As ferrovias foram provavelmente o elemento mais visível da Revolução Industrial para a maioria da população. Os trens movidos a vapor transportavam mercadorias e pessoas numa velocidade nunca vista, alcançando novos destinos e conectando empresas a novos mercados. Houve também consequências negativas, tais como o declínio de meios de transporte tradicionais, como as barcaças de canais e diligências, além do impacto no cenário intocado da área rural.
A Máquina a Vapor
A máquina a vapor representa talvez a mais importante invenção da Revolução Industrial e, sem ela, os trens rápidos não seriam possíveis. Em 1698, uma bomba movida a vapor foi inventada por Thomas Savery (c. 1650-1715). Em 1712, Thomas Newcomen (1664-1729) ajustou o projeto de Savery e aumentou bastante a potência da máquina. James Watt (1736-1819) aperfeiçoou o projeto de Newcomen e, em 1778, havia reduzido de forma considerável o consumo de combustível da máquina a vapor. Engenheiros continuaram a aperfeiçoar o motor a vapor até que a pressão foi alta o suficiente para criar potência capaz de movimentar grandes pesos com uma quantidade mínima de combustível. Em 1801, Richard Trevithick (1771-1833) inventou o primeiro veículo movido a vapor. A máquina de Trevithick funcionava bem, mas o maior problema eram as más condições das estradas da época. O inventor resolveu o problema em 1803 ao fazer o veículo percorrer trilhos especialmente construídos para esta finalidade. A ideia de uma ferrovia movida a vapor tinha nascido.
Substituindo o Antigo
A força motriz por trás da Revolução Industrial eram os empreendimentos comerciais e a busca por lucro. No setor de transportes, uma fonte de energia nova em folha podia realmente mudar a forma como se faziam as coisas. Tradicionalmente, o transporte de grandes quantidades de mercadorias através da Grã-Bretanha acontecia por rios e canais. Os rios, obviamente, tinham limitações de destino, mas a construção de um sistema de canais passou a conectar especificamente os grandes centros urbanos. As barcaças de canal podiam transportar mercadorias com segurança e a custos relativamente baixos, mas com pouca velocidade. Levando em consideração a necessidade de navegar através de sistemas de comportas nos locais onde o terreno fosse mais alto ou baixo, a velocidade média de uma embarcação de canal em sua jornada de um destino a outro ficava em torno de 4,8 km/h. Nada de muito impressionante. Em geral, transportar mercadorias de um continente a outro era mais rápido do que levá-las de um povoado a outro. A jornada terrestre trazia o maior atraso. Outra questão consistia no elevado preço de construção dos canais. Investidores e proprietários de companhias percebiam que uma alternativa mais barata e rápida ao transporte fluvial reduziria o tempo gasto para levar as mercadorias aos consumidores e abriria novas oportunidades, caso existisse uma rede de transporte maior e melhor do que o sistema de canais existente. Uma segunda área de potencial encontrava-se nos viajantes particulares, obrigados a utilizar diligências puxadas por cavalos, lentas e desconfortáveis. As ferrovias, então, podiam servir a dois tipos de clientes: companhias de carga e passageiros.
Os Stephensons e a Rocket
O primeiro movimento em direção a uma alternativa aos canais e embarcações fluviais veio através dos vagões com rodas que seguiam em trilhos de ferro, puxados por cavalos. Esta forma de tecnologia híbrida funcionou bem algumas vezes (por exemplo, na curta Ferrovia de Ferro de Surrey para Croydon), mas dificilmente seria o grande salto adiante que os grandes negócios buscavam. A máquina de Trevithick em trilhos mostrou o caminho. Em seguida veio George Stephenson (1781-1848), que tinha sua própria companhia em Newcastle, especializada em construir vagões para transportar carvão em curtas distâncias nas minas. Stephenson projetou o motor ferroviário Locomotion 1. Esta locomotiva foi poderosa o suficiente para mover vagões e transportou os primeiros passageiros de ferrovia de Stockton para Darlington, no nordeste da Inglaterra, em 1825. Esta linha foi um sucesso e mostrou o que poderia ser alcançado em todos os lugares, em grande escala, à medida que a era do vapor decolasse.
