A Lei de 1905 de Separação da Igreja e do Estado foi promulgada como o culminar de décadas de conflito entre monárquicos e Republicanos anti-clericais que consideravam o Criatianismo um obstáculo permanente ao desenvolvimento social da República. A lei revogou a Concordata de 1801 entre Napoleão e o Vaticano, retirou o estatuto oficial à Igreja Católica, e declarou a neutralidade do estado em assuntos religiosos.
A luta religiosa em França
No seguimento da Reforma Protestante do século 16, França passou por uma interminável controvérsia religiosa e guerras religiosas.Muitos acreditavam que uma sociedade melhor seria constituida sobre uma base que excluia religião e autoridade divina. A Concordata Napoleónica de 1801 com o Vaticano era um passo em frente para a estabilidade social e reconhecia a legitimidade de outras manifestações religiosas conjuntamente com a Igreja Católica. Embora já não se verificassem guerras religiosas, em breve se levantaram vozes exigindo o fim da Concordata, a separação da Igreja e do Estado, e uma nação secular baseada em princípios revolucionários.
No fim do século 19, a luta pela secularização de França acelerou, e tornou-se necessário tomar um passo decisivo. Em 1901 a Lei das Associações colocou sob o controle do Estado a autorização das ordens docentes Católicas. A influência da Igreja Católica na educação enfraqueceu e estava aberto o caminho para a Lei de 1905, de Separação da Igreja e do Estado. A Lei de 1905, preparada num clima efervescente, foi precedida pela ruptura das relações diplomáticas com a Santa Sé que tornou impossível a manutenção do status quo da Concordata. A situação das instituições eclesiásticas por toda a França sofreu uma alteração total. Muitas vezes apresentada como um acordo, a lei foi um acto de força que revogou a convenção diplomática de 1801. Em troca de uma independência que a Igreja Católica não procurava, a lei privava a Igreja do seu património e retirava os subsídios estatais para salários no ensino.
Prelúdio para a separação
Acontecimentos no inverno de 1904 contribuíram para a ruptura das relações entre França e a Santa Sé. A ruptura teve como causa a viagem a Roma planeada pelo Presidente Émile Loubet (v.1838-1929). Circulavam rumores e havia discussões sobre se o presidente iria solicitar um encontro com o Papa Pio X (v.1835-1914) que era mais tradicional e inflexível do que o seu predecessor Papa Leão XIII (v.1810-1903). O presidente inicialmente manifestou a sua intenção de solicitar uma audiência com o papa. Pio, contudo, associou qualquer visita à necessidade de discutir a expropriação de territórios do Vaticano entre 1860 e 1870 pelo governo Italiano que levaram sucessivos papas a considerarem-se prisioneiros no Vaticano. Em Março de 1904 o Papa dirigiu-se aos cardiais no Vaticano e criticou o governo Francês. Um impasse surgiu entre a França e o Vaticano, que em breve se agravou devido à viagem do presidente que agora excluía qualquer audiência com o papa.
A viagem do presidente a Nápoles e Roma, em Itália, teve lugar em Abril de 1904 quando ele se encontrou com o Rei Victor-Emmanuel III (v.1869-1947). Juntos, da varanda do palácio, receberam a aclamação da multidão. O Vaticano considerou ofensiva a rejeição presidencial e indicou que seria apresentado um protesto contra a visita do presidente. Três semanas após a viagem do presidente Loubet a Itália, Roma enviou uma carta a governos estrangeiros, através dos seus representantes diplomáticos, referente à visita do presidente Francês a Roma. A carta poderia ter permanecido como um assunto entre diplomatas se Jean Jaurés (v.-1859-1914) não tivesse obtido uma cópia que publicou no jornal L’Humanité em 17 de Maio de 1904. A revelação pública desta carta teve como consequência o chamamento do embaixador Francês na Santa Sé, passo maior no sentido da ruptura das relações diplomáticas. A carta do papa revelava que ele considerou a viagem a Roma do presidente Francês e a visita ao Rei Victor-Emmanuel lII um incidente sério que lhe causou grande ofensa pessoal. Ele recordou aos seus leitores que os chefes de Estado Católicos têm laços especiais com o papa e que os chefes de governo devem manifestar para com ele o mesmo respeito que concedem aos soberanos de Estados não-Católicos.
