Roma Subterrânea

Artigo

Irene Fanizza
por , traduzido por Lucas Miranda
publicado em 31 julho 2012
Disponível noutras línguas: Inglês, francês
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Arqueologia subterrânea é um assunto específico e altamente especializado. Podemos falar de simples estruturas subterrâneas, como as do norte da África romana (capazes de suportar o calor), ou ir ao extremo, geralmente em contexto urbano, onde os palimpsestos arqueológicos subterrâneos são complexos e altamente sugestivos.

Pensando em qualquer capital europeia, imediatamente imaginamos catacumbas e túmulos, mas, no mundo arqueológico subterrâneo, há muito mais que meras obras funerárias.

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Roma é o exemplo extremo que demonstra o que quero dizer, uma capital que tem em média 10-12 metros de estratificação urbana equivalente a 2500 anos de história. Essa estratificação se estende por quase toda a cidade dentro da Muralha Aureliana e atinge, nas escavações realizadas durante a construção de metrôs, profundidades ainda maiores.

Ao estimular a memória, pensamos nos sítios subterrâneos mais conhecidos, como a Cripta de Balbi, a Casa Dourada (do latim Domus Aurea), o subsolo do Coliseu e o túmulo dos Cipiões. É cerca de uma dúzia de sítios que normalmente lembramos e todo o resto é praticamente desconhecido.

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Colosseum Floor (Hypogea)
Piso do Coliseu (Hipogeu)
Irene Fanizza (Public Domain)

Por que desconhecido? O primeiro problema, que cria um efeito dominó, é que a instituição que gere esses sítios arqueológicos não é única, mas depende da sua localização e se é gerido pelo município, pelo Ministério do Patrimônio Cultural ou pelo Vaticano - que, por sua vez, depende do que atualmente está localizado acima desses locais.

Edifícios de administração pública? Construções municipais? Igrejas do Vaticano? Partindo desse ponto, podemos entender o porquê não há um Corpus, ou uma bibliografia científica completa, lidando com a Roma subterrânea por inteiro. Há livros (não acadêmicos) que tratam apenas de alguns sítios importantes ou que classificam as cavidades de acordo com as mais conhecidas. Pouco retorno acadêmico, pouco conhecimento, pouco interesse.

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O problema principal é claro: a falta de bibliografia específica e de termos inequívocos que permitam a busca em base de dados dos sítios escavados. Isso acontece porque, para esses sítios, escavação e interpretação não são diferentes dos sítios subaéreos, mas o fato de serem subterrâneos cria características únicas totalmente diferentes daqueles a céu aberto. Os sítios subaéreos, especialmente na Itália, por exemplo, estão à mercê constante de intempéries, desabamentos e vandalismo, mas não só: nas escavações subaéreas, geralmente encontramos um intervalo de tempo que pode estar contaminado por estruturas posteriores ou, dependendo do caso, anteriores. A característica principal das escavações subterrâneas (especialmente em Roma) é que o intervalo de tempo é aberto. Os palimpsestos arqueológicos nos mostram as várias fases de estratificação urbana, então, ao invés de classificar esses sítios de acordo com seu uso principal pretendido (seria impossível para cada sítio que contém diversas edificações e estruturas), deveríamos categorizá-los por seu método particular de preservação, o que também determina o acesso. Em resumo: não comparar o passado, mas o presente.

Se houvesse poucos sítios, criar uma sessão para Roma Subterrânea seria desnecessário, mas, dado que há cerca de cem sítios subterrâneos entre as muralhas interna e externa, precisamos aprender mais.

Mas como proceder, partindo do zero, dada a falta de bibliografia específica e acesso a uma leitura dedicada ao tema? Somos forçados a encontrar uma agulha em um palheiro quando consideramos a cidade arqueológica que é Roma. Como último recurso para obter dados bibliográficos iniciais, consideramos periódicos científicos, na esperança de que um deles tivesse publicado ao menos trinta artigos sobre Roma Subterrânea, só para saber por onde começar.