Uma nova ferrovia foi construída de Liverpool para Manchester em 1829, a primeira ferrovia intermunicipal do mundo. Havia um problema, porém: a Companhia Ferroviária Liverpool & Manchester (L&MR) não dispunha de locomotivas. Os diretores da empresa organizaram uma competição, convidando inventores para os Rainhill Trials (Testes de Rainhill), nas quais suas máquinas seriam testadas extensivamente em termos de velocidade, confiabilidade, habilidade para puxar vagões e consumo de água e combustível. A locomotiva vencedora foi a Rocket [Foguete], projetada pelo filho de George Stephenson, Robert Stephenson (1803-1859). A Rocket de Stephenson era essencialmente a soma de todas as invenções da época referentes às máquinas a vapor. Trafegando com rodas frisadas em trilhos de ferro fundido leve, a velocidade máxima da Rocket alcançava pelo menos 48 km/h, nada que impressione nos dias de hoje, mas incrível para as pessoas do século XIX e algo que nunca havia sido visto ou experimentado antes. Os diretores da L&MR imediatamente encomendaram mais quatro locomotivas Rocket a Stephenson e a linha férrea foi aberta ao público no dia 15 de setembro de 1830. Foi um estrondoso sucesso (a despeito da morte de parlamentar William Huskisson, atropelado por uma locomotiva logo no primeiro dia). Logo a linha transportava 1.200 passageiros diários. Também se transportavam mercadorias entre as duas cidades, com a capacidade de carga 20 vezes maior do que uma barcaça de canal e uma velocidade oito meses maior. Foi meramente uma questão de tempo antes que toda a Grã-Bretanha tivesse acesso às ferrovias.
A Mania das Ferrovias
As linhas ferroviárias espalharam-se rapidamente. Em 1838, Birmingham estava conectada a Londres e, em 1841, passageiros podiam pegar o trem na capital para Bristol. Esta última linha foi projetada por Isambard Kingdom Brunel (1806-1859) e administrada pela inovadora Great Western Railway, que construiu a Estação Paddington, em Londres. O trajeto tornou-se outro sucesso e logo foi estendido para Devon e Cornwall. Os trilhos de ferro espalhavam-se tão rapidamente através da Grã-Bretanha que o fenômeno ficou conhecido como a "Mania das Ferrovias". Em 1845, havia uma linha de Manchester para Londres, num total de oito horas de viagem (um passageiro das velhas diligências seria chacoalhado e tremeria por 80 horas para fazer a mesma jornada). A partir de 1848, passageiros poderiam viajar de Londres até Glasgow em 12 horas, pois os trens já alcançavam velocidades de 80 km/h. Os jornais se vangloriavam de que os afortunados homens de negócios podiam tomar o café da manhã em Londres, desfrutar de um almoço de negócios em Birmingham e estar de volta para jantar na capital, tudo no mesmo dia. As linhas troncais entre as maiores cidades começaram a ser conectadas por linhas secundárias para cidades menores e povoados, pois a rede ferroviária tornava-se muito mais densa na Grã-Bretanha. Em 1870, havia mais de 24.000 quilômetros de vias férreas.
Porém, nem tudo funcionava perfeitamente. As vias férreas requeriam projetos de engenharia de grande porte, tais como viadutos, túneis, pontes e a drenagem de pântanos. Os motores a vapor iniciais não tinham força suficiente para puxar vagões em inclinações muito escarpadas e, assim, precisavam de outras máquinas a vapor instaladas nos trilhos que as puxassem por cabos. A invenção do aço produzido em massa por Henry Bessemer (1813-1898), em 1856, permitiu que os trilhos fossem utilizados por trens mais pesados, mais poderosos e rápidos, eliminando a necessidade destes assistentes mecânicos estáticos.
