A era dos antibióticos começou em setembro de 1928 com a descoberta da penicilina por Alexander Fleming (1881-1955), à época professor de bacteriologia no Hospital St. Mary em Londres. Anteriormente, não havia tratamentos efetivos contra uma série de infecções bacteriológicas, como a pneumonia e a sépsis.
A penicilina tornou-se a base da cura de infecções bacterianas, como varíola, cólera, tuberculose, escarlatina, pneumonia, gonorreia, meningite e difteria. Posteriormente, os antibióticos formariam uma classe de remédios concebidos para combater e curar infecções bacterianas mas também para prevenir o crescimento de tais infecções.
Contexto
O uso de fungos e bolores - organismos que contêm substâncias bactericidas - para tratar infecções bacterianas pode ser encontrado em culturas antigas ao redor do mundo, mas essas primeiras tentativas não conseguiram identificar o componente que produzia o efeito medicinal. Joseph Lister (1827-1912), um cirurgião inglês considerado o “pai da antissepsia”, reconheceu o componente antibacteriano do bolor, mas não publicou suas descobertas. Nos anos 1870, Robert Koch (1843-1910), um biólogo alemão, Louis Pasteur (1825-1895) e Jules François Joubert (1834-1910), dois biólogos franceses, formularam a teoria dos germes, a qual estabelecia que determinadas bactérias causavam doenças específicas. Eles provaram que introduzir determinadas bactérias em várias culturas inibia o crescimento de muitas bactérias mortais nos seres humanos.
A descoberta da penicilina representou um divisor de águas na história médica e Fleming seria posteriormente reconhecido pela revista Time como uma das pessoas mais influentes do século 20:
Quando eu acordei logo depois do amanhecer do dia 28 de setembro de 1928, eu certamente não planejei revolucionar a medicina descobrindo o primeiro antibiótico do mundo. Mas eu suponho que foi exatamente isso o que eu fiz.
Alexander Fleming
Alexander Fleming juntou-se ao Corpo Médico do Exército Real britânico durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18). Trabalhando principalmente em hospitais localizados na Frente Ocidental, Fleming foi exposto aos terríveis ferimentos sofridos pelos soldados, especialmente devido a explosões da artilharia e dos morteiros alemães. Como resultado daqueles ferimentos, os soldados desenvolveram sépsis, frequentemente morrendo devido à infecção sanguínea. Fleming começou estudando tanto os ferimentos quanto os tratamentos usados para combater as infecções. Fleming estudou a abordagem conhecida como Sistema Antisséptico de Lister, batizado em homenagem a Joseph Lister, o primeiro a utilizar a teoria dos germes aos ferimentos e cirurgias, o qual tratava os ferimentos com antissépticos como iodo e ácido carbólico (fenol). A pesquisa de Fleming provou que a abordagem de Lister não penetrava o suficiente nas feridas mais profundas e, consequentemente, não matava as bactérias mais nocivas. Na verdade, o sistema de Lister contribuiu para taxas de mortalidade mais altas, uma vez que os antissépticos também eliminaram as características terapêuticas naturais. As descobertas de Fleming sobre o sistema de Lister e os ferimentos de guerras foram publicadas uma uma edição de 1917 da revista Lancet, mas foram largamente ignoradas pela maioria dos médicos da linha de frente. Fleming recomendou que os antissépticos fossem utilizados com um maior concentrado de solução salina para desinfetar e lavar as feridas mais profundas.
Depois da guerra, Fleming voltou ao Hospital St. Mary, onde ele continuou sua pesquisa sobre bactérias e tratamentos. Em um experimento, em 1921, Fleming descobriu que bactérias presentes no ar contaminaram uma de suas placas de cultura. Entretanto, quando foi adicionado muco nasal à cultura, houve uma interrupção no crescimento das bactérias. Seus experimentos adicionais sobre o crescimento antibacteriano permitiu a descoberta de que lágrimas, catarro, sangue, sêmen, pus e clara de ovo possuíam propriedades similares na prevenção do crescimento bacteriano. Apesar das apresentações feitas perante a Royal Society (importante sociedade científica do Reino Unido, cujo nome completo é The Royal Society of London for Improving Natural Knowledge) e uma publicação na revista científica Proceedings of the Royal Society em maio de 1922, na qual Fleming nomeou a propriedade antibacteriana (lisozima) descoberta em vários tecidos e secreções, as conclusões de Fleming foram ignoradas. O discurso de Fleming ao receber o Prêmio Nobel em 1945 fez referência à sua inovadora descoberta da lisozima, a qual, segundo ele apontou, foi o primeiro antibiótico descoberto antes da penicilina.
