Farsália, na Grécia oriental, foi o local de uma batalha decisiva, em 48 a.C., entre dois dos maiores generais romanos de todos os tempos: Pompeu, o Grande e Júlio César. Após vários combates preliminares, Farsália, a maior batalha entre romanos até então, finalmente decidiria qual dos dois homens governaria o mundo romano. Em desvantagem na infantaria e cavalaria, César empregou táticas ousadas que lhe renderam uma vitória retumbante, consolidando sua reputação como um dos maiores comandantes militares da história.
Prólogo
O imensamente popular Cneu Pompeu Magno, também conhecido como Pompeu, o Grande, era reconhecido pelos grandes sucessos militares na Sicília e África; tinha varrido os piratas do Mediterrâneo; e, mais impressionante de tudo, derrotara Mitridates VI no leste. Governando num triunvirato com Júlio César e Marco Licínio Crasso, Pompeu administrava as províncias espanholas enquanto César, agora rico por causa de suas próprias conquistas, controlava a Gália. Nos anos finais da República Romana e em seguida à súbita morte de Crasso em 53 a.C., os dois líderes remanescentes entraram numa rota de colisão rumo ao desastre.
Pompeu, um mestre da logística e receoso do inevitável confronto com César sem a devida preparação, decidiu que sua melhor estratégia era abandonar a Itália. Lá as lealdades estavam divididas e as duas legiões disponíveis não eram confiáveis para enfrentar seu antigo comandante, o próprio César. Em vez disso, Pompeu escolheu a Grécia para reunir suas legiões, em 49 a.C. César quase alcançou o exército de Pompeu antes que deixasse o porto de Brundísio (atual Brindisi), na Itália meridional mas, escapando de um bloqueio parcial da baía, o general fugiu para lutar outro dia. Como ainda persistia o problema das sete legiões leais a Pompeu na Espanha, César, que agora controlava o tesouro de Roma, fez algumas nomeações para as províncias e voltou sua atenção para este ameaça em sua retaguarda. Em sete meses as legiões haviam sido subjugadas e, no caminho de volta para a Itália, como um bônus adicional, o sítio de Massília foi coroado de êxito. Nomeado ditador por Lépido, César construíra uma formidável reputação no campo de batalha e uma plataforma segura de onde lançar um ataque final e devastador contra Pompeu.
Houve, porém, empecilhos consideráveis para os comandantes de César, tanto na África quanto no Adriático. Pompeu usou bem o tempo para reunir em Beroeia, na Tessália, nove legiões romanas e uma considerável força multinacional de 3.000 arqueiros, 1.200 slingers (fundibulários) e 7.000 cavaleiros. Como se isso não fosse suficiente, também tinha 600 navios à sua disposição. Como era típico, os navios trazidos do Mediterrâneo oriental ficaram divididos em várias frotas. Marco Bíbulo recebeu o comando geral. Os números eram impressionantes, mas a mistura exótica de nacionalidades, sua prontidão e sua lealdade para com a República no momento da refrega eram questionados, principalmente por Cícero.
Com o apoio das classes mais altas de Roma, Pompeu foi oficialmente nomeado comandante-em-chefe dos exércitos da República e marchou para montar um acampamento de inverno na costa oeste da Grécia. Com a estação já adiantada, parecia agora que o confronto teria de esperar até a primavera seguinte, mas então César fez o impensável. A despeito da ameaça da marinha de Pompeu e dos riscos da travessia no inverno, César, fiel à sua própria máxima, “a mais poderosa arma da guerra é a surpresa”, reuniu o máximo possível de seu exército e, sem a bagagem costumeira ou escravos, navegou para a Grécia em 4 de Janeiro. Desembarcou em Palaeste, nas barbas da frota de Pompeu estacionada em Corcira. Com a tardia reação das forças navais do adversário, César não perdeu tempo e começou a saquear cidades, enquanto Pompeu era forçado a acompanhá-lo até o Rio Apsus, onde cada exército acampou em margens opostas.
Marco Antônio, o confiável segundo em comando de César, chegou finalmente em Abril com reforços, o que elevou o total de legiões de César para onze. Ambos os lados moviam-se pela Tessália, tentando controlar a região e prevenir que reforços chegassem ao oponente, até que se defrontaram novamente, agora em Asparágio. Sete legiões de César estavam diante de nove legiões de Pompeu que, confiante em que podia fustigar as linhas de suprimentos do inimigo, não tinha pressa em travar batalha. Ele acabou montando um acampamento em Dirráquio, mas César imediatamente começou um audacioso projeto de construir um muro de contenção para garantir que Pompeu ficasse encurralado contra o mar. Atraindo César para um ataque ao usar falsos traidores que prometiam abrir os portões do acampamento, Pompeu revidou com tudo o que podia, incluindo artilharia naval. César conseguiu recuar mas foi atacado novamente e desta vez Pompeu dirigiu suas tropas para os pontos fracos dos muros de cerco, com base em informações de dois comandantes de cavalaria desertores. Na confusão que se seguiu, Pompeu montou um novo acampamento ao sul dos muros de César. Porém, em 9 de Julho, no momento em que as forças de Pompeu estavam divididas entre os dois acampamentos, César atacou o mais antigo, forçando o oponente a mandar cinco legiões para libertar seus camaradas. As tropas de César foram duramente atingidas, mas Pompeu não tomou partido de sua vantagem – e jamais teria outra oportunidade semelhante contra sua nêmesis. Numa frase célebre, César julgou a falta de iniciativa de Pompeu como evidência de que “ele não sabe como vencer guerras”.