Como em tantas outras novas tecnologias, o desenvolvimento paralelo levou a problemas de compatibilidade. Os trens de Stephenson usavam trilhos com bitola de 1,4 metro. Já os trens de Brunel utilizavam trilhos com bitola de 2,1 metros, que davam mais estabilidade para a composição ao transportar mercadorias pesadas, mas tinham custo mais elevado. A “guerra das bitolas”, como estas diferenças técnicas ficaram conhecidas, fez com que alguns trechos de ferrovias tivessem três trilhos paralelos, a fim de que ambos os tipos de trens pudessem trafegar. Do contrário, os passageiros precisavam desembarcar, com bagagens e tudo, e ir para um trem diferente, que poderia trafegar nos trilhos disponíveis. Algo ainda mais impráticavel para o transporte de mercadorias, criando atrasos que lembravam as barcaças de canal navegando numa série de comportas, ou seja, justamente o que o sistema de ferrovias tinha o objetivo de substituir. Uma Comissão Real foi encarregada de investigar este obstáculo danoso ao progresso das ferrovias e, eventualmente, a grande batalha das bitolas acabou sendo decidida em favor da mais estreita. Em consequência, uma Lei do Parlamento de 1846 uniformizou as vias férreas.
Havia outros problemas além dos relacionados à engenharia. Alguns conselhos municipais e grandes proprietários rurais bloqueavam a construção das vias férreas em seus domínios (Northampton e Stamford, por exemplo) mas isso significou apenas que, a longo prazo, estes locais perdiam espaço em termos econômicos, enquanto um município vizinho, que havia aceitado as ferrovias, florescia. Muitos destes municípios que não concordaram em sediar uma linha troncal acabavam, eventualmente, pressionando a companhia que atendia a região para que construísse uma linha auxiliar a fim de conectá-los à rede ferroviária. Em resumo, para o bem ou para o mal, não havia como retroceder aos tempos de outrora. Em 1871, os trens da Grã-Bretanha estavam transportando anualmente mais de 300 milhões de passageiros e 150 milhões de toneladas de mercadorias.
Um Fenômeno Global
A ideia das ferrovias disseminou-se pelo mundo, gerando inovações que retornavam então à Grã-Bretanha para o aperfeiçoamento de sua própria rede ferroviária. Nos Estados Unidos, a primeira ferrovia funcional foi concluída em 1833 e conectava Nova York a Filadélfia. O enorme tamanho dos EUA sempre havia sido um problema, mas agora os trens traziam a solução, permitindo a exploração total dos enormes recursos produzidos por aquele imenso país.
A primeira linha férrea na Europa Continental começou a funcionar na Bélgica, em 1835, conectando Bruxelas a Malines. O engenheiro americano George Pullman (1831-1897) criou os primeiros vagões-dormitórios em 1856, usando almofadas que podiam ser removidas para criar um beliche. Em 1868, o novaiorquino George Westinghouse (1846-1914) desenvolveu um trio de invenções bem-sucedidas: o freio a ar, que usava ar comprimido para rapidamente interromper o giro das rodas; um sistema de sinais; e os cruzamentos nas linhas, que permitiam que um trem pudesse atravessar trilhos que se cruzavam. Em 1870, o Canadá, Austrália, Índia e a maior parte da Europa tinha se reunido à febre das ferrovias. Os trens tornavam-se mais ambiciosos em termos de distância percorrida e conforto que prometiam aos passageiros. O luxuoso Expresso do Oriente, inaugurado em 1883, conectava Paris a Constantinopla (atual Istambul). As ferrovias se transformaram num símbolo da era moderna, mas nem todos se beneficiaram ou apreciaram este mundo novo e mais rápido.
O Impacto das Ferrovias
Inicialmente, muitas companhias ferroviárias adquiriram os sistemas de canais em sua área, de forma que pudessem controlar a competição. Muitos canais continuaram funcionando, mas, com o tempo, eles simplesmente não conseguiam competir com os trens e o sistema se deteriorou. As outras concorrentes diretas dos trens, as diligências, não tiveram melhor desempenho. Os cocheiros e operadores de carruagens de correio, as estalagens ao longo das ruas, as estradas com pedágio (pelas quais se trafegava com pagamento) e aqueles que criavam e cuidavam dos cavalos sofreram bastante à medida que os trens substituíam seus negócios. Como um exemplo do declínio, antes das ferrovias, 29 diligências faziam o trajeto entre Manchester e Liverpool diariamente. Após a chegada dos trens, restaram apenas duas fornecendo este serviço.
