Religião na China Antiga

Artigo

Emily Mark
por , traduzido por Pedro Lerbach
publicado em 21 abril 2016
Disponível noutras línguas: Inglês, Chinês, francês, espanhol
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As práticas religiosas na China antiga datam de até 7.000 anos atrás. Muito antes dos ensinamentos filosóficos e espirituais de Confúcio e Lao-Tzu terem se desenvolvido, ou antes de os ensinamentos de Buda chegarem à China, o povo adorava personificações da natureza e depois conceitos como "riqueza" ou "sorte", que se tornaram uma religião.

Yuantong Temple
Templo Yuantong
Henrik Berger Jorgensen (CC BY-NC-ND)

Essas crenças influenciam práticas religiosas até hoje. Por exemplo, o Tao te Ching do taoísmo sustenta que há uma força universal conhecida como Tao, que flui por todas as coisas e liga todas as coisas, mas não menciona deuses específicos a serem adorados. Ainda assim, taoístas modernos na China (e em outros lugares) adoram muitos deuses em altares privados e em cerimônias públicas, que se originaram no antigo passado do país.

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O estudioso Harold M. Tanner escreve: "os deuses, espíritos e ancestrais podiam afetar as colheitas, o clima, o nascimento de filhos, a saúde do rei, a guerra, e por aí vai. Logo, era importante fazer sacrifícios a eles (43)". Os deuses surgiam da observação dos fenômenos naturais, que tanto assustavam ou causavam incerteza quanto garantiam um mundo benevolente, que protegeriam as pessoas e as ajudariam a serem bem-sucedidas. Conforme o tempo passava, essas crenças foram se tornando padronizadas e os deuses receberam nomes e personalidades, e rituais se desenvolveram para honrar essas deidades. Todas essas práticas foram eventualmente padronizadas como "religião" na China, tão similar quanto crenças ou rituais praticados em todos os outros lugares do mundo antigo.

Primeiras evidências de práticas religiosas

Na China, as crenças religiosas são evidentes na cultura de Yangshao do Vale do Rio Amarelo, que prosperou entre 5000 e 3000 a.C. No sítio neolítico da Aldeia de Banpo, na moderna província de Xianxim (datado entre cerca de 4500 a 3750 a.C.), 250 tumbas foram encontradas contendo bens funerários, que apontam para uma crença na vida após a morte. Há também um padrão ritualístico de como os mortos eram enterrados com tumbas orientadas do oeste para o leste, para simbolizar a morte e o renascimento. Bens funerários fornecem evidência de pessoas específicas na aldeia que agiam como sacerdotes e presidiam sobre algum tipo de adivinhação e observância religiosa.

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Banpo Village Tomb
Túmulo na Aldeia de Banpo
Shirley Sekarajasingham (CC BY-NC-SA)

A cultura Yangshao era matrilinear, o que significa que as mulheres eram dominantes, de modo que uma figura religiosa específica teria sido uma mulher, com base nos artigos funerários encontrados. Não há evidência de nenhum homem com alto status nos sepultamentos, mas há um número significativo de mulheres. Estudiosos creem que as primeiras práticas religiosas eram também matrilineares e muito provavelmente animistas, onde pessoas adoravam personificações da natureza, e geralmente deidades femininas eram benevolentes, e as masculinas, malevolentes, ou ao menos deviam ser mais temidas.

Essas práticas continuaram com a cultura Qijia (que durou entre cerca de 2200-1600 a.C.), que habitou o Vale Superior do Rio Amarelo, mas cuja cultura teria sido patriarcal. Exames do sítio da aldeia de Lajia, da Idade do Bronze, na província atual de Qinghai (e em outros lugares), desvendaram evidências de práticas religiosas. A aldeia Lajia é frequentemente chamada de "A Pompeia Chinesa", porque ela foi destruída por um terremoto, que causou uma enchente, e os deslizamentos resultantes enterraram a aldeia, deixando-a intacta.

