A revolta do gladiador Espártaco permanece como a mais bem-sucedida rebelião de escravos da história de Roma. Conhecida como a Terceira Guerra Servil, foi a última das três grandes revoltas de escravos que Roma reprimiu. A história de Espártaco tem sido contada por historiadores, novelistas e cineastas até os dias atuais, inclusive numa popular série de TV, mas a admiração pelo herói deste conflito não é nova. Karl Marx destacou em certa ocasião, numa carta a Engels, que Espártaco contava-se entre os maiores, se não o maior, herói do mundo antigo, e o considerava como um exemplo a ser seguido (Volume 41, 265). O famoso filme de Stanley Kubrick, Spartacus, lançado em 1960 e baseado num romance de Howard Fast, o retratava como um combatente pela liberdade, liderando seu povo contra o opressivo sistema da escravidão romana. Cada retrato posterior do gladiador rebelde tem seguido mais ou menos este padrão.
O verdadeiro Espártaco, no entanto, não era um revolucionário proto-marxista ou um herói lutando pela liberdade do seu povo; era simplesmente um homem que decidiu se libertar após suportar o bastante da instituição romana da escravidão. A revolta de Espártaco começou, mais ou menos, como um acidente; o plano original dos gladiadores, conforme o historiador Plutarco (c. 45-120 d.C.), era simplesmente escapar. Uma vez que o plano foi descoberto, porém, eles não tinham outra escolha a não ser lutar por sua liberdade ou se submeter à execução.
As verdadeiras motivações por trás da rebelião, porém, não reduzem em nada seus feitos. Elas se tornaram irrelevantes a partir do século XIX, quando, na França, o gladiador foi elevado ao status icônico de inimigo da opressão e campeão da liberdade. As terríveis condições de vida dos escravos da Roma antiga têm sido desde então comparadas a qualquer grupo oprimido e Espártaco é o herói mais reconhecido do mundo antigo para servir como um símbolo. Em 73 a.C., contudo, ele aparentemente não tinha outras motivações a não ser a de escapar da punição dos seus senhores.
A Escravidão na Roma Antiga
Estas punições seriam inevitáveis uma vez que seu plano de fuga tivesse sido descoberto. A escravidão era amplamente difundida na Roma antiga e os romanos tinham grande receio da sublevação desta classe trabalhadora mais inferior. O historiador Mark Cartwright assinala a respeito que
A escravidão era uma característica sempre presente no mundo romano. Escravos trabalhavam nas residências, agricultura, minas, manufaturas, construção e em uma vasta gama de serviços dentro da cidade. Um em cada três habitantes na Itália eram escravos, assim como um em cada cinco no restante do império. As fundações do edifício do Estado e da sociedade de Roma baseavam-se no trabalho forçado.
A economia romana dependia principalmente da agricultura e da guerra: as as fazendas sustentavam a população enquanto as campanhas militares geravam os fundos necessários para as demais finalidades. Os soldados utilizados nestas campanhas eram fazendeiros, mantidos no exército por períodos de tempo cada vez mais longos, à medida que Roma expandia suas conquistas. Suas propriedades rurais frequentemente iam à falência e eram então adquiridas pelos ricos, que empregavam escravos para o trabalho.
O historiador Apiano (c. 95-165 d.C.) afirma que "Os ricos usavam persuasão ou força para comprar ou apropriar-se das propriedades vizinhas às suas, ou qualquer outras pequenas posses pertencentes aos pobres, e terminavam administrando grandes ranchos, ao invés de fazendas menores. Empregavam trabalho escravo e pastores em tais propriedades, uma vez que os trabalhadores livres podiam ser perdidos para o exército, e obtinham grandes lucros com eles, uma vez que os escravos geravam muitas crianças e não tinham obrigações com o serviço militar" (Guerras Civis, 1.7). Os cativos eram trazidos de vários locais, conforme destaca Cartwright:
Além dos enormes números de escravos tomados como prisioneiros de guerra (por exemplo, 75.000 somente na Primeira Guerra Púnica), também eram adquiridos via pirataria, comércio, bandidagem e, naturalmente, da prole, uma vez que uma criança nascida de uma mãe escrava (vernae) assumia esta condição, independente de quem fosse o pai. Mercados de escravos proliferavam. Talvez o mais notório fosse o de Delos, continuamente suprido por piratas da Cilícia. Na maioria das grandes cidades existiam praças públicas nas quais os cativos eram exibidos com cartazes pendurados no pescoço anunciando suas qualidades para quaisquer interessados.