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O periódico arqueológico Forma Urbis, editado em Roma e que majoritariamente é sobre Roma, foi escrito na íntegra por acadêmicos e professores de universidades italianas e estrangeiras. Do arquivo de 15 anos (cerca de 160 meses de material), foram publicados quase cem artigos sobre vários sítios da Roma Subterrânea. Dada a quantidade incrível de material científico dessa revista, foi decidido considerar apenas sítios dentro da Muralha Aureliana como base inicial deste projeto. São 64 artigos acadêmicos que, ao contrário de alguns livros que falam apenas dos mais conhecidos achados arqueológicos, correspondem a diversos sítios e consideram todo o palimpsesto arqueológico visível.

Definido o número inicial, o próximo passo foi encontrar a bibliografia específica para cada sítio (possível após encontrar os nomes dos sítios nos periódicos) a fim de associar o corpo administrativo, a acessibilidade, abertura e o grau de interesse definidos por associações culturais e turísticas (não acadêmicas).

Junto das pesquisas bibliográficas, foram feitas inspeções presenciais para conferir o estado geral dos sítios abertos ao público e como suas relevâncias arqueológicas são contadas a turistas desinteressados. Em conjunto ao trabalho de campo e considerando os trabalhos parciais, notou-se que falar sobre sítios subterrâneos, não apenas em Roma, pode ser mais complexo do que se imagina - isto porque os termos e atividades não estão sujeitos à prática arqueológica, mas ao estudo da Espeleologia, que até então se enquadrava como um campo da Geologia ao invés da Arqueologia.

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Eis o porquê.

Na geologia, quando estudamos fósseis, a primeira coisa que fazemos frente a dois achados é buscar semelhanças entre eles. Usando analogias a fim de entender seu estágio evolutivo, identificamos as espécies e quaisquer mutações ocorridas ao longo dos anos. A mesma coisa é feita com as últimas descobertas, desde cerâmicas dos mesmos sítios, comparando a composição de planejamento ou estratégia.

Tudo o que fazemos na arqueologia é para identificar o que a geologia chama de fósseis-guia. Devido à distribuição e quantidade de fósseis-guia encontrados no mundo, obtemos a data de várias estratigrafias geológicas, além de enquadrar temporariamente outros fósseis na primeira data até então desconhecida. Este é particularmente o caso quando, a nível estratigráfico, o fóssil desconhecido é apresentado junto ao fóssil-guia.

Encontrar, identificar, datar. Arqueologia e Geologia aplicam o mesmo método de trabalho em contextos temporais relativamente diferentes, mas o que sabemos absolutamente é como e quando estas duas disciplinas se conectam. Há encontros entre as duas ciências, assuntos fundamentais comuns e úteis a ambas, como a estratigrafia, pedologia, reconhecimento de rochas, composição de afloramentos locais e espeleologia. Considerando estes exemplos, podemos dizer que a geologia está a serviço da arqueologia na maioria das vezes. De fato, seria mais correto dizer que a geologia é parte integral dos métodos modernos de escavação arqueológica, mas incerto como a pedologia e a estratigrafia são úteis a estas escavações. Mas e a Espeleologia?

Espeleologia é o método científico adequado e seguro de exploração das cavidades subterrâneas na geologia, praticado a fim de entender a origem e natureza das cavidades naturais, cujo termo geralmente é HIPOGEU. Ainda na Geologia, especificamos que, entre os hipogeus naturais possíveis, temos os carstes: cavernas criadas por atividades vulcânicas, cavernas submarinas naturais e assim por diante.

Na arqueologia, gostamos de usar o mesmo método de exploração de cavidades subterrâneas usado pelos geólogos, mas sem nos limitar a cavernas naturais, é claro. Daqui, a distorção dos últimos anos fez com que a cavidade subterrânea arqueológica fosse denominada como a geológica (Hipogeu). Em cada caso, tentamos classificar o suposto subterrâneo arqueológico de acordo com seu uso pretendido: mitreus, ninfeus, armazéns, locais de adoração, espaços públicos e assim por diante.