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Dentre os artefatos encontrados havia uma tigela de macarrão, que os cientistas examinaram e que creem ser o macarrão mais antigo do mundo e precursor do prato "Macarrão da Longevidade". Mesmo que nem todos os acadêmicos ou arqueólogos concordem sobre o fato de a China ser a inventora do macarrão, as descobertas em Lajia apoiam a reivindicação de que havia práticas religiosas ali próximo a 2200 a.C. Havia evidência de que o povo adorava um deus supremo que era rei de várias outras deidades menores.

Fantasmas e Religião

Na época da Dinastia Shang (1600-1046 a.C.), essas crenças se desenvolveram de modo que agora havia um "rei dos deuses" definido, chamado Shangti, e muitos outros deuses inferiores com outros nomes. Shangti presidia sobre todos os assuntos de estado importantes e era um deus muito ocupado. Ele raramente recebia sacrifícios, porque as pessoas eram ensinadas a não o incomodar com seus problemas. O culto aos ancestrais pode ter começado nessa época, mas provavelmente iniciou-se bem antes.

Evidência de uma forte crença em fantasmas, na forma de amuletos e artigos religiosos, datam ao menos desde a dinastia Shang, e histórias de fantasmas estão entre as primeiras formas de literatura chinesa. Os fantasmas (conhecidos como guei ou kuei) eram espíritos de mortos que não haviam sido propriamente enterrados, com as devidas honras, ou que ainda estavam presos à terra por outras razões. Eles eram chamados por vários nomes, mas em uma forma, jiangshi (corpo rígido), apareciam como zumbis.

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Os fantasmas desempenhavam um papel muito importante na religião e cultura chinesas, e desempenham até hoje. O ritual que ainda hoje é praticado na China, conhecido como Dia da Limpeza dos Túmulos (geralmente por volta de 4 de abril) é observado para honrar os mortos e certificar-se de que estão felizes no pós vida. Se não estiverem, pensa-se que retornarão para perseguir os vivos. Os chineses visitam os túmulos de seus ancestrais no Dia da Limpeza dos Túmulos, durante o festival de Qimgming, mesmo que não o façam em nenhum outro momento do ano, para cuidar dos túmulos e demonstrar respeito.

Quando alguém morria de forma natural ou era enterrado com as honras apropriadas, não havia o medo de que retornasse como um fantasma. Os chineses criam que, se a pessoa tivesse vivido uma boa vida, ela iria viver com os deuses após a morte. Os espíritos desses ancestrais recebiam orações, para que pudessem se aproximar de Shangti, apresentando os problemas e a adoração dos que estavam na terra.

Tanner escreve:

Os ancestrais eram representados por um símbolo físico como uma tábua de espíritos com o nome honorífico do ancestral pintado ou gravado. Rituais eram realizados para honrar esses ancestrais, e realizava-se sacrifícios de cerveja de painço, gado, cães, ovelhas e humanos. A escala dos sacrifícios variava, mas em rituais importantes, centenas de animais ou de humanos eram sacrificados. Crendo que os espíritos dos mortos continuavam a existir e a se interessar pelo mundo dos vivos, a dinastia Shang enterrava seus mortos em tumbas elaboradas e bem mobiliadas. (43)

Os espíritos desses ancestrais podiam ajudar uma pessoa durante a vida, revelando a ela o futuro. A adivinhação tornou-se uma parte significativa do credo religioso chinês e era feita por pessoas com poderes místicos (que atualmente alguém chamaria de "psíquicos"). A pessoa pagava para dizer o futuro da outra por ossos oraculares. É por meio desses ossos que foi desenvolvida a escrita na China. Os místicos escreviam a questão no osso do ombro de um boi ou em um casco de tartaruga e aplicava calor até que ela quebrasse. A forma como essa rotura ocorria determinaria a resposta. Não era o místico nem o osso que dava a resposta, mas o ancestral da pessoa, com quem o místico se comungava. Esses ancestrais se comunicavam com espíritos eternos, os deuses, que controlavam e mantinham o universo.

