A Batalha de Filipos (42 a.C.)

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 25 novembro 2014
Disponível noutras línguas: Inglês, francês
Ouve este artigo
X
Imprimir artigo

A Batalha de Filipos (42 a.C.) foi um conflito entre romanos, envolvendo de um lado o jovem herdeiro de Júlio César, Otaviano, e o astucioso Marco Antônio, amplamente considerado como o melhor general na época, contra Bruto e Cássio, assassinos de César e defensores da causa da República. O combate, travado numa planície da Macedônia oriental nas proximidades da cidade de Filipos, envolveria os maiores exércitos romanos já reunidos até então, com um total de 36 legiões, cujo sangrento resultado decidiria o futuro do Império Romano e finalmente traria o fim da República Romana, após 500 anos de existência.

Prólogo

Em 44 a.C., Marco Antônio e Caio Otaviano, respectivamente o mais bem-sucedido general de César e seu herdeiro escolhido, formaram uma aliança instável para se vingar dos assassinos do ditador, restaurando a ordem na República. Após uma reconciliação inicial com os conspiradores, Antônio tentou marginalizar Bruto e Cássio, indicando-os para assumirem os cargos de supervisores do fornecimento de grãos para Roma na Ásia e na Sicília. Os cargos foram recusados e os dois homens deixaram Roma rumo ao Oriente. Nesse meio tempo, Otaviano iniciou, com sucesso, uma campanha para aumentar sua popularidade junto ao povo, patrocinando uma série de espetáculos públicos. Antônio estava sendo atacado por Cícero, que queria um Senado completamente independente e decidiu apoiar Otaviano. Porém, mesmo que Antônio estivesse perdendo no jogo político, ele ainda controlava o exército e trouxe quatro das suas legiões da Macedônia para a Itália, com a esperança de fortalecer sua posição.

Remover publicidades
Publicidade

Quando o general encontrou-se com os soldados na cidade portuária de Brundísio, em outubro de 44 a.C., o inesperado ocorreu. Insatisfeitos com a ausência de ação decisiva contra os assassinos de César, as tropas declararam sua lealdade a Otaviano, que havia oferecido maiores recompensas financeiras. Com isso, a distinção entre aqueles dois homens ambiciosos em vigor até então - a de que um possuía poder político e o outro controlava o exército -, não mais fazia sentido. Logo outras legiões também começaram a declarar apoio a Otaviano. Antônio respondeu manobrando para que o Senado redistribuísse províncias importantes para seus seguidores mais fiéis. Em consequência, a política de conciliação com os assassinos de César sofreu reveses. Décimo Bruto, membro do grupo de conspiradores que havia matado César, ignorou a redivisão e ocupou a cidade de Mutina (atual Modena) com duas legiões. Antônio, ainda com três legiões à disposição, montou um cerco à cidade fortificada. Enquanto isso, com o apoio do Senado, Otaviano assumiu o comando de quatro legiões e declarou Antônio culpado de tumultus (distúrbios civis). O próximo passo seria uma declaração de guerra contra seu rival pelo controle do Império Romano.

Bust of Mark Antony
Busto de Marco Antônio
Tataryn77 (Public Domain)

Historiadores da Antiguidade deram várias versões sobre os combates em Mutina, em Abril de 43 a.C., mas, apesar da confusão entre os relatos, sabe-se que Antônio saiu vitorioso a princípio, e depois foi parcialmente derrotado. Apesar da vitória final dos Republicanos, os dois cônsules que comandavam as tropas pereceram. Otaviano ficou irritado porque o Senado não lhe concedeu um triunfo e, além disso, ainda deu a Sexto Pompeu o comando da frota romana sem consultá-lo. Enquanto Otaviano lidava com a política em Roma, Antônio fortalecia sua posição e agora controlava a Gália e a Espanha. Num movimento decisivo, Otaviano marchou com suas oito legiões para a Roma, onde outras três legiões republicanas prontamente mudaram de lado. O jovem de apenas 20 anos tornou-se então cônsul. Outras seis legiões também decidiram juntar-se a ele, fortalecendo ainda mais sua posição. Agora com 17 legiões sob seu comando, dedicou então sua atenção total a Antônio, que dispunha de 20 legiões e 10.000 cavaleiros. A diplomacia prevaleceu, entretanto, e três líderes - Antônio, Otaviano e Lépido - encontraram-se em novembro de 43 a.C. para discutir a situação e formar o Segundo Triunvirato, no qual cada membro recebeu carte blanche (carta branca), para governar suas respectivas áreas do império por cinco anos. O exército foi redistribuído, cabendo a Lépido três legiões, enquanto Antônio e Otaviano receberam 20 legiões cada. Os Republicanos em Roma sofreram a violenta vingança dos triúnviros e figuras de destaque, como Cícero, foram executadas.

