Os selos cilíndricos estão entre os artefatos mais interessantes e reveladores descobertos na antiga Mesopotâmia. Esses pequenos objetos podem ser encontrados em exibições de museus ao redor do mundo, mas devido ao seu tamanho, eles não recebem a devida consideração pelo publico geral, que geralmente aprecia artefatos de maior proporção.
O selo cilíndrico, entretanto, era uma parte integral da vida cotidiana na Mesopotâmia e nos conta a história de individuos mais profundamente que relevos ou estátuas reais.
Selos cilíndricos eram carimbos marcados com desenhos intricados usados na região. Eles eram chamados de kishib em sumério e kunukku em acádio e eram utilzados por toda a população, desde a realeza a pessoas escravizadas, em transações e em correspondências. Eles foram originados no período Neolítico tardio c. 7600-6000 a.C na atual Síria (outras fontes, porém, afirmam que eles foram criados na Suméria, atual Iraque, algum tempo depois) e eram feitos de pedras semipreciosas (como mármore, obsidiana, amestista, lápis lazuli) ou metal (prata ou ouro).
Esses selos eram usados por seus proprietários em fitas de couro ou outro material em volta do pescoço ou pulso ou preso as roupas. Eles eram usados com o propósito de sevir como uma assinatura pessoal em um documento ou pacote para garantir autenticidade ou legitimar um negócio, da mesma forma que assinamos uma carta ou um formulário atualmente. O selo era rolado contra a argila úmida do documento como uma assinatura oficial obrigatória.
Os selos de cera são contemporâneos aos selos cilíndricos, embora menores e com designs menos ordenados. O selo cilíndrico comum tinha entre 7 e 10 cm de cumprimento enquanto os selos de cera tinham menos de 2cm no total e se assemelham a aneis sinetes modernos. Enquanto alguns acadêmicos (como o Dr. Stephen Bertman) afirma que selo de cera veio antes do selo cilíndrico, outros (como a Dra. Gwendolyn Leick e Dra. Senta Green) acreditam que ambos os selos eram utilizados concomitantemente.
A afirmação de que o selo de cera veio antes faria sentido já que este é um modo menos refinado de se carimbar documentos, e poderíamos assumir logicamente que o selo mais refinado e ornamentado foi desenvolvido a partir do modelo mais primitivo. Apesar disso, evidências sugerem que o selo de cera era popular ao mesmo tempo em que os selos cilíndricos, especialmente nas regiões onde hoje são a Turquia e Síria.
Selos de cera e selos cilíndricos: o que foi inventado primeiro?
A questão acerca de se o selo cilindrico substituiu selo de cera ou simplesmente se tornou mais popular vem a tona devido a discordância entre estudiosos sobre o que, precisamente era selado. Alguns acadêmicos argumentam que os selos cilíndros se desenvolveram a partir deselos de cera por conta da necessidade desear bullae esferas redondas e ocas de argila em que se depositavam figuras representando uma transação financeira (por exemplo, quatro pedras brancas que representavam quatro ovelhas), enquanto selos de cera eram usados para guardar envelopes de argila que seriam quebrados no momento da abertura.
Os envelopes, segundo a teoria, eram usados antes do desenvolvimento das bullae e portanto, a cera era uma forma eficiente de assegurar uma mensagem ou negócio. Com o avanço do bullae, um selo que pudesse ser rolado contra a argila redonda se fez neccessário, e desta forma o selo cilindrico foi criado.
O problema com essa teoria é que os envelopes quebrados descobertos foram selados com selos cilíndricos e que eles são bullae que eram marcados por selos de cera. A perspectiva mais assertiva é a de que, enquanto os selos de cera podem ter precedido o selo cilíndrico, o celo de cera continuou a ser usado, possivelmente por apego pessoal. Bertman nota que os selos cilíndricos "se tornaram heranças de família e como tal, foram passados de geração a geração. "(231).
A mesma situação poderia ser dita verdade com relação ao selo de cera, mas deve-se considerar o uso amplamente disseminado dos selos de cera com exceção de selos cilíndricos nos antigos territórios da Síria e Turquia, em que eram usados bullae e enveloes de argila. Parce efazer sentido que o selo cilíndrico se desenvolveu a partir do selo de cera, e talvez tenha sido, mas não se pode negar a conclusividade dessa afirmação. As evidências arqueológicas tornam claro que ambos os modelos de selo eram usados pelos mesopotâmicos e eram utilizados tanto para bullae quanto para envelopes de argila com datação anterior a invenção da escrita cuneiforme.