Após se reagrupar e finalmente reconhecer que seu bloqueio era fútil, César retirou-se para o sul. Pompeu enviou sua cavalaria para persegui-lo, mas César conseguiu escapar para a planície da Tessália, na Grécia, onde montou acampamento na margem norte do Rio Enipeu, entre Farsália e Palaefarsália. Logo em seguida, Pompeu chegou com seu exército à região, instalando seu próprio acampamento uma milha a oeste, nas colinas baixas vizinhas – uma boa posição estratégica que garantia uma rota segura de suprimentos. O palco estava finalmente preparado para a decisão sobre quem controlaria o Império Romano.
Os Comandantes
Júlio César era reconhecido pelo uso de velocidade (celeritas) e surpresa (improvisum) nos confrontos militares. Com frequência escolhendo atacar com as tropas à disposição, em vez de esperar para reunir uma força maior e estabelecer linhas seguras de suprimentos, ele tinha muita fé em suas próprias habilidades de liderança e na perícia das legiões que comandava. Afortunadamente, vez após outra, os inimigos davam a César exatamente o que ele queria – batalhas decisivas de tudo ou nada – e Farsália acompanharia este mesmo padrão.
Marco Antônio, o capaz e experiente vice-comandante, comandaria a ala esquerda. Domício Calvino, ex-tribuno e ex-cônsul, ficou com o centro. Públio Cornélio Sula (sobrinho de Sula), que havia contido habilmente Pompeu em Dirráquio, lideraria a ala direita.
Pompeu desfrutava de uma grande reputação como líder militar após uma sequência de vitórias e era particularmente reconhecido pelo seu planejamento meticuloso e atenção aos detalhes. Com a idade, entretanto, talvez tivesse se tornado cauteloso demais no campo de batalha, e lhe faltava o arrojo e a ousadia que poderiam levar à vitória quando as coisas não estavam indo bem ou conforme o planejado, características que seu oponente possuía de sobra.
Como reforço na tenda de comando de Pompeu havia a inclusão de Tito Labieno, segundo em comando de César na maior parte da campanha gaulesa e que tinha desertado para o lado republicano; ele comandaria a grande força de cavalaria. Liderando o centro estava Metelo Cipião, um ex-cônsul que tivera sucesso na Síria, enquanto Africano ficaria na ala direita e Aenobarbo na esquerda.
As Posições de Batalha
César estava ansioso por resolver a questão imediatamente, mas Pompeu relutava em abandonar sua posição vantajosa no terreno elevado. Após vários dias neste impasse, César decidiu desmontar o acampamento e deixar a região, na esperança de enfrentar Pompeu em algum outro lugar. Porém, no início da manhã do dia 9 de Agosto, Pompeu inexplicavelmente conduziu suas tropas para a planície em formação de batalha. Era a chance que César esperava. Abandonando a bagagem e inclusive derrubando as próprias defesas para permitir o acesso mais rápido das tropas ao campo de batalha, o general e seus soldados marcharam em passo acelerado para finalmente confrontar o inimigo.
Talvez Pompeu finalmente tenha se cansado do jogo de gato e rato, talvez quisesse aproveitar o bom moral dos seus homens após a vitória em Dirráquio, ou quem sabe tenha achado intolerável perder de vista seu inimigo e apenas assistir enquanto ele causava o caos. Pompeu também pode ter sofrido pressão dos senadores que o acompanhavam, ávidos por libertar a República da ameaça personificada por César. Seja qual for a razão, ele abandonou a posição vantajosa, em terreno elevado, e agora os dois exércitos se encontravam na planície.
Pompeu colocou em formação de batalha onze legiões, num total de 47.000 homens. 110 coortes alinhavam-se na formação triplica acies - quatro coortes na primeira linha e três cada na segunda e terceira linhas. O grosso da cavalaria, arqueiros e slingers (fundibulários) concentravam-se na extremidade do flanco esquerdo, tendo as colinas baixas na retaguarda, enquanto um esquadrão menor de cavaleiros e a força de infantaria ligeira ficavam estacionadas na extremidade direita, tendo o rio Enipeu às costas. As melhores tropas tomaram seus lugares nas alas e no centro, com veteranos dispersados para dar apoio aos soldados novatos. O comprimento total da frente de batalha teria cerca de quatro quilômetros. O plano de Pompeu era enviar a cavalaria pelo flanco inimigo e atacar pela retaguarda. Enquanto isso, a infantaria avançaria e o exército de César seria esmagado entre os dois movimentos. O general em pessoa dava as ordens no campo, a partir de sua posição atrás da ala esquerda.
