O racionamento de alimentos, roupas, gasolina e outros itens essenciais foi introduzido na Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando as importações do país foram severamente ameaçadas por ataques de submarinos alemães à marinha mercante no Oceano Atlântico, Mar do Norte e Canal da Mancha. Os cidadãos receberam livros de racionamento que continham cupons para serem utilizados no comércio, com o objetivo de assegurar que todos tivessem acesso a um mínimo de produtos essenciais, impedindo o consumo além dos montantes determinados.
Ainda que alguns alimentos básicos, como pão, frutas e vegetais nunca tenham sido racionados, muitas outros produtos foram incluídos na lista, de forma que as refeições se tornaram mais simples e monótonas. Os itens racionados incluíam carne, açúcar, manteiga, queijo, chá e sabão. O governo também incentivou as pessoas a usar restaurantes baratos, isentando-os e aos seus clientes de qualquer espécie de racionamento. Embora logo tenha surgido o mercado negro, no qual as pessoas adquiriam ilegalmente os produtos racionados, o sistema funcionou de maneira geral, graças à autorregulação generalizada.
Suprimentos em Falta
Antes da guerra, a Grã-Bretanha dependia fortemente da importação de mercadorias transportadas por via marítima do Império Britânico, das Américas e de outras nações com as quais mantinha relações comerciais. Durante a guerra, a marinha mercante que abastecia a Grã-Bretanha ficou sob a ameaça dos submarinos alemães. Outra ameaça vinha dos bombardeios alemães aos principais portos britânicos e às docas de East End, em Londres. A ocupação da Europa Ocidental e Central pelo inimigo deixou a Grã-Bretanha sem acesso às mercadorias produzidas nessas regiões. Em 1941, as exportações da Grã-Bretanha reduziram-se a dois terços do montante anterior à guerra. Outro golpe aos suprimentos ocorreu quando o Japão ocupou partes do Império Britânico no Oriente, a partir de 1942. Além destas limitações, a decisão do governo de adotar a guerra total significava que muitos recursos precisaram ser desviados para o esforço de guerra que envolvia, por exemplo, a fabricação e transporte de armamento, reduzindo ainda mais os recursos destinados ao mercado doméstico.
Para garantir que certos itens essenciais permanecessem disponíveis para o maior número de cidadãos, foi introduzido o racionamento, política já adotada na Primeira Guerra Mundial (1914-18). Os preços dos alimentos passaram a ser controlados a partir de novembro de 1939. O racionamento de gasolina começou em setembro de 1939. A partir dos primeiros meses de 1940, carne, manteiga e açúcar entraram na lista. Em junho de 1941, roupas também passaram a ser racionadas, em resposta a um aumento dramático de preços. O sabão também entrou na lista em setembro de 1942, tornando-se um dos mais populares presentes de Natal daquele ano.
Existem "amplas evidências de que tais controles para ajudar a vencer a guerra não geravam ressentimento" (Dear, 882) e ainda havia o benefício do sentimento popular, segundo o qual o racionamento universal contribuía para tornar a sociedade britânica menos desigual, pois todos se uniam em tempos de dificuldade.
Racionamento de Alimentos
Deve-se observar que certos alimentos básicos nunca entraram nas listas de racionamento. Entre eles podem ser citados o pão, batatas, frutas, vegetais e peixe. Dos itens racionados, carne, manteiga e açúcar eram os mais importantes em termos de nível de consumo anterior à guerra. A população recebia regularmente um livro de racionamento contendo cupons que só podiam ser "gastos" numa loja específica (já que os compradores precisavam se registrar junto aos varejistas locais). Depois que um cupom era gasto em um item específico, não se conseguia mais do mesmo até a chegada de um novo livro. Os clientes ainda precisavam pagar por seus itens com dinheiro. O governo contratou funcionários para fiscalizar o cumprimento das normas do racionamento no comércio (tanto pelos consumidores quanto pelos lojistas), as porções servidas em restaurantes e o respeito à Lei de Preços de Mercadorias, que visava a reduzir a especulação.