Uma resposta para a questão é dada pelo acadêmico Clemens Reichel na obra de Joshua Engelhardt Autonomia na Escrita Antiga. Reichel afirma que a resposa sobre o que foi inventado primeiro pode ser entendida pela necessidade que caa região da Mesopotâmia tinha em selar correspondência ou contêiners. Reichel diz:
Ao contrário da tradição do norte em usar selos de cera, os mesopotâmicos do sul usavam selos cilíndricos, cm cilindros de pedra nos quais desenhos eram gravados. A diferença entre selos de cera e selos cilindrícos é mais do que técnica, e, na verdade, fala sobre a natureza da autonomia dos scribas por trás dos selos. O espaço limitado no lado contrário do selo limitava o potencial de variação no repertório iconografico dos designs. Portanto, o número de variações discerníveis e um tema também era limitado. A superfície de um selo cilíndrico, em comparação, funciona como a "tela" para uma longa imagem retangular, fazendo dele o lugar perfeito para um desenho elaborado com imagens "narrativas". Espaço suficiente sgnificava que o mesmo tema podia variar facilmente sem que ocorresse nenhum tipo de confusão. Esse suporte, portanto, se adequava as necessidades de uma entidade burocrática cada vez mais complexa que exigia detlhes sutis para indentificação de indivíduos dentro do sistema. (34)
Como a burocracia de Uruk (na Suméria) e o restante dos ul da Mesopotâmia era mais complexificada em conparação com norte, relativamente falando, fazia mais sentido que a região sul tivesse favorecido o selo cilíndrico enquanto o selo de cera permaneceu popular na região norte. Essa hipótese também responde a questão de onde o selo foi originado já que a Suméria teria desenvolvido o selo cilindrico e a antiga Síria o selo de cera partindo de suas respectivas necessidades.
A complexidade dos selos
O uso do selo cilíndrico se popularizou durante o quarto milenio a.C no período médio e tardio de Uruk. A ascenção da burocracia durente esse período necessitava o tipo de garantia de autenticidade que os selos forneciam e, com o tempo adquiriram designs e cada vez mais complexos. Ao contário dos selos de cera, os selos cilíndricos davam aos artistas certo espaço para explorar os temas.
Esses temas não apenas deixam claro a idetidade do autor que comprou o selo como também fornecia detalhes sobre sua vida e o trabalho que exercia. Leick discorre:
As cenas pictóricas que se referiam a atividades como tecelagem, cuidados com animais domésticos, caça, e talvez ações rituais podem indicar esferas de competências administrativas dentro da organização econômica de Uruk. (47)
Essa "competência administrativa" era demonstrada pelo trabalho sofisticado dos artstas que criaram os selos.
Produção
Selos cilíndricos eram feitos por um cortador de selos conhecido como burgul em sumério e purkullu em acádio. Os aprendizes trabalhavam com um mestre por pelo menos quatro anos antes que pudessem abrir a própria loja como um profissional. Stephen Bertman escreve sobre o kit de ferramentas de um cortador de selos encontrado nas ruínas da cidade de Ugarit, Síria:
Em um pote de argila foram encontrados um cinzel de cobre, dois entalhadores cobreados pequenos (para os detalhes), uma pedra de amolar, uma broca (para perfurar), e alguns selos que não foram terminados. (233)
O cortador de selo também usava ferramentas de gravura de bronze e pedra assim como brocas e lâminas pra transformar a pedra em um selo. Bertman afirma que "Ao invés de cortar cilindros brutos das pedras, os artesãos podiam comprar cilindros vazios de mercadores, finalizando o trabalho em suas lojas " (233). Sendo assim, isso significa que haviam dois tipos de artesãos produtores de selos: auqeles que carvavam os selos a partir das pedras e aqueles que realizavam o trabalho intricado de gravar para personalizar o cilindros para os cliente.
Em algum momento do processo, quando o cilindro em branco foi criado ou depois que foi carvado, furos foram feitos no cilindro para que o dono pudesse usar em um cordão ou preso as vestes, como Bertman esclarece, "Quando o selo alfinetado foi encontrado no peito do esqueleto da rainha Puabi em sua cova em Ur " (233). O selo de uma rainha como Puabi tinha uma coroa dourada na ponta preso com betume enquantos os selos de pessoas com status menos nobres teriam seus selos cobertos com metais mais acessíveis.
Os selos eram carvados em intaglio, um processo de carvagem sob a superfície da pedra de modo que a impressão do entalhe criasse uma imagem no relevo. O modo mais foto de entender isso é uma fotografia negativa. Para atingir esse efeito, o artista teria que inverter a imagem mentalmente e gravar na pedra de acordo. Isso requeria uma enorme habilidade e os artesões eram muito bem remunerados e altamente respeitados.