Remover publicidades
Publicidade

Nesse meio tempo, Bruto reunia seu exército na Macedônia Superior, enquanto Cássio alistava 12 legiões na Judeia. Em 43 a.C., as forças se reuniram em Esmirna. Após campanhas bem-sucedidas contra Rodes e Xantos, montaram acampamentos em Filipos, no Helesponto, em Setembro de 42 a.C.. Havia ainda uma terceira ameaça para Otaviano e Antônio: Sexto Pompeu, que havia assumido o controle da Sicília em Dezembro de 43 a.C., com o auxílio de uma grande frota. Incapaz de submeter Sexto, Otaviano levou em consideração o pedido de Antônio para enfrentar em conjunto a ameaça maior, representada pelos dois líderes Republicanos no Oriente. Os exércitos dos Triúnviros partiram de Brundísio e cruzaram o Mar Adriático. O momento da batalha se aproximava.

Os Comandantes

Marco Júnio Bruto, embora tenha tido sucesso anterior em conflitos menores, na Trácia e Lícia, tem sido considerado pela história como um tanto suave e sem autoridade no que se refere ao comando de grandes exércitos em batalhas campais. É descrito, em geral, mais como um estadista do que um líder militar por muitos historiadores. O outro líder Republicano, Caio Cássio Longino, por outro lado, conquistou a reputação de um general astuto e um disciplinador rígido - derrotou os partos em 51 a.C. e metade da frota de Júlio César durante a Guerra Civil, quando se aliou a Pompeu. A dupla, portanto, formava um inusitado mas formidável time, que teve a má sorte de enfrentar dois dos maiores líderes romanos.

Remover publicidades
Publicidade

Augustus, Bronze Head from Euboea
Augusto, Cabeça de Bronze de Eubeia
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Marco Antônio já desfrutava de uma brilhante carreira militar nos tempos de Filipos, com uma longa série de sucessos como braço direito de César e seu Mestre do Cavalo (segundo em comando na ditadura romana). Sua liderança em tempos de paz era bem menos efetiva e ele facilmente negligenciava seus deveres como político para participar de festas extravagantes, mas, em meio ao caos e horror da guerra ninguém o sobrepujava. Seu aliado de conveniência para derrotar um inimigo comum era Caio Júlio César Otaviano. Tecnicamente, Otaviano, herdeiro do agora deificado Júlio César, era filho de um deus, mas este fato escondia seus relativamente modestos antecedentes. Eventualmente ele iria se tornar o primeiro, e possivelmente o maior de todos, imperador romano. Mas, em Filipos, era ainda um comandante jovem e inexperiente que, para piorar as coisas, sofreu com problemas de saúde durante a batalha. Desta forma, Antônio iria, como em tantas ocasiões anteriores, roubar a glória militar. Ousado e imprudente, mas frequentemente afortunado, Antônio iria se sobressair no papel para o qual parecia ter nascido.

Exércitos e Armamento

Os exércitos que se enfrentaram em Filipos eram formadas pelas já bem conhecidas unidades militares romanas, as legiões. Uma legião era composta por 4.800 homens, divididos em 10 coortes e 60 centúrias. Um legado (legati) comandava uma legião, com a ajuda de tribunos militares (tribuni militum). Cada centúria recebia ordens na linha de frente de um centurião e um sargento (tesserarius), enquanto um optio (adjunto) organizava a retaguarda. Cada legionário portava um gládio, tipo de espada curta (gume duplo e cerca de 60 cm de comprimento), um pilum, lança ou dardos, um pugio (adaga) e, para a defesa, um escudo (cerca de um metro de altura, feito de madeira e embainhado com ferro), couraça com cota de malha e elmo. Um destacamento de 300 cavaleiros suplementava cada legião, além de slingers (fundibulários), arqueiros e outros auxiliares com armas leves.