Os escravos eram utilizados para uma ampla variedade de tarefas em todos os cantos de Roma, do trabalho nos campos às residências, ensinando crianças a leitura, escrita, música e outras artes; como assistentes pessoais ou quaisquer outros serviços que pudessem executar. Estavam completamente à mercê do seu senhor. O escritor romano Sêneca, o Jovem (4 a.C.-65 d.C.) descreve o papel do escravo caseiro para seu amigo Lucílio, defendendo um melhor tratamento e deixando claro que até mesmo o menor som ou ação de cada um deles deveria ser ditada pelos desejos do senhor. Vejamos como ele descreve como o escravo deve aguardar enquanto o senhor está jantando:
O mestre come mais do que ele pode, e com monstruosa ganância carrega seu ventre até este ser esticado e por fim impossibilitado de fazer o trabalho de um ventre, de modo que logo estará em dores para vomitar toda a comida que deveria alimentá-lo. Durante todo esse tempo os pobres escravos não podem mover seus lábios, nem mesmo para falar. O menor murmúrio é reprimido pela vara; mesmo um som casual, – uma tosse, um espirro, ou um soluço, – é correspondido com o chicote. Há uma penalidade grave para a menor quebra de silêncio. Durante toda a noite eles devem ficar em pé, famintos e mudos (Nardo, 51).
Sêneca descreve com detalhes os abusos sofridos pelos escravos e a arrogância dos senhores, cuja crueldade deu origem ao provérbio "Muitos escravos, muitos inimigos". Ele pede que Lucílio lembre-se de que "o homem que você chama 'escravo' provém da mesma semente, desfruta da mesma luz do dia, respira como você, vive como você, morre como você" e, ainda assim, são tratados como menos do que humanos:
Nós os maltratamos, não como se fossem homens, mas como animais de carga. Quando nos relaxamos em um banquete, um escravo passa pano para limpar o alimento vomitado, outro se agacha debaixo da mesa e recolhe as migalhas dos convidados bêbados. Outro escravo fatia as preciosas aves de caça; com traços seguros e mão hábil ele corta fatias selecionadas ao longo do peito ou da coxa. Companheiro infeliz, que vive apenas com o propósito de cortar a carne corretamente... Outro ainda, cujo dever é avaliar os convidados, deve cumprir com sua tarefa, pobre coitado, e vigiar para ver quem por adulação ou impudor, seja de apetite ou de linguagem, deverá receber um convite no dia seguinte. Pense também nos pobres fornecedores de alimentos, que observam os gostos de seus mestres com habilidade delicada, que sabem quais sabores especiais irão aguçar o apetite, o que vai agradar aos olhos, que novas combinações despertarão seu apetite quando se sentir nauseado, o que os aguçará o apetite naquele dia em particular. Com escravos como estes o mestre não pode suportar jantar; ele pensaria ser indigno associar-se com seu escravo na mesma mesa. Que os céus nos defendam! (Nardo, 51).
O tratamento abusivo dispensado aos escravos era tão disseminado que passou a ser visto como natural. Era necessário acabar com sua força de vontade para obter um servo submisso, que atenderia às expectativas da sociedade romana. O trabalho sem pagamento garantia lazer e lucros para quem os possuía, mas sua lucratividade sobrevinha somente escravos dispostos a fazer o que lhes fosse ordenado sem questionamento ou hesitação. O fato da população escrava ser tão numerosa era uma comprovação da habilidade romana em manter este tipo de controle sobre os cativos.
Deve ser observado que nem todos eram maltratados. Na mesma carta de Sêneca, ele menciona escravos bem tratados e que dariam suas vidas para proteger o lar, propriedades e a vida dos seus senhores. Dois famosos filósofos eram escravos: Díogenes de Sínope (c. 404-323 a.C.), na Grécia, e Epicteto (c. 50-130 d.C.), em Roma, e ambos eram tratados como membros da família. Diógenes recebeu total controle sobre a educação dos jovens da casa e o senhor de Epicteto o enviou para estudar a filosofia estoica. São exceções notáveis à regra geral, contudo, e a maioria dos escravos enfrentava duras condições de vida, com poucas esperanças de conquistar sua liberdade e nenhum direito perante a lei.