As críticas do papa ao presidente Francês e as acusações de hostilidade em relação ao Vaticano não ficaram sem resposta. Jaurés contestou que a carta era uma provocação insolente tanto para França como para Itália. Do seu ponto de vista, o papa não hesitara em acusar a República Francesa e o seu presidente perante outros governos. Isto foi considerado uma declaração de guerra pelo papado à Itália moderna e à revolução. Em consequência, Jaurés considerou a necessidade de ruptura de relações diplomáticas entre França e o papado. Ele declarou que a completa emancipação de França, agora liberta de qualquer interferência política por parte da Igreja, surgia como uma necessidade nacional. Os políticos, especialmente os da extrema Esquerda, clamaram pelo fim imediato da Concordata na sequência da publicação da carta do papa. O conflito com o Vaticano revelou a incompatibilidade que existia entre a Igreja tradicional e o Estado democrático. Este incidente criou a oportunidade de libertar o estado de todas as influências religiosas.
Em 2 de Agosto de 1904, Jean Jaurés publicou um discurso no L’Humanité argumentando que a democracia e a secularização eram idênticas. Segundo ele, a democracia garante a liberdade completa e necessária para todas as consciências, para todas as crenças, e para todas as religiões. Nenhum dogma religioso, contudo, podia tornar-se a regra e a base da vida social. Em sua opinião, a democracia não precisa que nenhum recém-nascido pertença a uma confissão, não exige que os cidadãos pertençam a qualquer religião para garantirem os seus direitos, e não pergunta ao eleitor que religião ele ou ela professam. Concluiu que, se a democracia fosse fundada fora de qualquer sistema religioso, se a democracia fosse guiada sem intervenção dogmática ou sobrenatural, e se a democracia se desenvolvesse apenas a partir do progresso da consciência e da ciência, então a democracia seria secular na sua essência e na sua forma. O corolário para esta argumentação era que a educação deve ser construída em bases seculares. Mais tarde nesse mês, em 15 de Agosto, Jaurés publicou um artigo em La Depêche du Midi confirmando que já era tempo para que os problemas entre a Igreja e o Estado fossem finalmente resolvidos (Bruley, 153). Pela primeira vez foi apresentado um prazo, no início de 1905 para um voto sobre a separação. A separação não seria decidida até Dezembro de 1905, mas a orientação do governo e a urgência da acção tornaram-se claras.
Separação iminente
Um discurso considerado decisivo no movimento para a separação foi feito pelo Presidente do Conselho Émile Combes (v.1835-1921) em Setembro de 1904. Declarou que as autoridades religiosas tinham esfarrapado a Concordata e que não era sua intenção remendá-la. O seu entendimento do sistema político implicava a subordinação de todas as instituições à supremacia do Estado republicano e secular, por outras palavras, a completa secularização da sociedade. Combes descreveu a oposição à República por parte de monárquicos, Bonapartistas, nacionalistas, e clérigos, sendo estes considerados os mais traiçoeiros e os que deviam ser mais temidos. A Lei das Associações de 1901 fora o primeiro passo para libertar a nação do controle religioso. No último século, de acordo com Combes, o Estado Francês e Igreja tinham vivido sob um regime da Concordata que nunca produzira os seus efeitos naturais e legais e que tinha sido apenas um instrumento de luta e domínio.
O governo Francês avisou o Vaticano das sérias consequências resultantes das contínuas violações da Concordata e exigiu ao Vaticano que confirmasse se se submeteria às obrigações da Concordata. Quando o governo não recebeu qualquer resposta, Combes informou o Vaticano que as relações diplomáticas estavam cortadas e expressou o seu desejo que a separação da Igreja e do Estado pudesse iniciar uma nova e duradoura era de harmonia social garantindo genuína liberdade às comunidades religiosas sob a incontestada soberania do Estado.
