Se havia uma coisa que os romanos adoravam eram os espetáculos e a oportunidade de escapismo oferecida por shows públicos estranhos e maravilhosos, que assaltavam os sentidos e exacerbavam as emoções. Os governantes romanos sabiam disso e, para aumentar sua popularidade e prestígio com o povo, promoviam espetáculos fantásticos e luxuosos em construções erguidas expressamente com esta finalidade e espalhadas todo o império. Tais locais famosos, como o Coliseu ou Circo Máximo de Roma, sediavam eventos que envolviam procissões magníficas, animais exóticos, batalhas de gladiadores, corridas de bigas, execuções e até mesmo combates navais simulados.
Locais
É significativo que entre as mais bem preservadas construções do período romano estão aquelas dedicadas ao entretenimento. Anfiteatros e circos foram erguidos por todo o império e até os acampamentos militares tinham suas próprias arenas. O maior anfiteatro era o Coliseu, com uma capacidade de pelo menos 50.000 pessoas (provavelmente mais, se levarmos em conta fatores como os corpos menores e diferentes noções de espaço pessoal comparadas aos padrões modernos) enquanto o Circo Máximo, o maior estádio, poderia abrigar um número massivo de 250.000 espectadores, de acordo com Plínio, o Velho. Com muitos eventos em larga escala, os espetáculos geravam uma enorme quantidade de empregos, que iam desde cavalariços a caçadores de animais, de músicos a varredores de areia.
A partir do final da república, os assentos no teatro, arena e circo eram divididos por classes. Augusto determinou regras adicionais, de forma que escravos e pessoas livres, crianças e adultos, ricos e pobres, soldados e civis, homens casados e solteiros sentavam-se separadamente, assim como mulheres e homens. Como seria de se esperar, as primeiras filas e assentos mais confortáveis estavam reservados para a classe senatorial local. Os ingressos eram provavelmente gratuitos para a maior parte dos espetáculos, pois os organizadores, fossem eles magistrados que recebiam a responsabilidade de prover eventos públicos cívicos, cidadãos super-ricos ou imperadores que, mais tarde, iriam monopolizá-los, mostravam-se mais dispostos a demonstrar sua generosidade do que buscar uma fonte de receita.
Corridas de carros
As mais prestigiadas corridas de carros a cavalo [bigas, com dois cavalos, ou quadrigas, com quatro] eram realizadas no Circo Máximo de Roma, mas, no século III, outras cidades de grande porte, como Antioquia, Alexandria e Constantinopla também tinham circos para sediar tais espetáculos, que se tornaram ainda mais populares no império tardio. As corridas no Circo Máximo provavelmente envolviam no máximo doze carros, organizados em quatro times ou estábulos - Azuis, Verdes, Vermelhos e Brancos – com torcidas que se assemelhavam aos fãs de esportes modernos. Havia inclusive o familiar desprezo pelos times oponentes, como indicam tabuletas de maldições de chumbo, escritas contra cocheiros específicos, e certamente se faziam apostas, tanto grandes quanto pequenas, ao longo das corridas.
Os diferentes tipos de carros requeriam habilidades técnicas específicas dos cocheiros, tais como carros com seis ou sete cavalos ou mesmo animais sem rédeas. Nero chegou a correr com um carro de dez cavalos, mas sofreu uma queda e foi atirado para fora do veículo. Havia corridas nas quais os cocheiros participavam de equipes e, as mais aguardadas de todas, aquelas somente para os campeões. Os cocheiros podiam ficar milionários. Um dos mais famosos foi Caio Apuleio Diocles, que venceu incríveis 1463 disputas no século II.
No período imperial, o circo também se tornou o local mais provável para que um romano entrasse em contato com seu imperador e, portanto, os governantes apressavam-se em utilizar tais ocasiões para reforçar seu laço emocional e político com o povo através de shows inesquecíveis.
Disputas de Gladiadores
Assim como audiências modernas em cinemas esperam escapar da normalidade da vida cotidiana, assim também a multidão na arena testemunhava exibições estranhas, espetaculares e com frequência sangrentas e ficaria imersa, até mesmo perdida, na aparentemente incontrolável emoção da arena. Qualidades como a coragem, medo, habilidade técnica, celebridade, o passado revisitado e, claro, a vida e morte em si mesmas, engajavam o público como nenhum outro entretenimento. Sem dúvida, um dos grandes apelos dos eventos gladiatórios, tal como ocorre nos esportes modernos, era o potencial de surpresas e azarões ganhando o dia.