O auge do racionamento ocorreu no verão de 1942, quando foram impostos os seguintes limites semanais por pessoa:
- 450 gramas de carne (valor monetário de 1 xelim e 2 pence)
- 113 gramas de presunto e bacon
- 225 gramas de açúcar
- 225 gramas de gordura (por exemplo, manteiga)
- 225 gramas de queijo
Outros itens eram racionados mensalmente por pessoa:
- 500 gramas de geleia, marmelada ou carne moída
- 225 gramas de doces
E, por fim, outros itens tinham racionamento bimensal por pessoa:
- ovos em pó (equivalentes a 12 ovos frescos)
Além disso, as pessoas podiam economizar e "gastar" alguns de seus cupons em itens de luxo ou seja, aqueles mais escassos e considerados não-essenciais para o dia a dia. O comprador podia economizar 20 pontos de seu livro para adquirir o equivalente em mercadorias como cereais matinais, biscoitos, xarope, salmão enlatado ou ervilhas secas. 450 gramas de ervilhas secas custavam um ponto, enquanto o salmão enlatado custava 32 pontos. Uma lata de pêssegos custava oito pontos e a de tomates seis pontos. Pode-se imaginar os malabarismos dos consumidores para obter a maior variedade de alimentos com esses cupons de bônus. Com as constantes carências de produtos e a contagem de cupons, que consumia tempo, a paciência se tornou um requisito para suportar as longas filas nas lojas.
Algumas pessoas ganhavam um subsídio extra para alguns itens. Por exemplo, as mães com crianças de menos de seis anos tinham direito ao dobro da ração normal de ovos. As grávidas e os inválidos recebiam um quartilho (cerca de meio litro) de leite por dia. A partir de julho de 1940, graças ao plano nacional de leite, crianças menores de cinco anos e mães lactantes com baixa renda tinham direito a um litro de leite gratuito por dia. Um programa semelhante, o plano de bem-estar vitamínico, foi introduzido em 1941, proporcionando às crianças e mães suco de laranja e óleo de fígado de bacalhau gratuitos. A evacuação de crianças na Grã-Bretanha em tempo de guerra para áreas rurais com maior abundância de recursos contribuiu para aliviar a pressão sobre as famílias citadinas em relação ao fornecimento de alimentos e roupas.
Muitas coisas ficaram difíceis ou impossíveis de se obter. O sorvete foi proibido. Depois de novembro de 1940, o governo proibiu a importação de bananas. Até a vitória aliada no Norte da África, conseguir laranjas ficou quase impossível. Os limões, muito procurados, tornaram-se tão raros quando pó de ouro. As couves de Bruxelas também escassearam. À medida que a guerra se desenrolava, certos vinhos, destilados e cervejas transformaram-se em artigos raros nas lojas e costumavam acabar até nos pubs [estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas na Grã-Bretanha] em feriados ou épocas mais quentes. Às vezes, certos alimentos apareciam e sumiam regularmente: numa semana, uma mercearia local estaria repleta de um produto e, na semana seguinte, as prateleiras estavam vazias e, assim, as filas se formavam rapidamente quando surgiam itens mundanos, como cebola, couve-flor ou groselhas. Uma consumidora, a senhora Britton, observou em 1942: "Em vez de entrar numa loja e dizer 'Quero isso ou aquilo', pegamos o hábito de dizer 'Você tem ...'?"
As Mudanças nos Hábitos Alimentares
As pessoas eram estimuladas pela campanha Dig for Victory [literalmente, Cave para a Vitória] a cultivar vegetais em jardins ou lotes disponíveis, de maneira a suplementar as lojas de alimentos do país e sua própria despensa. Talvez seja significativo o fato de que um dos gêneros mais populares de livros emprestados em bibliotecas no transcorrer da guerra fossem sobre jardinagem. Outras estatísticas apoiam a ideia de que os britânicos se tornaram uma nação de jardineiros produtivos. A Grã-Bretanha tinha 815.000 lotes para cultivo em 1939 mas, quatro anos depois, este número havia crescido para 1,4 milhão. Os lotes surgiam em locais improváveis e até mesmo o fosso da Torre de Londres passou a ser usado para o plantio de vegetais.
O governo também fazia sua parte para elevar a produtividade da produção de alimentos. As terras britânicas devotadas à agricultura elevaram-se de 13,2 milhões de acres em 1940 para quase 18 milhões em 1944. As estatísticas sobre a criação de animais, porém, foram na direção oposta, com a redução significativa dos rebanhos de ovelhas, porcos e aves (enquanto os de gado permaneceram estáveis). Tais números oficiais não incluem os animais criados de maneira doméstica, pois muitas pessoas começaram a cuidar de suas próprias aves e porcos. Houve outra mudança de hábitos, talvez mais duradoura. Até então, as mulheres geralmente cozinhavam as refeições familiares, mas um grande número havia sido recrutado para os vários serviços militares e auxiliares ou estava trabalhando em fábricas, o que significava que tinham menos tempo para a preparação de alimentos. A falta de tempo, aliada à ausência de ingredientes básicos devido ao racionamento, levou ao aumento da demanda por refeições prontas nas lojas (o que chamaríamos atualmente de alimentos de conveniência), como, por exemplo, tortas, bolos e carnes cozidas que anteriormente eram preparadas em casa.