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Chinese Oracle Bone
Ossos Oraculares Chineses
BabelStone (CC BY-SA)

Os deuses

Havia mais de 200 deuses no panteão chinês, cujos nomes foram registrados durante e depois da dinastia Shang. Os deuses mais antigos, antes de Shangti, eram espíritos de um lugar, conhecidos como Tudi Gong (Deus do Lugar ou Deus da Terra). Eles eram espíritos terrenos que habitavam um lugar específico e só tinham poder naquele local. Às vezes pensava-se que os Tudi Gong eram membros importantes da comunidade que haviam morrido, mas permaneciam em espírito como guardiães. Porém, mais frequentemente, eles eram espíritos antigos que habitavam uma certa área. Eles ajudavam, caso as pessoas os reconhecessem e os honrassem, e eram vingativos, caso fossem ignorados ou negligenciados. O conceito chinês de Feng Shui vem da crença nos Tudi Gong.

Esses espíritos regionais continuaram a ser adorados mesmo depois do aparecimento de deuses mais universais. Uma das primeiras deidades reconhecidas, que provavelmente começou como espírito regional, foi o dragão. O dragão é um dos deuses mais antigos da China. Imagens de dragões foram encontradas em cerâmicas neolíticas na Aldeia de Banpo e em outros sítios. O Rei Dragão, conhecido como Yinglong, era um deus da chuva, fosse a chuva suave para as colheitas ou terríveis tempestades. Também era Senhor dos Mares e protetor dos heróis, reis e daqueles que lutassem pelo que é justo. Estátuas e imagens de dragões são frequentemente usadas na arte e arquitetura chinesas para simbolizar proteção e sucesso.

Havia mais de 200 deuses no panteão chinês, cujos nomes foram gravados durante e depois da dinastia Shang. Acima de todos estava Shangti, deus da lei, ordem, justiça e vida, conhecido como "O Senhor nas Alturas".

Algumas formas de Nuwa, deusa da humanidade, existiram à época da dinastia Shang. Nuwa era uma deusa parte mulher e parte dragão, que moldou os seres humanos da lama do Rio Amarelo e soprou neles para que viessem à vida.

Ela continuou fazendo pessoas e trazendo-as à vida de novo e de novo, mas finalmente se cansou, e inventou o casamento, para que as pessoas se reproduzissem sem ela. Ela viu que as pessoas não sabiam fazer nada, e então ela pediu ajuda a Fu Xi.

Fu Xi é o deus do fogo e professor dos seres humanos. Ele levou o fogo aos homens e lhes ensinou como controlá-lo para cozinhar, iluminar e aquecer. Fu Xi também teceu as primeiras redes de pescaria para ensiná-los a obter comida do mar. Uma vez que as necessidades primárias estavam satisfeitas, ele lhes deu os presentes da música, da escrita e da adivinhação. Nuwa e Fu Xi eram considerados mãe e pai da humanidade e sempre eram invocados para proteção.

Sun Wukong era o macaco deus das travessuras, que causou tanto problema que foi morto pelos outros deuses e enviado ao submundo. Uma vez lá, ele apagou seu nome do livro do rei do submundo e não somente voltou à vida como não poderia mais ser morto. Seu nome não se desenvolveu até depois, mas um deus macaco pernicioso aparece em inscrições de bronze da dinastia Shang, que parece ser a mesma deidade.

Lei Shen era o deus do trovão, que era muito desagradável e batia em um grande tambor com um martelo sempre que ficava irritado. Ele não tolerava ninguém que desperdiçasse comida e arremessava trovões sobre essa pessoa, matando-a instantaneamente. Uma vez, ele viu uma mulher que parecia estar prestes a jogar fora um pote de arroz e a matou com seu raio. Os deuses decidiram que ele havia agido muito rápido, e a mulher, Dian Mu, retornou dentre os mortos e tornou-se a deusa dos relâmpagos. Ela dispararia sua luz para mostrar a Lei Shen onde jogar o raio, para que ele não cometesse o mesmo erro de novo.