Não havia escassez de demanda por selos cilindrícos na Mesopotâmia. Bertman nota que "2000 selos cilíndricos foram recuperados" em escavações até o presente momento e "baseado na teoria de que para cada artefato arqueológico em museus existem centenas ainda enterrados, alguns 200,000 destes selos do período [de Uruk ] ainda precisam ser escavados" (231). O cortador de selo, portanto, tinha alta demanda e um profissional muito habilidoso teria vivido particularmente bem.
Estilos
Haviam dois estilos de selo cilíndrico: o estilo de Uruk e o estilo de Jemdet Nasr que se referia aos temas usados e a forma como os selos eram carvados. Os autores Megan Lewis and Marian Feldman comenta:
Os selos com estilo de Uruk exibem animais e figuras de uma maneira excepcionalmente naturalista, sugerindo que os gravadores de selos prezavam por expressividade. Os temas incluiam narratvas rituais envolvendo templos, barcos e oferendas as deuses, assim como ilustrações do mndo natural em planos hierárquicos. Eles são muito bem detalhados, e sua composição tende a ser equilibrada e estéticamente agradável. Os selos de Jemdet Nars tinham menos detalhes que os de Uruk e eram caracterizados pelo uso de brocas e discos cortantes, o que produzia marcas curvadas e lineares. Temas comuns incluíam mulheres com tranças em atividades domésticas e ordas de animais em frente dos templos. (4)
Eles também destacam que o estilo Jemdet Nars não é necessariamente associado ou restrito ao período Jemdet Nars entre 3100-2900 a.C e "podem ser encontrados no domínio do período tardio de Uruk" Lewis e Feldman citam o acadêmico e arqueólogo Hans Nissen com relação as diferenças entre os dois estilos e seus significados. Nissen afirma que os estilos tem funções distintas. Lewis e Feldman escrevem:
Os selos do estilo de Uruk eram propriedade de, e usados para identificar individuos, o que tornava necessário fazer cada selo distinto (Nissen, 1977:19). Eles eram usados para autorizar transações e controlar a movimentação e estoque de produtos (Nissen1977:20). A medida em que eles eram mais complexos e levavam mais tempo para serem feitos, Nissen argumenta que eles eram propriedade de membros da elite que estavam no topo da hierarquia administrativa (Nissen 1997:20). Em contraste, ele sugere que os selos Jemdet Nars earm usados para identificar uma 'uma pessoa jurídica' como uma instiuição, e não um indivíduo privado (Nissen 1977: 19). Neste caso, era menos crucial que os selos fossem diferenciados um do outro, o que permitia o uso de temas repetidos. (6)
Usos dos selos cilíndricos
Como expresso acima, os selos eram usados por indivíduos em todos as esferas da sociedade mesopotâmica, desde a classe dominante, os mercadores e até mesmo pessoas escravizadas. Lewis e Feldman identificam os quatro usos dos selos cilíndricos:
- Autenticar ou legitimar uma transação (de um modo similar a assinatura similar)
- Prevenir/ restringir o acesso a containers, cômodos e casas
- Amuletos
- Sinais de uma identidade pessoal ou ailiação professsional
Os usos dos selos eram tanto práticos quanto mágicos. A lista acima cita o uso prático de assinar um nome, restringir o acesso apenas àqueles que podiam abrir o selo, e como uma forma de identificação pessoal, ou um emblema de autoridade ou ocupação epecializada. O terceiro uso listado, 'mágico', se refere a crença no selo como um amuleto, um tipo de encantamento, que podia espantar espíritos malignos e proteger contra o mal. O selo podia também funcionar como um instrumento que traría sorte e prosperidade.
Um selo podia ser gravado com uma cena de uma história ou lenda sobre deuses ou demônios, o que significava "espiríto poderoso" e não tinha a conotação negativa que possui hoje. O demônio Pazuzu, por exemplo, era uma criatura aterrorizadora que protegia mulheres grávidas e seus filhos não nascidos do mal caso elas usassem um amuleto com a sua imagem gravada. Apesar de Pazuzu ser atualmente associado com o mal, devido ao filme ollywoodiano de 1973 O Exorcista, ele era um guardião dos seres humanos, chegando até a espantar odores fétidos para longe das cidades em direção a áreas vazias para que fosse dissipados.