Pessoas foram obrigadas a deixar seus lares e terras ancestrais para abrir caminho para os trilhos de metal. Leis específicas do Parlamento foram aprovadas para cada linha, concedendo às companhias o direito de comprar a terra de que necessitavam e despejar qualquer um que bloqueasse os projetos de construção. As pessoas se preocupavam que a passagem dos trens assustasse o gado e prejudicasse a caça nas florestas. Finalmente, a poluição do ar, tanto dos próprios trens quanto das minas de carvão que os alimentavam, piorou visivelmente.
Houve muitos aspectos positivos das novas ferrovias, além do transporte mais barato e rápido de pessoas e mercadorias. Os trens a vapor precisavam de imensas quantidades de carvão, o que resultou em mais minas e empregos (compensando amplamente o que foi perdido em outras áreas). A necessidade de aço e ferro para as locomotivas, vagões, trilhos, pontes e túneis provocou um boom nestas indústrias. A Grã-Bretanha produzia anualmente apenas 2,5 milhões de toneladas de carvão em 1700 mas, em 1900, estes números tinham subido para 224 milhões de toneladas. As ferrovias geraram vastos projetos de construção, que empregavam dezenas de milhares de trabalhadores. As companhias também precisavam de engenheiros, maquinistas, chefes de estação e bilheteiros e, nas estações, de porteiros, atendentes de lavatório e equipes para lanchonetes, à medida que milhões de passageiros de primeira, segunda e terceira classes usavam regularmente os serviços ferroviários.
Os donos de fábricas podiam construí-las agora em qualquer lugar, não mais restritos a locais próximos ao transporte fluvial ou áreas de mineração. Subúrbios mais distantes se desenvolveram nas cidades, pois era possível pegar um trem para trabalhar nos centros urbanos. O custo de matérias-primas diminuiu e as práticas empresariais se alteraram. Os fabricantes não precisavam mais manter enormes estoques de mercadorias, pois podiam transportá-las tão logo estivessem prontas. A redução de custos de armazenamento aumentava os recursos e espaço destinados à produção, o que resultava em maior economia e à criação de novos empregos.
À medida que os trens conectavam mais e mais municípios, a população podia viajar para lugares aos quais só ia raramente ou jamais havia visitado. Os locais de veraneio à beira-mar, em particular, expandiram-se graças às passagens de excursão baratas de final de semana. Os trabalhadores fabris formaram clubes para economizar dinheiro para tais passeios. Lugares como Blackpool, Scarborough e Brighton tornaram-se familiares em todo o país, invocando imagens de diversão e feriados à beira-mar. O mesmo ocorreu nas escolas, pois as crianças podiam agora viajar para instituições particulares de prestígio distantes dos seus lares.
A sempre crescente eficiência dos trens permitia que mercadorias pudessem ser transportadas com menores preços, tornando-as mais acessíveis aos consumidores. As empresas podiam vender seus produtos para novos mercados. Itens como peixe fresco ficaram disponíveis para áreas do interior pela primeira vez. Tudo isso resultou numa enorme expansão da propaganda, à medida que crescia a distância física entre as empresas e seus clientes. As estações ferroviárias, com suas enormes massas humanas reunidas, eram locações perfeitas para anúncios.
Os trens carregavam correspondências, que ficaram ainda mais baratas após a criação, em 1840, do Universal Penny Post por Sir Henry Cole (1808-1882), que permitia aos remetentes usar os famosos selos Penny Black. Os trens deram condições para que se pudesse ler, na Escócia, o jornal matinal lançado naquele dia em Londres. O mundo inteiro parecia ter encolhido e pessoas, mercadorias e informação zuniam de um local a outro numa velocidade jamais imaginada. O famoso escritor Thomas Hardy (1840-1928) não exagerou quando observou que as ferrovias tinham trazido mais mudanças do que qualquer outro acontecimento desde a Conquista Normanda da Inglaterra, em 1066.