Com o tempo, passou a haver mais escravos do que pessoas livres em Roma. As taxas de desemprego cresceram abruptamente à medida que os servos eram usados para empregos anteriormente ocupados por cidadãos romanos e as áreas rurais tornavam-se cada vez mais uma vasta rede de colônias de escravos residentes nos latifúndios dos muito ricos. Quem não era utilizado em empregos domésticos ou agrícolas acabava como gladiadores nas arenas. Se a vida do escravo doméstico era ruim, a dos lutadores era bem pior. O gladiador era um servo cujo único propósito era lutar para o entretenimento das multidões romanas. Eram usualmente homens (embora alguns fossem do sexo feminino) e até poderiam conquistar sua liberdade através do desempenho excepcional mas, na maioria dos casos, viviam e morriam como cativos na arena. A escolha frequentemente recaía sobre aqueles com físicos robustos que agradavam aos espectadores, e assim era Espártaco.
Vida Pregressa & Escravidão
Espártaco era trácio, proveniente de uma região ao norte da Macedônia, considerada tanto por gregos e romanos como primitiva e bárbara. Contudo, é descrito por Plutarco como "mais grego do que trácio", além de excepcionalmente inteligente e bem instruído. Não conhecemos nada a respeito de sua juventude nem como veio a se tornar escravo em Roma. As fontes primárias sobre a revolta de Espártaco são os historiadores Apiano, Floro (c. 130 d.C.) e Plutarco, cada um dos quais selecionou o que achava mais adequado dos trabalhos anteriores sobre a rebelião, de autoria de Salústio (c. 86-35 a.C.) e Lívio (59 a.C.-17 d.C.), dos quais só restaram fragmentos.
De acordo com Apiano, era um trácio que "que tinha lutado contra os romanos e, após ter sido feito prisioneiro e vendido, tornou-se um gladiador" (Guerras Civis, I.116). Floro afirma que ele era um mercenário romano nas legiões e que teria sido preso por deserção e roubo antes de ser selecionado como gladiador "graças à sua força". Plutarco fornece um relato similar, mas acrescenta que ele teria sido capturado, junto com sua esposa, após ter desertado. Sua esposa é descrita como uma profetisa de seu povo, que escapou com Espártaco durante a rebelião e passou a viajar com o exército, provavelmente perecendo no embate final com as forças romanas.
A Revolta de Espártaco
Seja por ter sido capturado como soldado ou por quaisquer outras razões, seu treinamento militar e aspecto físico o tornaram um perfeito candidato para a arena. Espártaco é descrito em todas as fontes antigas como alto e excepcionalmente forte. Foi comprado por um treinador chamado Lêntulo Baciato e enviado para uma escola de gladiadores em Cápua, ao sul de Roma. Tais estabelecimentos adotavam um rígido treinamento, que tinha o objetivo de preparar os lutadores para os jogos na arena. Assim como ocorria com os demais escravos, tal disciplina visava a forçá-los a se adaptar às regras, minando sua força de vontade.
Em 73 a.C., Espártaco e outros conspiradores criaram um plano para escapar do complexo e seguir para o norte, rumo à liberdade além dos Montes Apeninos. O planejamento incluía outros 200 outros cativos e, com tantos envolvidos, não foi surpresa que fossem delatados às autoridades. Seu líder sabia que seriam torturados antes da execução e então liderou 78 dos seus companheiros na revolta. Eles invadiram a cozinha, armaram-se com facas e espetos e assassinaram os treinadores e administradores. Uma vez livres, encontraram mais armas nos depósitos, além de carroças, e fugiram para o campo, acampando em algum lugar na encosta do Monte Vesúvio. O grupo elegeu Espártaco, Enomau e Criso como líderes.
A Primeira Resposta de Roma
Ainda que tenham sido eleitos três líderes, as fontes antigas afirmam que Espártaco logo se tornou o comandante supremo. Segundo Apiano, "com os gladiadores Enomau e Criso como seus subordinados, ele pilhou as áreas vizinhas e o bando rapidamente ficou satisfeito porque ele dividiu os espólios em partes iguais." Informações sobre a rebelião espalharam-se rapidamente e muitos escravos de latifúndios situados nos arredores juntaram-se aos rebeldes. O Senado Romano considerou a questão mais como um inconveniente do que uma ameaça real e enviou uma tropa de soldados novatos, comandados pelo general Caio Cláudio Glábrio, para cuidar do assunto.