Descoberta
Em 3 de setembro de 1928, Fleming voltou para casa depois de suas férias na Escócia. Antes de sair de férias, Fleming havia deixado algumas placas de petri destampadas contendo estafilococos, bactéria que causa dor de garganta, abscesso e furúnculo, sobre sua bancada de trabalho. Em uma das placas, Fleming percebeu um bolor (Penicillium notatum) crescendo. O bolor estava secretando uma substância antibacteriana ao redor da qual havia uma área ao redor do bolor que estava livre de bactéria, embora houvesse bactéria em áreas mais distantes do bolor dentro da mesma placa. Ele chegou à conclusão que o bolor matou a bactéria. Outras experiências confirmaram que o bolor podia matar uma variedade de bactérias, incluindo estreptococo (uma bactéria que causa infecção na garganta, escarlatina, febre reumática, fasciíte necrosante, esta última informalmente conhecida como bactéria comedora de carne) e meningococo (causadora da meningite) e difteria. Posteriormente, em 7 de março de 1929, Fleming nomeou o bolor antibacteriano de penicilina. Em junho de 1929, Fleming publicou um artigo científico sobre seus experimentos no British Journal of Experimental Pathology. A sociedade científica deu pouca atenção à pesquisa de Fleming, a mesma falta de atenção que ele recebeu após uma apresentação de suas descobertas no London Medical Research Club em fevereiro do mesmo ano.
Tanto na palestra quanto no artigo, Fleming admitiu dificuldade em produzir uma forma pura de penicilina e uma inabilidade de produzir o bactericida em grandes quantidades. Apesar do pouco interesse dado à pesquisa de Fleming durante os anos 1930, ele continuou a produzir penicilina em pequena escala. Fleming enviou sua pesquisa para o Segundo Congresso Internacional de Microbiologia em 1936, mas novamente foi rejeitado, apesar de sua sugestão de que a penicilina pudesse ser um poderoso bactericida contra toda uma gama de infecções. Até 1941, o periódico científico British Medical Journal minimizaria a utilidade da penicilina.
Aplicação e testes
Seria um time de cientistas da Escola de Patologia Sir William Dunn da Universidade de Oxford que superaria os obstáculos encontrados por Fleming. Cultivar, extrair, purificar e estocar a penicilina tornaram-se os objetivos da equipe de pesquisa. Edward Abraham (1913-1999) descobriu a estrutura correta da penicilina, enquanto Norman Heatley (1911-2004) recomendou reintroduzir o bactericida de volta na água e, assim, alterar sua acidez. Ambas as descobertas permitiram produzir quantidades suficientes de penicilina e, assim, iniciar testes em animais acerca da sua eficácia.
Os testes iniciais foram planejados para determinar a toxicidade da penicilina. Ratos, camundongos, coelhos e gatos receberam doses de penicilina depois de serem expostos a várias espécies de bactérias nocivas. Esses testes provaram a efetividade da penicilina. Felizmente, os pesquisadores não usaram porquinhos-da-índia nos testes, uma vez que a penicilina é tóxica para aquele animal. O microbioma intestinal dos porquinhos-da-índia, isto é, sua flora intestinal, contém bactérias que vivem em seu trato digestivo, mas combinado com a penicilina, ela causa àquele animal diarreia e até a morte. Em maio de 1940, Howard Florey (1898-1968) e Ernst Chain (1906-1979) infectaram um grupo de camundongos com estreptococo. Metade dos camundongos não recebeu tratamento com penicilina e morreu de sépsis; a outra metade recebeu tratamento com penicilina e sobreviveu. Testes posteriores utilizando números cada vez maiores de animais produziram resultados similares.
Experimentos em humanos começaram em 1921 quando Fleming tentou curar uma infecção nasal mas não teve sucesso, uma vez que a bactéria que causou a infecção não era suscetível à penicilina. Seria um aluno de Fleming, Cecil George Paine (1905-1994), quem teria sucesso ao usar penicilina para tratar e curar conjuntivite em adultos e crianças em novembro de 1930. São muitas as histórias sobre as primeiras tentativas de usar penicilina para tratar infecções em humanos. Em setembro de 1940, o policial Albert Alexander arranhou seu rosto enquanto trabalhava no jardim de sua casa. O ferimento resultou em ele ser acometido por infecções de estreptococos e estafilococos. Os tratamentos iniciais com enxofre não funcionaram, e em fevereiro de 1941, Florey e Chain receberam permissão para tratar Alexander com penicilina. Infelizmente, os médicos não puderam produzir quantidade suficiente do remédio, o que resultou na morte de Alexander em março de 1941. Testes posteriores foram feitos em crianças, uma vez que elas necessitavam de uma quantidade menor de penicilina: esses experimentos foram um sucesso.