As primeiras disputas de gladiadores (munera) datam do século IV a.C. e foram realizadas em Pesto, na Itália meridional, enquanto a primeira em Roma teria ocorrido, de acordo com a tradição, em 264 a.C., em honra ao funeral de um certo Lúcio Júnio Bruto Pera. Com o tempo, as arenas se espalharam pelo império, de Antioquia até a Gália, à medida que os governantes ficavam mais desejosos de exibir sua riqueza e preocupação com o prazer do público. Em Roma, os magistrados precisavam realizar uma luta de gladiadores como uma espécie de preço para vencer eleições e, em outras cidades do império, sediar disputas locais demonstrava sua solidariedade com o modo de vida romano, além de celebrar eventos de destaque, como uma visita imperial ou o aniversário do imperador.
No século I a.C., gladiadores profissionais passaram a ser treinados em escolas especializadas, especialmente em Cápua (70 a.C.), e os anfiteatros começaram a ser construídos em pedra, com estruturas mais permanentes e imponentes. Tais eventos ficaram tão populares e grandiosos que se estabeleceram limites de quantos pares de lutadores seriam permitidos num espetáculo e quanto dinheiro poderia ser gasto para financiá-los. Devido a estas despesas e o risco adicional de multas por contratar um gladiador e não devolvê-lo em boas condições, muitas disputas se tornaram menos letais para os participantes. Esta estratégia serviu para adicionar mais drama às execuções públicas, nas quais a morte era absolutamente certa.
Havia gladiadores escravos, bem como libertos e profissionais, e, em ocasiões especiais, até mesmo gladiadoras lutando entre si. Alguns deles viraram heróis, especialmente os campeões ou primus palus e os preferidos da multidão; e havia os que tinham seus próprios fã-clubes. Deviam ser um bom investimento, já que mesmo figuras famosas como Júlio César e Cícero possuíam quantidades significativas deles, que alugavam para quem quisesse patrocinar competições.
Escritores mais elitistas, como Plutarco e Dio Crisóstomo protestaram que as disputas de gladiadores eram indesejáveis e contrárias aos ideais culturais “clássicos”. Houve inclusive imperadores que mostraram pouco entusiasmo pela arena e o caso mais famoso é o de Marco Aurélio, que ficava trabalhando em seus papéis durante os eventos. Quaisquer que fossem as preferências pessoais, no entanto, os shows continuavam devido à sua enorme popularidade, até se chocarem com os princípios do cristianismo. Os eventos declinaram progressivamente sob os imperadores cristãos e finalmente acabaram em 404.
Lutas de Animais Selvagens
Além de lutas de gladiadores, as arenas romanas também sediavam eventos com animais exóticos (venationes), capturados de cantos distantes do império. Eles se enfrentavam entre si ou os próprios humanos. Os animais eram frequentemente acorrentados juntos, muitas vezes como uma dupla de carnívoro e herbívoro e açulados uns contra os outros pelos tratadores. Entre os mais famosos “caçadores” (venatores) podem ser citados os imperadores Cômodo e Caracalla, ainda que o risco pessoal para eles fosse mínimo, sem dúvida. O ineditismo de animais como panteras, leões, rinocerontes, hipopótamos e girafas só adicionava mais prestígio aos organizadores daqueles espetáculos inusitados.
Triunfos, Procissões e Batalhas Navais
Os triunfos celebravam vitórias militares e geralmente incluíam uma parada com os soldados através de Roma, que começava na Porta Triunfal e, numa rota convoluta, terminava no templo de Júpiter Optimus Maximus, no Capitólio. O general vitorioso e um grupo seleto de suas tropas eram acompanhados por porta-estandartes, trombeteiros, carregadores de tocha e músicos, além de todos os magistrados e senadores. O general ou imperador, vestido como Júpiter, vinha numa quadriga, acompanhado por um escravo que mantinha sobre a cabeça do mestre uma coroa de louros e sussurrava em seu ouvido para não se impressionar com aquilo e não permitir que o orgulho provocasse sua queda. Durante a procissão, os prisioneiros, o saque e exemplos da flora e da fauna do território conquistado eram exibidos e tudo acabava com a execução do líder inimigo capturado. Um dos mais luxuosos foi o triunfo que celebrou a vitória de Vespasiano e Tito sobre a Judeia, incluindo espólios trazidos de Jerusalém. O evento concentrou-se no arco triunfal de Tito, que ainda pode ser visto nas ruínas do Fórum romano. Embora os imperadores reivindicassem o monopólio deste tipo de evento, Orósio nos informa que, no tempo de Vespasiano, Roma testemunhou 320 triunfos.