Glábrio e o senado parecem ter pensado que um grupo de escravos fugitivos seria facilmente derrotado, uma vez que não saberiam coisa alguma sobre táticas militares ou combate. Contudo, Espártaco os surpreendeu. Glábrio cercou os fugitivos em seu acampamento na montanha, mantendo-os encurralados para que se submetessem quando os suprimentos acabassem. A montanha era coberta de ramos de videiras, porém, e Espártaco ordenou aos seus homens que os usassem para fabricar escadas, com as quais conseguiram descer por uma área que Glábrio havia negligenciado, por considerá-la inacessível, e atacaram por trás das linhas romanas, derrotando o destacamento e apoderando-se das armas abandonadas no acampamento.
Um novo destacamento foi enviado contra os escravos, liderado por Públio Varínio, que decidiu dividir suas forças, talvez esperando surpreender o inimigo de ambos os lados e esmagá-los. Seus planos exatos podem não ser conhecidos, mas o fracasso certamente foi espetacular; as forças de Varínio foram vencidas e dispersadas. A vitória de Espártaco foi tão completa que o comandante romano perdeu até mesmo o cavalo que montava na batalha. Como consequência destes triunfos, mais escravos abandonaram seus mestres para se juntar à revolta.
A Segunda Resposta de Roma
O senado romano compreendeu quão seriamente havia subestimado Espártaco, que no momento comandava um exército de mais de 70.000 fugitivos, e convocou os cônsules Publícola e Clodiano para liderar o ataque contra ele. O ex-gladiador controlava todo o interior e novos recrutas apresentavam-se quase diariamente. Lívio destaca como o exército dos escravos "devastou [as cidades de] Nola, Nuceria, Túrio e Metaponto com terrível destruição." Não havia mais dúvida agora que representavam uma ameaça significativa a Roma. Porém, Espártaco não tinha intenção de marchar sobre Roma, e conduziu seus seguidores para o norte da Itália, com o objetivo de cruzar os Apeninos e retornar a seus lares. Como o grupo era grande mais para se mover como um só, foi dividido em dois, um dos quais comandado por Criso.
Os romanos, sob o comando de Publícola, atacaram as forças de Criso, enquanto Clodiano enfrentava o contingente de Espártaco. As forças de Criso foram vencidas e tiveram grandes baixas, mas Espártaco derrotou Clodiano e, a seguir, o exército de Publícola, cujos homens debandaram. Criso foi morto na batalha e, em sua homenagem, Espártaco sacrificou 300 prisioneiros romanos (de acordo com Apiano). Em seguida promoveu seus próprios espetáculos de gladiadores, usando os cativos romanos que haviam restado. Floro assinala como ele forçou os romanos a lutarem uns contra os outros nas cerimônias funerárias de seus oficiais mortos "como se quisesse apagar sua desonra passada tornando-se, ao invés de um mero lutador, um promotor de espetáculos de gladiadores". As carroças de carga e os suprimentos que não podia utilizar foram queimados e o exército mudou de direção, marchando em direção a Roma com cerca de 120.000 homens de infantaria e uma cavalaria de tamanho desconhecido.
A Derrota de Espártaco
Não há registro da razão do abandono do plano inicial de deixar a Itália rumo à liberdade mas, seja quais fossem os motivos, o enorme exército de ex-escravos agora se dirigia para o sul. Mais dois exércitos romanos foram enviados e igualmente derrotados por Espártaco. Apiano afirma: "A guerra já durava dois anos e causava grande preocupação aos romanos, embora no início tenha sido alvo de risos e considerada como algo trivial porque se tratava de uma guerra contra gladiadores". Publícola e Clodiano foram removidos pelo Senado, que convocou um novo comandante, Marco Licínio Crasso. Ele começou punindo as legiões por seu fracasso através da dizimação, na qual os soldados faziam sorteios e cada décimo homem era morto.