Oposição à Separação
Uma proposta provisória de separação foi adoptada pelo Conselho de Ministros do governo. Em resposta, o teólogo Protestante, Raoul Allier (v.1862-1939), escreveu uma série de artigos que tiveram grande impacto na formação da opinião pública e se tornaram numa importante fonte na história da separação. Os Protestantes consideravam o projecto prejudicial para as igrejas Protestantes, um projecto do qual resultaria uma nova onda de perseguições. Dois rabinos Judeus contribuíram com as suas perspectivas acerca do documento apresentado. O Rabino Zadoc Kahn (v.1839-1905), manifestou a sua reserva sobre o terminar da Concordata, receando que iria ameaçar a unidade nacional. O Rabino J. Lehmann (v.1843-1917), director do seminário Judeu, manifestou a sua preocupação pelas estruturas religiosas e as tradições religiosas. Com apenas 100.000 praticantes Judeus em França e nos territórios Franceses, foi expresso o desejo de continuar a viver pacificamente como uma religião minoritária sob as leis em vigor.
Albert de Mun (v.1841-1914), um deputado anti-Republicano, opôs-se vigorosamente à separação da Igreja e do Estado. Como Católico, considerava e lei proposta contrária aos ensinamentos da Igreja. Como Francês, considerava estar a lei em absoluta oposição a todas as tradições da antiga nação Católica e destinada a conduzir a nação a um declínio interior e exterior. Havia o receio que a separação levasse à perseguição contra a religião Católica, que já tinha sofrido bastante com o encerramento compulsivo das ordens de ensino religiosas. Previa-se uma guerra religiosa como consequência da lei e por fim, o Estado e a Igreja teriam que celebrar novo acordo. Entretanto, Mun exortou os Católicos a permanecerem firmes e a começarem os preparativos para os sacrifícios exigidos numa separação que era descrita como uma «miragem de liberdade» (Mun, 64). O bispo de Nancy, Monsenhor Turinaz (v.1838-1918), explicou as razões pelas quais a Igreja devia lutar contra o projecto de separação. O bispo receava que o Estado se apoderasse da propriedade da Igreja sem pagar indemnização. Afirmou que a forma de governo não era importante para ele e que ele não culpava a República. A sua oposição era em relação aos decretos e acções governamentais feitas em nome da República.
Apoio para a Separação
Paul Lafargue (v. 1842-1911), genro de Karl Marx, apoiou a revogação da concordata e a proposta de separação da Igreja e do Estado. Ele acreditava que a Igreja seria abalada tanto no seu prestígio como economicamente. Refutou a ideia que os subsídios do Estado para as instituições religiosas e os salários para o clero eram a dívida da nação para com o clero devido à confiscação de propriedades e bens durante a Revolução. Lafargue afirmava que não tinha sido a nação, mas a burguesia que tinham parcelado e confiscado para eles próprios as terras da Igreja e que a burguesia revolucionária, ao tomar posse da propriedade do clero, apenas tinha roubado os ladrões. O Cristianismo era descrito como uma doença genética que a burguesia trazia no seu sangue. Lamentava que os revolucionários de 1789, no ardor da batalha, tivessem feito muito rapidamente pressão na sua promessa de descristianizar a França, e a burguesia saira vitoriosa.
