indo de 4.000 caixas contrabandeadas em 1800 para mais de 40.000 por ano em 1839. O ópio era um grande negócio e os números de exportação continuaram a crescer. A companhia não contrabandeava diretamente a droga para a China, mas concedia licenças a mercadores para enviá-lo para Cantão, onde seriam pagos por sua carga ilícita com prata. A quantidade de prata requerida para estas transações tornou-se uma grande fonte de preocupação na Inglaterra. Muitos pensavam que a EIC estava exaurindo as reservas de prata da nação apenas para que a população pudesse encher suas veias com chá, uma transação que, em termos econômicos, não fazia bem a ninguém com exceção dos acionistas monopolistas da companhia. A continuação deste comércio sombrio pela empresa eventualmente levaria a uma guerra entre a Grã-Bretanha e a China, a Primeira Guerra do Ópio de 1839.

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Consequências: Guerras, Tecelagens e Xícaras de Chá

A consequência imediata deste volume de comércio veio na forma de enormes lucros para os acionistas da Companhia das Índias Orientais. Investidores de grande e pequeno portes, britânicos e estrangeiros, passaram a ver a EIC como um lugar seguro para investir seu dinheiro, fato apoiado por um grande número de viúvas que colocavam suas economias na companhia para receber uma renda regular através dos dividendos. O comércio conduzido pela EIC, particularmente a prata levada da Europa para a Ásia, ajudou os governantes do Império Mogol e os estados principescos indianos a manter seus domínios. A EIC também foi responsável pelo florescente comércio de portos como Mumbai, Singapura e Cantão, que até hoje permanecem como núcleos destacados do comércio mundial. As oportunidades proporcionadas pelos negócios da companhia para artesãos e trabalhadores resultaram numa migração massiva de pessoas para as regiões costeiras, provenientes do interior, que permaneceu pouco afetado pelo movimento comercial zunindo através dos oceanos.

Num segunda consequência, a EIC tornou-se rica o suficiente para financiar seus próprios exércitos. Os exércitos da Companhia das Índias Orientais chegaram a empregar bem mais do que 200.000 homens, facilmente a maior força militar no Sul e Sudeste da Ásia. Estas forças permitiram à companhia expandir não somente suas redes comerciais, mas também os territórios que controlava a partir de meados do século XVIII. Através da conquista militar, tratados e subterfúgios, a EIC logo se transformou num verdadeiro estado separado. Os cofres da companhia estavam cheios pelo comércio cuidadosamente controlado através de seus monopólios, mas foram enriquecidos ainda mais pela cobrança de aluguel de terras, que financiaram novos ciclos de expansão. Os estados principescos indianos foram tragados e, ainda assim, mais território acabou sendo conquistado através de episódios como a vitória de Robert Clive, em Junho de 1757, na batalha de Plassey, contra as forças do Nawab de Bengala. Novos territórios vieram após as Quatro Guerras Anglo-Misore (1767-99) e as duas Guerras Anglo-Sikh (1845-49). A companhia precisava defender seus interesses, inclusive a proteção de seus navios e portos, dos rivais europeus - especialmente a Companhia Holandesa das Índias Orientais, fundada em 1602, e a Companhia Francesa das Índias Orientais (1664). Com tais competidores, não é de se surpreender que a EIC gastasse, ao final do século XVIII, metade de seus rendimentos em pessoal militar e equipamentos.

Opium Warehouse of the East India Company
Armazém de Ópio da Companhia das Índias Orientais
Wellcome Images (CC BY)

Uma terceira consequência foi o impacto nas indústrias tradicionais. A EIC importava tanto algodão da Índia e seda chinesa para a Grã-Bretanha que a envelhecida indústria de lã começou a sofrer com a competição. Pessoas de todas as classes começaram a usar mais algodão. Pior ainda, ninguém queria lã na Índia e, assim, a indústria do setor sofreu tal declínio que se aprovaram leis para protegê-la, como proibir o sepultamento de cadáveres com vestimentas de quaisquer outros tecidos. Outras medidas, como a elevação das taxas de importação e a proibição completa de roupas acabadas, tiveram apenas sucesso parcial. A moda do algodão tinha vindo para ficar e, para satisfazer à demanda, os empreendedores britânicos instalaram suas próprias tecelagens para fabricação destes tecidos, os quais terminaram eventualmente sendo exportados para a própria Índia, prejudicando seriamente a indústria têxtil local. Além do bem-estar da população, as paisagens indianas também sofreram. Plantações de chá, café e ópio causaram significativo desmatamento em áreas que nunca mais se recuperaram completamente.