Acima desses deuses e de todos os outros estava Shangti, deus da lei, ordem, justiça e vida, conhecido como "O Senhor nas Alturas". Shangti decretou como o universo deveria funcionar e as vidas de todos estavam sob sua constante vigilância. Ele era especialmente atento àqueles que dominavam sobre os outros e decidia quem deveria governar, quanto tempo e quem iria suceder.

Adoração e Clero

Os templos e santuários chineses eram cuidados por sacerdotes e monges que eram sempre homens. Mulheres poderiam entrar nos monastérios para se devotarem ao trabalho dos deuses, mas não teriam autoridade espiritual sobre homens. Diferentes tipos de cultos religiosos eram feitos em templos para diferentes crenças religiosas. Esses cultos todos tinham em comum o som da música, geralmente sinos. As orações monásticas eram feitas três vezes ao dia, de manhã, ao meio-dia e à noite, ao som de um pequeno sino. Incenso era frequentemente queimado nos cultos para limpar o local de espíritos malignos e energias negativas.

Um importante aspecto da religião chinesa, fosse o taoísmo, confucionismo ou budismo, era conhecido como "escolas de higiene", que instruíam as pessoas a como cuidarem de si mesmas para viverem vidas mais longas ou mesmo alcançar a imortalidade. Escolas de higiene eram parte do templo ou monastério. Os sacerdotes ensinavam as pessoas a como comer de forma saudável, a se exercitarem (a prática do Tai Chi se desenvolveu por meio dessas escolas) e a fazerem rituais em honra aos deuses, de modo que eles os abençoassem com uma vida longa e saudável.

Desenvolvimentos religiosos posteriores

Na dinastia Zhou (que durou entre cerca de 1046 e 226 a.C.), o conceito de Mandato do Céu foi desenvolvido. O Mandato dos Céus era a crença de que Shangti havia ordenado que um certo imperador ou dinastia dominasse e lhes permitia governar pelo tempo que lhe agradassem. Quando os governantes deixavam de cuidar do povo de forma responsável, dizia-se que haviam perdido o Mandato do Céu e eram substituídos por outro. Estudiosos contemporâneos viram isso como simplesmente uma justificação para mudar um regime, mas o povo da época acreditava no conceito.

Pensava-se que os deuses vigiavam o povo e que prestavam especial atenção no Imperador. As pessoas continuavam a usar amuletos e artigos do seu deus de preferência ou dos seus ancestrais para proteção ou à espera de bênçãos, prática que começou a partir do fim da dinastia Shang e que o Imperador também fazia. As práticas religiosas mudaram ao final da dinastia Zhou, devido ao seu declínio e eventual queda, mas a prática de usar joias de caráter religioso continuou.

A dinastia Zhou é dividida em dois períodos: Zhou Ocidental (1046-771 a.C.) e Zhou Oriental (771-226 a.C.). As práticas culturais e religiosas chinesas floresceram durante o período Zhou Ocidental, mas começaram a se esfacelar durante Zhou Oriental. As práticas de adivinhação, culto aos ancestrais e veneração aos deuses continuou, mas nos períodos chamados de Primavera e Outono (772-476 a.C.) ideias filosóficas começaram a desafiar crenças antigas.

Confúcio (que viveu por volta de 551 a 479 a.C.), encorajava a prática de culto aos ancestrais como uma forma de lembrar e honrar o passado de alguém, mas enfatizava a responsabilidade individual ao fazer escolhas e criticava uma confiança exagerada em poderes sobrenaturais. Mêncio (que viveu por volta de 372 a 289 a.C.) desenvolveu as ideias de Confúcio, e seu trabalho resultou em uma visão mais racional e restrita do mundo. A obra de Lao-Tzu (que viveu por volta de 500 a.C.) e o desenvolvimento do taoísmo poderiam ser vistos como uma reação aos princípios de Confúcio, se não pelo fato de que o taoísmo se desenvolveu muitos séculos antes da data tradicionalmente atribuída a Lao-Tzu. É mais provável que o taoísmo tenha se desenvolvido na religião natural/popular do povo chinês do que criada por um filósofo do século sexto antes de Cristo. Portanto, é mais exato dizer que o racionalismo da filosofia de Confúcio provavelmente se desenvolveu como uma reação ao emocionalismo e espiritualismo daquelas crenças anteriores.