Está claro que, na Arqueologia, não há equivalente ao geológico HIPOGEU, ainda que haja cavidades há muito tempo enterradas. Mas, seguindo a ordem natural que ensina a geologia, podemos dizer por extensão que o Hipogeu é o que nasceu e permaneceu subterrâneo. A mesma definição pode ser aplicada às cavidades arqueológicas artificiais, em que Hipogeu é o sítio arqueológico que foi construído no subsolo e permanece no subterrâneo até hoje (o contrário seria um subterrâneo ex-enterrado). Assim, não são apenas catacumbas, mas também o columbário, as tumbas, mitreus, alguns ninfeus, os túneis, aquedutos, esgotos e todas as áreas de serviço, como um tanque, algumas cavernas e adegas. Todo o resto está na categoria de Estruturas Arqueológicas Subterrâneas.

A partir daqui, há uma longa discussão sobre o reuso de edifícios existentes a fim de entender as relações entre as várias camadas. Veja, por exemplo, a Basílica de São Clemente: há uma sala subterrânea em seus níveis mais profundos (Hipogeu visitável), usada como Ninfeu da zona de verão de uma casa romana. Este ambiente foi então convertido a um mitreu. Com a construção subsequente do titulus (conjunto de igrejas primitivas) de São Clemente ao lado da casa, o ambiente foi finalmente fechado. Uma das bases usada na construção do titulus foi um armazém (Moneta) que existia ao lado da casa (agora visitável). E não para por aí: o titulus também possuía uma catacumba (Hipogeu não visitável) criada em uma altura intermediária, cortando parte do armazém e parte da casa. Sabemos que as catacumbas são subterrâneas, então, na estratigrafia, vemos dois Hipogeus de duas fases de tempo diferentes, com os restos da casa, do armazém e do titulus como estruturas subterrâneas atuais.

Mas nem todos os sítios são tão complicados. São Clemente é o mais complexo. O Coliseu, pelo contrário, é o mais simples, pois se encontra no nível zero após o incêndio de Nero. Seus corredores, coletores e dois andares abaixo das cavernas não cortam nada e são os exemplos mais simples de hipogeus arqueológicos.

Crypta Balbi
Cripta de Balbi
Irene Fanizza (Public Domain)

Então, com o número de sítios e os termos de uso, a última coisa a fazer era padronizar o nome de cada sítio a fim de facilitar a pesquisa bibliográfica. Para fazer isso, encontramos cada sítio na voz de Lexicon Topographicum Urbis Romae (Steinby) e que se refere à bibliografia completa.

Com todos esses dados, foi criado um mapa que mostra precisamente estes sítios subterrâneos de Roma publicados pelo periódico Forma Urbis. Cada ponto marcado no mapa é nomeado com o nome latino original dado por Lexicon. Também providenciamos informações adicionais, como a região e unidade administrativa.

Mas por que arqueologistas deveriam ficar com toda diversão? Poucos sabem, mas a maioria dos sítios subterrâneos é aberta ao público e nosso website indica se o sítio está aberto, disponível para aberturas especiais e o grau de interesse (apenas para turistas).

Como dissemos, este trabalho não está completo, mas é uma base para continuarmos. Usar o periódico foi um meio de termos um ponto de partida. O projeto é constantemente monitorado e atualizado sempre que um novo sítio não marcado no mapa é identificado. Temos o cuidado de buscar a bibliografia completa, ainda que o sítio não esteja mencionado no Lexicon.

Roma distribuiu regras canônicas por todo o império por séculos, mas, na capital, nenhuma destas regras foi aplicada. O movimento e inquietação da cidade são claramente visíveis entre o Fórum Romano e o Monte Palatino, mas é no subterrâneo que esta movimentação urbana é realmente clara. Não há nada mais bonito do que caminhar através dos séculos usando apenas uma escada.

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Bibliografia

Sobre o tradutor

Lucas Miranda
Brazilian Portuguese translator, graduated in Architecture and Urbanism and passionate for History since childhood.

Citar este trabalho

Estilo APA

Fanizza, I. (2012, julho 31). Roma Subterrânea [Underground Rome]. (L. Miranda, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-435/roma-subterranea/

Estilo Chicago

Fanizza, Irene. "Roma Subterrânea." Traduzido por Lucas Miranda. World History Encyclopedia. Última modificação julho 31, 2012. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-435/roma-subterranea/.

Estilo MLA

Fanizza, Irene. "Roma Subterrânea." Traduzido por Lucas Miranda. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 31 jul 2012. Web. 18 jan 2025.