As Posições Iniciais

A batalha iria envolver o maior número de tropas da história militar romana até então. Dezenove legiões do Triunvirato, com 110.000 soldados, defrontavam-se com 17 legiões republicanas, com 90.000 combatentes. Os triúnviros dispunham ainda de 13.000 cavaleiros e uma legião extra, estacionada em Anfípolis, uma cidade próxima, enquanto os Republicanos contavam com duas legiões adicionais protegendo sua frota e uma força de cavalaria com 17.000 homens. O exército Republicano era não somente menor, mas consistia numa variedade muito maior de tropas trazidas de vários regiões do império. Para completar, muitos dos veteranos e os sempre vitais centuriões haviam lutado muitas vezes sob o comando de Júlio César. Enfrentar o herdeiro e o melhor general de César seria um duro teste para a resolução e lealdade destes homens.

Remover publicidades
Publicidade

No campo de batalha, Cássio ocupou dois montes localizados sobre a planície de Filipos, uma posição vantajosa, e construiu dois acampamentos fortificados para suas nove legiões. Bruto e duas oito legiões acamparam ao sopé das montanhas e um corredor com paliçadas foi erguido para conectar os dois exércitos. Tanto um quanto o outro recebiam proteção adicional do Rio Gangites. Havia uma distância significativa de 2,7 quilômetros entre um e outro, porém, o que dificultava o apoio mútuo. Portanto, Antônio concentrou-se no acampamento de Cássio e, com sua bravata típica, instalou seu exército, com 10 legiões, a apenas 1,5 quilômetro do inimigo. Dez dias depois, o exército de Otaviano, com nove legiões, chegou à região. Os Republicanos tinham todas as vantagens de uma melhor linha de abastecimento e uma posição elevada, o que fazia o tempo trabalhar a seu favor. Os Triúnviros precisavam tomar a iniciativa de algum modo.

1st Battle of Philippi 42 BCE
Primeira Batalha de Filipos, em 42 a.C.
Calabrian (Public Domain)

A Primeira Batalha de Filipos

As várias tentativas de Antônio e Otaviano de atrair o inimigo para a planície falharam completamente. Em consequência, Antônio, enquanto fingia realizar manobras com as tropas, tentou cruzar os pântanos de junco sem ser detectado, construindo um caminho elevado para acessar a retaguarda e cortar as linhas de abastecimento dos Republicanos. Cássio logo percebeu a estratégia e, em resposta, tentou impedir o avanço das forças de Antônio com a construção de um muro transversal, que ia do seu acampamento até o pântano. Vendo que seu plano havia sido descoberto, no dia 3 de Outubro Antônio liderou um assalto direto ao muro de Cássio, esmagando o aturdido flanco direito do inimigo e destruindo suas fortificações. Então, enquanto o grosso do exército estava lutando na planície, Antônio atacou o indefeso acampamento de Cássio. A situação piorava para as forças de Cássio na planície e, quando os soldados viram seu campo invadido, uma retirada caótica sobreveio.

Enquanto isso, Bruto obtinha bons resultados contra as legiões de Otaviano que, pegas de surpresa por um ataque inesperado de um destacamento avançado, que requereu a mobilização das demais tropas em apoio, foram desbaratadas num combate caótico, durante o qual o acampamento de Otaviano foi capturado. Felizmente, Otaviano - novamente doente e distante da batalha - havia se refugiado no pântano, o que evitou sua captura. Ao descobrir a perda do acampamento do colega, Bruto enviou reforços mas Cássio, resistindo com uma pequena força na acrópole de Filipos, confundiu os soldados como sendo de Antônio e suicidou-se - justo no seu aniversário -, preferindo a morte a ser capturado. Enquanto tudo isso acontecia, as tropas de reserva de Antônio e Otaviano, que chegavam pelo mar, foram destruídas no Mar Adriático pela frota Republicana. Assim, a primeira Batalha de Filipos terminou mais ou menos num empate, com a perda de 9.000 homens pelos Republicanos e mais do que o dobro deste número do exército de Otaviano.

Remover publicidades
Publicidade

A Segunda Batalha de Filipos

Após a primeira batalha, ambos os lados reagruparam em seus acampamentos. Bruto, que passou a ocupar as instalações anteriormente ocupadas por Cássio, ateve-se ao seu plano original de manter posição até que o inimigo fosse forçado a recuar pela falta de provisões. Ele acossava o inimigo através de ataques noturnos e até mesmo desviando um rio para inundar parcialmente o acampamento dos Triúnviros. Com provisões limitadas e a perda das reservas no Adriático, Antônio e Otaviano precisavam decidir o que fazer antes que o inverno os forçasse a abandonar o campo de batalha. Inicialmente, Bruto resistiu estoicamente às repetidas provocações do inimigo para deixar o acampamento e formar para o combate. Porém, pelo menos de acordo com os historiadores da Antiguidade, a disciplina começou a falhar e os soldados tomaram a iniciativa, descendo até a planície em formação de batalha.