Produção em massa e consequências
O início da Segunda Guerra Mundial (1939-45) necessitava que os futuros trabalhos na produção de penicilina em massa fossem transferidos de Londres devido à London Blitz, a campanha de bombardeamento de Londres promovida pelos alemães. A produção foi movida para Peoria, no estado norte-americano de Illinois, onde Florey juntou-se ao Dr. Norman Heatley (1911-2004), um biólogo e bioquímico inglês. Os governos norte-americano e britânico, juntamente com empresas farmacêuticas norte-americanas, hospitais, médicos e cientistas, trabalharam em cooperação para aumentar a escala de produção. O grande avanço ocorreu no verão de 1943, quando uma assistente de laboratório, Mary Hunt, trouxe um melão-cantalupo podre coberto com um “bolor bonito e dourado” (Penicillium chrysogenum) que produzia quantidades significativas da droga. A produção de penicilina aumentou, resultando em níveis de produção que possibilitaram tratar todos os soldados feridos que participaram nos desembarques na Normandia no Dia D em junho de 1944.
A penicilina foi primeiramente utilizada em larga escala durante a Segunda Guerra Mundial e obteve grande sucesso. Durante a Primeira Guerra Mundial, infecções bacterianas foram responsáveis por quase 20% de todas as mortes; a taxa caiu para menos de 1% durante a Segunda Guerra Mundial devido ao uso da penicilina. Nos subsequentes 80 anos, a medicina foi transformada pelos efeitos salvadores dos antibióticos. Não apenas a saúde humana foi positivamente afetada, mas também a indústria farmacêutica. Esta alterou seus métodos de descoberta de novas drogas e produziu antibióticos em escalas inimagináveis desde os primeiros dias. A aplicação de antibióticos em condições clínicas alterou permanentemente a abordagem da humanidade no tratamento de doenças mortais. Nas décadas recentes, a saúde humana e o uso de antibióticos tem sido desafiada pelo surgimento de “superbactérias” que desenvolveram resistência aos antibióticos. O uso excessivo de antibióticos, particularmente em tratamentos pediátricos e a introdução de antibióticos em grãos para ração animal têm contribuído para desenvolver o fenômeno da resistência. Esforços estão em curso para reduzir o uso de antibióticos para tratar infecções de menor gravidade em humanos, remover o uso de drogas da indústria alimentícia e desenvolver novas formas de antibióticos para combater as cepas resistentes de bactérias nocivas.
Muita controvérsia nas décadas que se seguiram à descoberta da penicilina acerca de quem deveria receber os créditos por sua descoberta e aplicação. Alexander Fleming recebeu a maior parte dos créditos por sua descoberta. Entretanto, foi necessária a equipe composta por Florey, Chain, Heatley e outros membros da Universidade de Oxford para refinar a descoberta de Fleming e conceber um método para produção em larga escala da droga. Em 1945, Fleming, Florey e Chain dividiram o Prêmio Nobel de Medicina por seus esforços. Após 45 anos, Heatley recebeu um doutorado honorário em medicina pelo Comitê Nobel, o primeiro a ser concedido na história do prêmio.
Apesar disso, antibióticos se tornaram um fato aceito na vida contemporânea. No começo do século 20, doenças como varíola, tuberculose, cólera, pneumonia e outras contribuíam para elevados índices de mortalidade ao redor do mundo, mantendo a expectativa de vida na média de 47 anos tanto para homens quanto para mulheres. Ao longo do século, os antibióticos contribuíram para o aumento acentuado da média da expectativa de vida nos países desenvolvidos para 78 anos. Por outro lado, doenças não transmissíveis como câncer, derrame cerebral ou doenças cardíacas substituíram as doenças infecciosas como as principais causas de morte.
A penicilina mudou para sempre a pesquisa e o tratamento de doenças infecciosas. Ela transformou as expectativas dos pacientes e a estrutura da indústria farmacêutica; ela contribuiu para um novo entendimento da microbiologia e, além disso, capturou o imaginário popular como poucas descobertas científicas foram capazes de fazer.
(Bennett, 163)