César alinhou as tropas para espelhar as posições de Pompeu, mas para isso teve de reduzir suas próprias linhas. Havia somente nove legiões à sua disposição, totalizando 22.000 homens, divididos em 80 coortes, números bem menores do que seu oponente. Ele se posicionou em frente a Pompeu, atrás de sua melhor legião, a X, na ala direita. A infantaria ligeira ficou postada bem ao centro. Como uma precaução contra a superioridade de Pompeu em termos de cavalaria (6.700 contra 1.000), César deixou seis coortes (2.000 homens) na retaguarda para agir como reserva do flanco direito, postando-os num ângulo oblíquo.
O Ataque
Pompeu atacou primeiro, usando sua cavalaria, e atraiu um contra-ataque dos cavaleiros de César. Enquanto isso, as duas linhas de infantaria de César atacaram as três linhas de infantaria de Pompeu, que mantiveram suas posições em vez de empregar o tradicional avanço para enfrentar um inimigo em aproximação. Esta tática pode ter tido o objetivo de cansar a infantaria de César, ao fazê-los cobrir mais terreno; garantir que sua própria cavalaria tivesse menos terreno para percorrer para flanquear o inimigo; ou simplesmente porque Pompeu desejava manter uma boa ordem de batalha. Porém, vendo que as linhas de Pompeu não estavam avançando, as legiões de César interromperam a marcha, reagruparam e, após recuperarem o fôlego, continuaram sua carga. Deliberadamente, César manteve na retaguarda sua terceira linha de infantaria. As primeiras armas usadas foram as lanças (pilla), uma salva de cada lado. Então os inimigos entraram em luta corpo a corpo, com um estrépito de escudos se chocando e espadas em riste.
Fazendo valer sua superioridade numérica, a cavalaria de Pompeu levou a melhor sobre os cavaleiros inimigos e alcançou a retaguarda da infantaria de César. Enquanto se reorganizavam em esquadrões menores, César aproveitou a oportunidade para atacar. Tendo recuado o que restava de sua própria cavalaria (o que talvez tenha sido uma estratégia premeditada), ele enviou os seis coortes de infantaria de reserva, ordenando aos homens para mirar no rosto dos inimigos ao atirar suas lanças. Este ataque inesperado deixou a cavalaria republicana em pânico e eles recuaram desordenadamente. Com isso, os slingers e arqueiros de Pompeu ficaram indefesos na retaguarda. Após a confusa retirada da cavalaria republicana, o ataque das reservas de infantaria e possivelmente a reentrada da reduzida cavalaria de César resultaram numa completa debandada, expondo toda a ala esquerda de Pompeu. Tendo engajado todas as três linhas de sua infantaria, o líder republicano não tinha forças de contingência para lidar com esta nova ameaça e, precisamente neste momento, César lançou sua terceira linha de infantaria no combate.
As tropas de Pompeu inicialmente resistiram ao assalto e mantiveram uma formação disciplinada mas, eventualmente - e sem poder contar com o auxílio dos soldados aliados multinacionais, que provavelmente desertaram -, as legiões recuaram precipitadamente para as colinas. Pompeu retirou-se para seu acampamento, consternado, e abandonou o campo de batalha, cavalgando para Larissa com uma pequena escolta leal e disfarçado, de forma ignominiosa, como um soldado comum. César aproveitou a vantagem e arrasou o acampamento de Pompeu, fazendo com que o restante do exército inimigo se refugiasse na colina Kaloyiros. O general cercou a colina e, com quatro legiões, impediu que os soldados republicados se retirassem para Larissa. Na manhã do dia 10, o exército de Pompeu rendeu-se. César alegou ter morto 15.000 soldados inimigos, mas o número mais provável fica em torno de 6.000 mortos no lado republicano, enquanto os vitoriosos somaram cerca de 1.200 baixas. A maioria dos líderes republicanos fugiu do campo de batalha, esperando retomar a guerra a partir da África, mas a vitória foi de César.
Consequências
Chegando ao Egito através de Chipre, Pompeu pretendia convencê-los a se aliarem à causa republicana, mas foi brutalmente assassinado em 28 de Setembro de 48 a.C.. Os egípcios esperavam ganhar o favor de César presenteando-o com a cabeça e o anel de sinete do seu grande inimigo mas, na realidade, conta-se que o ditador desatou em lágrimas quando viu o destino de seu rival. Após recolocar Cleópatra VII no trono do Egito e derrotar os últimos exércitos republicanos na África, César retornou a Roma em triunfo em 46 a.C.. Então, quando os últimos remanescentes da oposição foram vencidos na Espanha, restou somente Júlio César em pé, agora o mais poderoso indivíduo do mundo romano. Como a última cereja do bolo, em Fevereiro de 44 a.C. o Senado o nomeou ditador perpétuo.