Antônio tinha, nesse meio tempo, tomado algumas decisões igualmente ousadas. Primeiro, ele ocupou um pequeno monte ao sul do acampamento de Bruto, que o líder Republicano tinha deixado desprotegido (embora Cássio tivesse tido o cuidado de instalar uma guarnição no local). Sob a proteção de uma paliçada de vime, quatro legiões estavam agora perigosamente próximas da posição de Bruto. Ao mesmo tempo, dez legiões marcharam até o centro do pântano e outras duas um pouco mais a leste. Bruto respondeu construindo fortificações frontais a estes dois blocos de tropas inimigas mas, se suas linhas fossem ainda mais estendidas, ele não teria mais acesso a abastecimento e ficaria espremido contra as montanhas - uma posição indefensável. Nessa altura, o exército Republicano tinha poucas alternativas além de um assalto frontal. O tempo de vacilação tinha terminado.

2nd Battle of Philippi 42 BCE
Segunda Batalha de Filipos, em 42 a.C.
Calabrian (Public Domain)

O uso de armas de artilharia nos limites de um campo de batalha tão restrito foi descartado por impraticável. As tropas se chocaram de imediato num temível combate homem a homem. Inicialmente, os Republicanos tiveram um bom desempenho contra a ala direita do inimigo mas Bruto, com menos tropas à disposição, havia estendido suas linhas ao máximo para evitar uma manobra de flanco. Antônio aproveitou a oportunidade para avançar, destruir o centro do inimigo e, movendo-se para a esquerda, atacar a retaguarda do oponente. As tropas republicanas ficaram em desordem e o caos sobreveio. Enquanto isso, Otaviano investia contra o acampamento Republicano, enquanto Antônio usava a cavalaria para perseguir Bruto e evitar que escapasse. O líder Republicano refugiara-se nas montanhas próximas, mas, quando as suas quatro legiões remanescentes pediram clemência a Antônio, decidiu tirar a própria vida. Um total de 14.000 soldados se rendeu e, apesar de alguns terem conseguido fugir pelo mar para Tasos, a causa Republicana chegou ao fim e o assassinato de Júlio César foi vingado. Nas palavras de Ovídio, "todos os ousados criminosos que, em desafio aos deuses, profanaram o chefe dos altos sacerdotes [César] tombaram em merecidas mortes. Filipos é testemunha, assim como aqueles cujos ossos espalhados branqueiam sua terra".

Consequências

Enquanto Antônio era saudado como imperator tanto pelos vitoriosos e perdedores, Otaviano, que havia agido de forma mais severa com os derrotados, não encontrava tanto aplauso. Como Plutarco assinalou sem meias palavras, "[Otaviano] nada fez de importante e todo o sucesso e vitória foram de Antônio". Novamente as legiões foram redistribuídas. Antônio levou oito para a campanha contra a Pártia, enquanto Otaviano retornou à Itália com três. A batalha, com suas 40.000 fatalidades e as retaliações subsequentes contra os simpatizantes dos Republicanos, deixou Roma despojada de alguns dos seus mais distintos cidadãos e soldados e, ainda assim, a questão de quem iria governar o império permaneceu indefinida. Isso porque, a despeito da óbvia perícia militar de Antônio, ao final seriam a habilidade política e o gênio de Otaviano em inspirar lealdade em comandantes talentosos, como Marco Agripa, que evitaram que o general se tornasse um novo César. Após vários anos de disputas e intrigas, Otaviano se tornaria o real vencedor de Filipos e, finalmente, com a derrota de Antônio na Batalha de Ácio, em 31 a.C., iria governar o Império Romano como o primeiro de uma longa lista de imperadores.

Remover publicidades
Publicidade

Bibliografia

A World History Encyclopedia é um associado da Amazon e recebe uma comissão sobre as compras de livros elegíveis.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2014, novembro 25). A Batalha de Filipos (42 a.C.) [The Battle of Philippi 42 BCE]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-773/a-batalha-de-filipos-42-ac/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "A Batalha de Filipos (42 a.C.)." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação novembro 25, 2014. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-773/a-batalha-de-filipos-42-ac/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "A Batalha de Filipos (42 a.C.)." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 25 nov 2014. Web. 20 nov 2024.