Crasso pretendia terminar a guerra rapidamente e, de acordo com Apiano, "colocou-se aos olhos de seus homens como mais temível do que a derrota nas mãos do inimigo". O comandante marchou contra Espártaco em Brútio, no extremo sul da Itália. O ex-gladiador planejava utilizar navios de piratas da Cilícia para ocupar a Sicília, uma província romana, e transformá-la uma nação livre para seus seguidores. Os piratas deveriam tê-lo encontrado na costa de Brútio, mas nunca apareceram. Movendo-se rapidamente com seus mais de 32.000 soldados, Crasso chegou à região e construiu um muro para encurralar os ex-escravos.
Ele sentia-se confiante em aguardar, uma vez que Espártaco, espremido entre o mar e o muro, não tinha para onde ir. Houve uma tentativa de escapar, mas os rebeldes foram repelidos e perderam 6.000 homens. Conforme Floro, Espártaco tentou a fuga pelo mar, lançando "balsas feitas de vigas e barris amarrados com cordas nas águas agitadas do estreito", mas a iniciativa falhou. Apiano e Plutarco afirmam que o ex-gladiador resolveu então recorrer a táticas de guerrilha. Apiano descreve como ele "realizou muitas operações para acossar os sitiantes" e "crucificou um prisioneiro romano na terra de ninguém para demonstrar a seus próprios homens a sorte que os esperava caso fossem derrotados." Por sua vez, Crasso permaneceu à espera para deixar que a fome e o desespero fizessem o trabalho das tropas.
O Senado Romano, porém, considerou que Crasso não estava agindo com a rapidez necessária e convocou o famoso general Pompeu, vencedor na Espanha. Crasso foi obrigado a elevar a intensidade dos ataques para derrotar Espártaco antes que Pompeu pudesse roubar sua glória. O ex-gladiador, vendo uma oportunidade de dividir os generais romanos antes da chegada de Pompeu, tentou negociar com Crasso, mas este recusou.
Vendo que não havia esperança, Espártaco reuniu seus homens e, de acordo com Plutarco, "quando seu cavalo foi trazido, desembainhou sua espada e o matou, afirmando que o inimigo possuía muitos bons cavalos que poderiam ser seus caso vencessem e, se ele perdesse, não necessitaria de cavalo algum." Liderou então seu exército uma última vez e, de acordo com Plutarco, "investiu contra o próprio Crasso, lançando-se para a frente através dos golpes de armas e homens feridos e, embora não tivesse alcançado Crasso, derrubou dois centuriões que o atacavam. Finalmente, mesmo com a debandada de seus homens, ele, cercado pelos inimigos, manteve posição e morreu lutando até o fim." Apiano escreve: "O próprio Espártaco foi ferido num golpe de lança na coxa, mas caiu sobre um dos joelhos, levantou seu escudo e lutou contra os atacantes até que ele e um grande número de companheiros foram cercados e caíram" e Floro comenta: "O próprio Espártaco caiu, ainda que fosse um general, lutando bravamente na linha de frente." Tanto Apiano e Plutarco assinalam que seu corpo nunca foi identificado.
Embora Crasso tenha derrotado o ex-gladiador no campo de batalha, a glória da vitória coube a Pompeu. Ele chegou no final da batalha e suas tropas eliminaram os escravos que tentavam escapar. Plutarco afirma: "Pompeu, em seu despacho para o senado, pode dizer que, enquanto Crasso tinha certamente vencido os escravos no campo de batalha, ele próprio tinha destruído as raízes da guerra", ao erradicar aqueles que poderiam ter continuado a luta. Os 6.000 sobreviventes foram então crucificados ao longo da Via Ápia, entre Roma e Cápua, e os cadáveres deixados para apodrecer ao relento durante um ano, como um alerta contra futuras insurreições.
Legado
Ainda que os historiadores romanos mais antigos o tenham visto como um criminoso e um rebelde perigoso, todos mostram um relutante (e por vezes declarado) respeito pelo gladiador-general. Uma guerra contra escravos era considerada desonrosa e o fato de Espártaco ter prolongado o conflito de forma tão bem-sucedida feria o orgulho romano. A Pompeu foi concedido um triunfo pelas suas vitórias na Espanha e pelo encerramento da Terceira Guerra Servil; Crasso, por sua vez, recebeu a muito menos prestigiosa ovação, uma parada a pé que não podia se comparar ao espetáculo de um triunfo.