Em outra consequência do racionamento, quem cozinhava em casa se especializou na criação de menus variados com ingredientes limitados. A confeitaria, em particular, refletia o racionamento com novas receitas de bolos e pudins que não requeriam tantos ovos (ou nenhum), não necessitavam de gordura ou continham menos açúcar. A carne enlatada importada da América do Norte, como o spam [marca de carne enlatada que se tornou sinônimo deste tipo de alimento] se transformou num novo ingrediente da mesa de jantar britânica. O governo também deu uma mão aos cozinheiros, patrocinando cerca de 200 curtas-metragens chamados Food Flash, que davam dicas sobre como fazer o melhor uso de ingredientes simples para vários tipos de refeições.
Todo esse racionamento poderia ter levado a uma dieta deficiente. Na verdade, porém, o oposto aconteceu: ainda que talvez comessem menos, de maneira geral os britânicos ingeriam alimentos mais saudáveis do que antes da guerra. "No geral, não há dúvida de que, em termos de vitaminas e calorias essenciais, a população do Reino Unido foi melhor alimentada em tempos de guerra do que antes, quando a desnutrição acompanhava o desemprego e os baixos salários" (Dear, 885).
O Apelo dos Restaurantes
Um lugar onde as pessoas ainda podiam desfrutar de uma boa alimentação era num restaurante ou cantina. As refeições fornecidas no local de trabalho e as servidas nos recém-criados 200 ou mais restaurantes populares (que forneciam uma refeição de três pratos por nove pence), além dos demais estabelecimentos de alimentação, não estavam sujeitas ao racionamento. O governo percebeu que seria necessário proporcionar uma válvula de escape para o rígido sistema existente e considerou, além do mais, que os trabalhadores na indústria pesada, por exemplo, teriam melhor desempenho se ganhassem porções extras de carne e queijo. Um deputado do partido Liberal, Dingle Foot, oferece uma razão adicional para se evitar o racionamento em restaurantes:
O ministério calculou que quanto mais pessoas se alimentassem fora de casa, melhor, já que, de fato, dessa forma o consumo de comida é menor. Portanto, queria induzir as pessoas a comer em restaurantes e, particularmente, nas cantinas e, por essa razão, as refeições preparadas fora de casa estavam isentas do racionamento. Tivemos grande dificuldade em convencer um grande número de trabalhadores britânicos a frequentar as cantinas e muitos deles insistiam em ir para casa, mesmo que isso significasse se alimentar com rações familiares. (Holmes, 394)
Uma consequência de isentar os restaurantes do racionamento foi que as pessoas ricas podiam comer o quanto quisessem, enquanto os pobres sequer podiam se dar ao luxo de frequentar tais lugares. O governo reconheceu esse mal-estar social ao impor limites no valor das refeições. A partir de junho de 1942, o preço máximo ficou fixado em cinco xelins. Os inspetores governamentais garantiam que os restaurantes cumprissem a regra, mas vários estabelecimentos mais caros contornavam o limite (desta forma, proporcionando mais comida aos clientes) ao adicionar taxas de serviço e aumentando o preço dos vinhos.
Racionamento de Roupas
O racionamento de roupas visava principalmente a reduzir as vendas e, assim, liberar os trabalhadores fabris, que poderiam ser empregados em áreas relacionadas ao esforço de guerra. O presidente da Junta Comercial em 1940 e 1941, Oliver Lyttelton, explica:
Era bastante simples - a diferença entre roupas racionadas e as grátis está em quatrocentos e cinquenta mil trabalhadores, simplesmente isso [...] e as pessoas ficavam satisfeitas em se mostrarem um pouco desarrumadas e sentirem que faziam a sua parte. (Holmes, 394)
Também se racionaram as roupas para economizar matéria-prima, necessária para a confecção de uniformes militares. Assim como a alimentação, os itens de vestuário tinham um valor diferente em cupons de racionamento, normalmente com base na quantidade de material envolvido e de trabalho necessário para produzi-los. Para a aquisição também se usava dinheiro, além dos cupons necessários. Uma pessoa adulta recebia um livro de racionamento de roupas com 66 pontos em cupons (embora isso tenha sido reduzido em 1945). As mães de recém-nascidos recebiam cupons adicionais e as crianças, que precisavam de mais roupas do que os adultos, tinham direito a 76 pontos. Outra categoria com direito a pontos extras eram os trabalhadores que precisavam de vestuário adequado para seus empregos, tais como roupas de proteção para trabalhadores manuais ou figurinos para quem se apresentava no palco.