Anatole France (v.1844-1914) publicou A Igreja e a República em Janeiro de 1905 na época em que o Parlamento estava a iniciar as suas deliberações sobre o projecto de separação. No capítulo oitavo levantou e respondeu afirmativamente à questão, «O Estado deve separar-se da Igreja?»(France,91-100). Argumentou-se que o progresso da civilização nas nações exigia uma clara distinção entre as esferas civil e religiosa. A Concordata era vista como um perigo para o Estado. Ele narrou uma história da sua infância quando foi questionado sobre a sua religião para um censo. France respondeu inicialmente que não pertencia a qualquer religião. O agente do censo insistiu que ele tinha que escolher uma religião qualquer para que o formulário ficasse completo. Quando France anunciou que era Budista, o perplexo agente disse que só havia três opções de escolha e que o Budismo não estava em nenhuma delas. Para France, esta resposta indicou que o Estado só reconhece três formas do divino e considerou injusto que os cidadãos tivessem que subscrever uma religião que não praticavam. Na realidade, «devido à Concordata, o Estado secular acreditava e professava a religião Católica Apostólica Romana» (99).
Separação Votada
Émile Combes demitiu-se em Janeiro de 1905 e não conseguiu ver o seu projecto de separação ser levado a termo. Foi formado novo governo chefiado por Maurice Rouvier (v. 1842-1911) e continuou a caminhada para a separação. A comissão escutou as diferentes opiniões sobre a separação na procura das soluções mais adequadas, no sentido de conferir todas as liberdades e competência compatíveis com os direitos do Estado e a preservação da ordem pública. Uma vez que o Vaticano se opunha a qualquer reforma ou mudança no estatuto da Igreja Católica em França, foi dado um considerável e muitas vezes decisivo poder para agir a sociólogos, Judeus e, especialmente, Protestantes. Os Protestantes estavam na vanguarda dos esforços de luta em nome de todas as igrejas. Eles empreenderam a tarefa de militar por uma lei que fosse tão sábia e liberal quanto possível.
Em 6 de Dezembro de 1905, Combes, na altura um senador da Charente-Inferior, falou pela esquerda democrática, exprimindo a sua decisão de votar pela lei tal como recebida pela Câmara a fim de a aplicação da lei entrar em vigor em Janeiro de 1906. O Senado procedeu à votação e aprovou a lei com 181 votos a favor e 102 contra. Foi proposta uma emenda para alterar o título da lei, que foi rejeitada. Conservou-se o título original: «Lei de 9 de Dezembro de 1905 respeitante à separação das Igrejas e do Estado» e continha originalmente 44 artigos. A Lei da Separação foi assinada pelo Presidente Loubet em 9 de Dezembro de 1905. O artigo segundo estabelecia que o Estado não reconhece nem subsidia qualquer religião excepto os capelães em instituições públicas. Os artigos seguintes tratavam das disposições e distribuição das propriedades religiosas para associações e para o Estado.
Embora a Lei da Separação tivesse resolvido juridicamente a questão religiosa, os problemas religiosos não desapareceram. A aplicação da lei levantou problemas não previsíveis, diversas interpretações, e não terminou a desavença entre a Igreja Católica e o Estado. A maioria dos cidadãos Franceses permaneceram Católicos Romanos, pelo menos de nome e por tradição. A lei não foi negociada com a Igreja Católica e foi entendida como um movimento agressivo contra a Igreja. Os Protestantes acolheram maioritariamente a Lei da Separação, que os colocou legalmente ao mesmo nível da Igreja Católica.
Conclusão
O século 20 trouxe desafios à Lei da Separação, modificações da lei, e novas leis para clarificarem a própria lei de 1905. Após vários anos, a Igreja Católica aceitou e adaptou-se ao seu novo estatuto. Não havia qualquer regresso à antiga situação. A batalha por um Estado secular fora ganha. A Igreja Católica nunca mais partilharia o poder com o Estado. Os dirigentes nunca mais governariam por direito divino. Dominique de Villepin (v.1953 -), antigo Primeiro Ministro de frança (2005-2007), resumiu a importância da Lei da Separação:
O longo caminho que levou à separação da Igreja e do Estado decorre directamente da filosofia inspiradora dos direitos do homem de 1789…Um princípio está no centro da Lei de 1905 – Liberdade. A lei estabeleceu uma linha directa entre a sociedade secular e os ideais revolucionários consagrados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Nunca mais qualquer religião poderia exercer influência nas decisões do Estado. (Villepin, 8).