Mesmo assim, o tom das narrativas - especialmente a de Plutarco - sem dúvida beira a admiração sempre que os autores mencionam as vitórias de Espártaco e, especialmente, ao relatar sua morte. Estas narrativas inspiraram artistas posteriores a apresentar o gladiador como um lutador pela liberdade, combatendo o poderio romano para acabar com a escravidão, embora nenhuma dos relatos antigos deem suporte a esta conclusão. Espártaco é claramente retratado em cada uma das versões como um gladiador que buscou sua própria liberdade e terminou como um líder de uma rebelião de escravos. Seu status moderno como um combatente pela liberdade e herói cult surgiu muito depois, mas é inspirado nestes autores romanos.
O conceito de Espártaco como um nobre rebelde lutando pela liberdade pode ter surgido numa tragédia francesa, Espártaco, escrita por Bernard-Joseph Saurin em 1760 e inspirada no relato de Plutarco. Saurin tentou fazer um paralelo entre as opressivas condições da antiga Roma e aquelas do século 18 na França. A historiadora Maria Wyke explica que, em meados do século 18,
Espártaco começou a ser elevado na literatura, historiografia, retórica política e artes visuais ocidentais europeias como um campeão idealizado, tanto dos oprimidos quanto dos escravizados. A partir deste período, as representações da antiga rebelião dos escravos e do gladiador que a liderou foram profundamente influenciadas pelas questões políticas do presente (36).
A popular peça de Saurin foi remontada em 1792, durante a Revolução Francesa, e estátuas de Espártaco começaram a aparecer na França a partir de 1830. Sua história foi contada pelo romancista italiano Raffaello Giovagnoli em 1874 em seu romance histórico Espártaco, que fazia paralelos entre o gladiador trácio e o general nacionalista Giuseppe Garibaldi, que uniu a Itália nos anos 1860. Ele também foi comparado com Toussaint L'Overture (1743-1803), líder da Revolução Haitiana contra o domínio francês.
A crença popular em Espártaco como um herói altruísta tem suas origens nos trabalhos de autores no século 20, como Bertholt Brecht, até que o novelista Howard Fast escreveu seu romance histórico, intitulado Espártaco, em 1951, no qual se baseou Stanley Kubrick em seu filme Espártaco (1960). Dalton Trumbo, acusado de ser comunista e colocado na lista negra de Hollywood, foi o autor do roteiro. A famosa cena, próximo do final do filme, na qual os rebeldes gritam "Eu sou Espártaco!" para proteger seu líder tem sido interpretada por críticos como uma convocação de Trumbo para a resistência solidária à opressão do macartismo na América. (Gaylean, 1).
O romance de Fast e o roteiro de Trumbo também serviram como modelo tanto para o filme de 2004 para a TV, Espártaco, quanto para a série da Starz, exibida entre 2010-2013, como qualquer um familiarizado com as obras anteriores pode verificar. Desde o lançamento do filme de Kubrick, em 1960, Espártaco tem sido admirado mais amplamente do que nunca antes como uma figura inspiradora para grupos oprimidos ou marginalizados na sociedade, seja através do racismo, sexismo ou homofobia. O indivíduo solitário, levantando-se contra o poder opressivo da maioria, o rebelde lutando contra um sistema injusto de leis e preconceitos, este foi o Espártaco inspirador de uma causa; não um escravo trácio que queria apenas a própria liberdade. O estudioso Erich Gruen escreveu:
Não há indícios de que [Espártaco fosse] motivado por questões ideológicas para derrubar a estrutura social. As fontes deixam claro que Espártaco empenhou-se em sair da Itália com suas forças rumo à liberdade, ao invés de tentar reformar ou reverter a sociedade romana. Suas realizações não são menos formidáveis por isso. A coragem, tenacidade e a habilidade do gladiador trácio que repeliu as forças romanas por cerca de dois anos e transformou um bando de seguidores numa congregação de de mais de 120.000 homens pode inspirar somente admiração (Historical Background, 3).
Se a revolta em 73 a.C. pretendia terminar a escravidão em Roma e libertar os escravos não importa mais; tudo que importa é o que veio a simbolizar. O verdadeiro Espártaco – quem quer que tenha sido - foi substituído pelo herói Espártaco, porque as pessoas precisavam e continuam a precisar de heróis. A história do herói Espártaco continuará a inspirar as pessoas daqui em diante, tal como nos últimos 200 anos, simbolizando a luta individual, contra todas as possibilidades, por justiça e liberdade para o povo.