O livro de racionamento de roupas devia durar pelo menos um ano. As meias valiam dois pontos, as calças requeriam oito e um vestido chegava a onze. Para adquirir sapatos precisava-se de cinco pontos para as mulheres e sete para os homens. Havia muito malabarismo nas compras para se conciliar as necessidades e as restrições trazidas pelo racionamento. As pessoas podiam doar roupas usadas, principalmente as que não serviam mais nas crianças, para obter cupons extras. O Serviço Voluntário das Mulheres (Women's Voluntary Service - WVS) organizou centros onde as pessoas podiam trazer roupas velhas para obter cupons ou trocá-las por roupas de segunda mão.
O governo incentivava as pessoas a usarem da melhor maneira possível os bens disponíveis. As matérias-primas também eram economizadas pelos planos governamentais de roupas utilitárias, que incentivava os estilistas a criar vestuário mais simples e que pudesse ser confeccionado de maneira mais barata e com menor uso de matéria-prima. Promoviam-se campanhas públicas em cartazes condenando o desperdício e incentivando o "fazer e consertar", que estimulava a população a consertar as existentes em vez de adquirir novas roupas. Havia estímulos para que se comprassem roupas maiores para as crianças, de forma que durassem mais tempo. Panfletos davam dicas sobre como fazer as roupas durarem mais tempo. Também se encorajava a população a confeccionar suas próprias vestimentas, ainda que os tecidos também requeressem cupons. A reciclagem de tecidos para a fabricação de roupas se tornou uma necessidade para alguns, o que levou as cortinas (incluindo as de blecaute) e os revestimentos de móveis a se transformarem em fontes populares de matéria-prima. As autoridades locais ofereciam aulas sobre a confecção e conserto de roupas e é significativo que as linhas de costura não tenham sido racionadas. Incentivava-se também o tricô, não somente para a fabricação de itens de vestuário, mas como uma maneira útil de se passar o tempo nos abrigos antiaéreos.
Como consequência duradoura do racionamento de roupas e da inevitável simplificação de roupas e produção em massa de certos estilos, as roupas casuais e mais práticas se tornaram a norma, substituindo o vestuário formal e mais complexo do período anterior à guerra.
O Mercado Negro
Um próspero mercado negro se desenvolveu, no qual membros de todas as classes – se conhecessem as pessoas certas – podiam adquirir artigos escassos ou além do escopo de seus livros de racionamento. Itens mundanos, como ovos, carne ou um pouco de gasolina também eram adquiridos ilegalmente, ainda que a vasta maioria das pessoas não encarasse esse comportamento como verdadeiramente fora da lei. Uma dona de casa, Ruth Tanner, explica: "Não penso que ninguém pensasse nisso como algo abertamente criminoso, era somente o modo como vivíamos" (Levine, 261). Havia também um mercado negro de cupons de racionamento e as famílias mais pobres, que muitas vezes não podiam pagar as mercadorias, ficavam especialmente tentadas a vender alguns de seus cupons. Os infratores flagrados pela polícia podiam enfrentar penas de prisão, mas a tentação e o interesse próprio de todos nessa cadeia, do atacadista ao consumidor, garantiam que não houvesse muito que as autoridades pudessem fazer para impedir o comércio ilegal. Os crimes menores também cresceram à medida que a escassez levava as pessoas a furtar alimentos nos lotes, saquear lojas bombardeadas, surrupiar produtos em armazéns e apresentar falsas alegações de perda de livros de racionamento.
O Fim do Racionamento
A pressão sobre o Reino Unido diminuiu após a aprovação da política norte-americana do Lend-Lease [literalmente, Empréstimo e Arrendamento], que ofereceu apoio (por um preço) em termos de alimentos, combustível e recursos materiais e, principalmente, com o aumento do número de navios mercantes no Atlântico, sob a proteção de navios de guerra. As vitórias militares garantiram territórios antes perdidos e tornou o comércio possível novamente em regiões do Império Britânico, o que contribuiu para aumentar as importações britânicas.
O final da guerra não acabou com o racionamento e, em alguns casos, a situação piorou. As rações de bacon e banha foram suprimidas em 1945; o pão passou a integrar o racionamento em julho de 1946 e se reduziram os cupons alocados por pessoa para roupas. O racionamento de roupas só terminou em março de 1949. Quanto aos alimentos, o racionamento gradualmente diminuiu, mas os consumidores não ficaram completamente livres do sistema de cupons até 1954, quando o consumo de carne, um dos últimos itens, deixou de ser restringido.