Triunfos e procissões menores, tais como a ovatio [ovação] muitas vezes eram acompanhadas por espetáculos de gladiadores, esportivos e teatrais, além de alguns ambiciosos projetos de construção. Júlio César comemorou a guerra alexandrina com a encenação de uma batalha naval simulada (naumachiae) entre navios egípcios e fenícios, com a ação acontecendo numa grande baía construída especialmente para esta finalidade. Augusto também encenou uma batalha naval simulada para celebrar a vitória sobre Marco Antônio e outra enorme simulação num lago artificial para reconstituir a famosa Batalha de Salamina, ocorrida na Grécia séculos antes. Nero fez melhor e inundou um anfiteatro inteiro para abrigar seu show de combate naval. Estes espetáculos se tornaram tão populares que imperadores como Tito e Domiciano sequer precisavam da justificativa de uma vitória militar para impressionar o público com batalhas navais épicas, com temas mitológicos. As manobras e coreografias destes eventos eram inventados, mas a luta era real e, portanto, condenados e prisioneiros de guerra davam suas vidas para alcançar o máximo realismo.
Teatro
Dramas, reconstituições, recitais, pantomimas, mímicas, tragédias e comédias (especialmente as peças gregas clássicas) eram representadas em teatros construídos para este fim, alguns dos quais, como o Teatro de Pompeu, em Roma, ostentando uma capacidade de 10.000 espectadores. Havia também produções das mais famosas cenas de peças clássicas e o teatro romano, em geral, repousava muito nas convenções estabelecidas pelas comédias e tragédias gregas anteriores. Entre as relevantes contribuições romanas aos formatos estabelecidos estão a maior quantidade de atores com falas e cenários muito mais elaborados. O teatro foi popular por todo o período romano os ricos patrocinavam as produções pelos mesmos motivos que patrocinavam outros espetáculos. O formato com maior apelo era a pantomima, na qual o ator atuava e dançava com um acompanhamento musical simples, inspirado no teatro clássico ou em materiais inteiramente novos. Estes artistas solo, que também incluíam as mulheres, tornavam-se superestrelas teatrais. De fato, de certa forma os grandes artistas tais como Batilo, Pílade e Apolausto ganharam a imortalidade, pois sucessivas gerações de atores adotariam seus nomes.
Execuções Públicas
As execuções de criminosos poderiam ser realizadas com o uso de animais selvagens, que atacavam o condenado (damnatio ad bestias) ou fazendo com que lutassem contra gladiadores bem armados e treinados ou, então, entre si. Outros métodos mais teatrais incluíam a fogueira ou crucificação, frequentemente com o prisioneiro caracterizado como um personagem da mitologia romana. O crime cometido era anunciado antes da execução e, de certa forma, a multidão tornava-se uma parte ativa da sentença. De fato, a execução poderia ser cancelada se a multidão o exigisse.
Conclusão
A falta de interesse das elites nos espetáculos resultou em poucas referências literárias sobre o tema e sua atitude desdenhosa pode ser resumida no comentário de Plínio sobre a popularidade das equipes de carros no circo - “quanta popularidade e influência há numa túnica sem valor!”. Porém, a miríade de referências ocasionais aos espetáculos na literatura romana e as evidências que sobreviveram, tais como a arquitetura e representações artísticas, são testemunhos eloquentes da popularidade e longevidade dos eventos mencionados acima.
Para os olhos modernos, os espetáculos sangrentos realizados pelos romanos podem causar repulsa e nojo. Talvez, porém, seja preciso considerar que algumas vezes os chocantes eventos dos espetáculos públicos romanos fossem mais uma forma de escapismo do que representativos de normais sociais e barômetros do comportamento aceitável no mundo romano. Afinal, pode-se especular que tipo de sociedade um visitante do mundo moderno contemplaria apenas examinando os irreais e frequentemente violentos mundos do cinema e dos jogos de computador. Talvez o espetáculo romano, tão chocante e diferente da nossa realidade, de fato contribuísse para reforçar normais sociais em vez de subvertê-las.