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Outra consequência do sucesso comercial da EIC foram as mudanças culturais na Inglaterra e Índia. Nesta última, a companhia não se esforçou para encorajar a cristianização da população (como os espanhóis e portugueses haviam tentado em suas colônias), mas algumas vezes ocorreram iniciativas para coibir certas práticas culturais. O lorde William Bentinck (1774-1839), governador-geral da EIC a partir de 1828, decidiu abolir, de forma polêmica, o sati (ou suttee), o costume de sacrificar uma viúva hindu na pira funerária de seu falecido marido. Na Inglaterra, nesse meio tempo, as imensas importações de chá deixaram a bebida mais barata do que a cerveja. O açúcar começava a se tornar disponível devido às grandes plantações escravistas nas Américas e sua combinação com o chá ajudou a popularizar a bebida. As classes mais pobres gostavam dele porque era barato, suavemente estimulante e podia ser feito facilmente no local de trabalho. Os ricos o adotaram porque trazia uma desculpa para encontros e conversação onde se poderia exibir porcelanas finas enquanto a bebida era feita e consumida. Até mesmo nas colônias britânicas o consumo do chá se popularizou. Os manifestantes da Festa do Chá de Boston, na América do Norte, em 1773, estavam indignados com a cobrança de impostos sobre o produto quando as taxas de importação foram reduzidas e, assim, despejaram caixas de chá na baía.

A porcelana e outros produtos provenientes da China, desde móveis até telas de seda, foram importadas em tais quantidades que, no século XIX, a Grã-Bretanha tinha sido capturada pela mania tudo o que fosse chinês, o que levou ao desenvolvimento de estilos distintos na arte, indústria moveleira e arquitetura. Finalmente, em outro tipo de “importação” gerada pelas atividades da EIC, o vocabulário da língua inglesa acabou sendo enriquecido por novas palavras. Termos como "loot" [saque], a gíria hindustani para pilhagem ou despojos de guerra; "cash" [dinheiro vivo], proveniente da palavra tamil para dinheiro; e "thug" [capanga], originada do termo hindi e marathi para a trapaça e usada para denominar gangues que roubavam viajantes, tornaram-se termos comumente utilizados e permanecem como tal até os dias atuais.

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Perguntas e respostas

Com quais países a Companhia das Índias Orientais fazia negócios?

A Companhia das Índias Orientais comercializava com a Índia, China e Grã-Bretanha, entre muitos outros países.

O que fez a Companhia das Índias Orientais a promover o comércio com a China?

A Companhia das Índias Orientais trocava ópio por chá chinês.

Quais especiarias a Companhia das Índias Orientais comercializava?

A Companhia das Índias Orientais comercializava muitas especiarias, mas principalmente pimenta cultivada na Índia.

Como a Companhia das Índias Orientais protegia seus negócios?

A Companhia das Índias Orientais protegia seus negócios criando um grande exército e armando seus navios com canhões. Estas forças permitiram a proteção de seu monopólio com a Índia e China.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2022, setembro 29). As Mercadorias da Companhia das Índias Orientais [Trade Goods of the East India Company]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2078/as-mercadorias-da-companhia-das-indias-orientais/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "As Mercadorias da Companhia das Índias Orientais." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação setembro 29, 2022. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2078/as-mercadorias-da-companhia-das-indias-orientais/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "As Mercadorias da Companhia das Índias Orientais." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 29 set 2022. Web. 20 nov 2024.