O significado de Selos Cilíndricos
Qualquer que fosse o uso do feito do selo, este era uma posse prezada e sua perda seria o equivalente moderno a perda de um cartão de crédito. Bertman escreve que, ao perceber que havia perdido o selo, "o antigo dono registraria a data e hora da perda com um oficial para garantir que transações realizadas após a perda seriam invalidadas'' (235). Como supracitado, alguns selos exibiam o ofício de seu proprietário, enquanto outros eram mais intimistas, demonstrando a identidade pessoal de alguém, até mesmo o nome.
Não é surpreendente então, que a perda dos selos fosse tão sentida. A identidade pessoal do dono poderia ser demonstrada pela semelhança gravada no selo ou por símbolos ao redor da imagem. Por exemplo, se o titular fosse um tecelão, essa profissão era representada por uma aranha (que tece uma teia) e os simbolos ao redor da imagem representariam o nome deste. Nestes casos, a perda do objeto seria tão grave quanto a perda de uma carteira de identidade moderna e a ameaça de um "roubo de identidade" tinha o mesmo peso para os antigos mesopotâmicos quanto para nós.
O uso dos selos para identificaçao pessoal é um dos aspectos mais fascinantes sobre os artefatos para arqueólogos e acadêmicos atualmente. Dra Senta Green, escreve sobre o interesse que os selos desperatm em estudiosos hoje, e afirma que os historiadores estão interessados nos artefatos porque "as imagens gravadas nos selos refletem os estilos artísticos prevalentes da época e a região específica de seu uso. Ou seja, cada selo funciona como uma pequena máquina do tempo sobre quais estilos e temas eram populares na época da vida do proprietário" (2). Ela também nota que a identidade do dono é tão importante quanto, já que dá ao historiador a possibilidade de conhecer "pessoalmente" uma pessoa que viveu há 2.000 anos atrás.
Com relação a iconografia dos selos, Green relata:
Cada personagem, gesto, e elemento decorativo pode ser interpretado e ligado ao proprietário do selo, revelando sua posição social e algumas vezes o nome do dono. Apesar de a mesma iconografia ser encontrada em selos e estelas gravadas, lacas de terracota, relevos em paredes, e pinturas, seu compêndio mais completo é encontrado em milhares de selos que sobreviveram desde a antiguidade. (2-3)
Lewis e Feldman notam que o significado da imagem dos selos se relacionavam com três áreas:
- Famílias específicas, departamento administrativo, ou eventos específicos ligados a administração
- Diferentes estágios da hierarquia administrativa, objetos e pessoas envolvidas no negócio.
- O dono do selo, os detalhes da transação- o bem em questão, sua origem e destino, ou um evento específico relacionado ao uso do selo.
Mesmo após a invenção da escrita cuneiforme, c. 3.500 a.C os selos permanceram em uso popular. Documentos legais mesopotâmicos traduzidos pelo acadêmicos Theophile J. Meek sempre aponta que, depois que os detalhes eram escritos na tábua de argila, os nomes das pessoas envolvidas eram assinados "cada um precedido por 'O selo de..' " (Pritchard, 167-172. O selo cilíndrico permaneceu tão significativo para seus proprietários depois do advento do sistema de escrita quanto era previamente.
Os símbolos que indicavam o nome do proprietário passaram a ser substituídos pela escrita cuneiforme e, como Bertman escreve "Dados adicionais podiam incluir o nome do pai do dono, a ocupação e a deidade a que servia" (235). Então embora o estilo e os detalhes dos selos mudarem após a invenção da escrita, o significado dos selos permanceram. Bertman expões uma teoria interessante para isso:
Os povos antigos entendiam muito bem um conceito que viria a se tornar cada vez mais comum a vida moderna: a impermanência. Em uma terra onde uma inundação poderia devastar uma cidade inteira, os antigos mesopotâmicos entendiam que poucas coisas - como a própria vida - são garantidas e seguras. Gilgamesh, nós lembramos, segurou o segredo frágil da vida eterna em suas mãos e viu-o desaparecer. Para os mesopotâmicos, o selo cilíndrico era um símbolo da permanência em um mundo em constante transformação. Talvez seja por isso que ele ocupava um papel tão importante em suas vidas e era usado com um distinto de honra. (235)
Selos cilíndricos continuam a intrigar e fascinar acadêmicos, historiadores e qualquer pessoa que os veja em algum museu ao redor do mundo. Selos clíndricos despertam tanto interesse porque eles dão um vislumbre do passado, não só de uma civilização, mas de uma pessoa que viveu, trabalhou, sentiu e aproveitou a vida da mesma forma como fazemos hoje.