Confucius, Buddha and Lao-Tzu
Confúcio, Buda e Lao-Tzu
Lucas (CC BY)

As crenças religiosas se desenvolveram mais durante o período subsequente da história chinesa, o Período dos Estados Combatentes (476-221 a.C.), que foi bem caótico. Os sete estados da China estavam todos independentes agora que os Zhou haviam perdido o Mandato do Céu, e cada um lutava contra os outros pelo controle do país. O confucionismo era o credo mais popular no período, mas havia outro que se fortalecia. Um estadista chamado Shang Yang (338 a.C.), da região de Qin, desenvolveu uma filosofia chamada de legalismo, que sustentava que as pessoas só se motivavam por interesse próprio, eram inerentemente más, e que tinham que ser controladas pela lei. A filosofia de Shang Yang ajudou o Estado de Qin a superar os seis outros estados e a Dinastia Qin foi fundada pelo primeiro Imperador, Shi Huangti, em 221 a.C.

A Religião banida e restaurada

Durante a dinastia Qin (221-206 a.C.), Shi Huangti baniu a religião e queimou obras filosóficas e religiosas. O legalismo se tornou a filosofia oficial do governo Qin e as pessoas eram submetidas a penas duras por romperem até mesmo leis menores. Shi Huangti pôs na ilegalidade qualquer livro que não tivesse a ver com sua linhagem familiar, com sua dinastia ou com o legalismo, mesmo que ele mesmo fosse pessoalmente obcecado com a imortalidade e a vida após a morte, e que sua biblioteca pessoal fosse cheia de livros sobre esse assunto. Estudiosos confucionistas esconderam livros do melhor jeito que podiam, e as pessoas adoravam seus deuses em segredo, mas não eram mais autorizadas a carregar amuletos ou vestir artigos religiosos.

Shi Huangti morreu em 210 a.C. enquanto buscava a imortalidade viajando por seu reino. A dinastia Qin caiu logo depois, em 206 a.C., sendo substituída pela dinastia Han (202 a.C. a 220 d.C.). Essa dinastia, de início, continuou a política do legalismo, mas a abandonou sob o Imperador Wu (que reinou entre 141 e 87 a.C.). O confucionismo se tornou a religião do Estado e ficou cada vez mais popular mesmo com outras religiões sendo praticadas, como o taoísmo.

Durante a dinastia Han, o Imperador tornou-se distintamente identificado como mediador entre deus e homens. A posição do Imperador era vista como ligada aos deuses desde o Mandato do Céu da antiga dinastia Zhou, mas agora era sua expressa responsabilidade comportar-se de modo que os céus abençoassem o povo. O monte Tai virou um importante local sagrado durante este período, e antigos rituais e festivais foram revisados. Um exemplo disso seria o Festival dos Cinco Elementos, que honrava a terra, o fogo, o metal, a água e a madeira, que se tornou o Festival do Céu e da Terra, honrando o relacionamento das pessoas com os deuses.

Uma importante seita religiosa que ganhou popularidade durante esse tempo foi o culto da Rainha Mãe do Ocidente, Xi Wang Mu, deusa da imortalidade. Ela viveu nas montanhas de Kunlun, como outros deuses, mas num castelo de ouro, com um fosso em volta, tão sensível que mesmo um fio de cabelo que nele caísse afundava. Ela caminhava todos os dias em seu Pomar Imperial de Pêssegos, cuja fruta tinha o suco divino da imortalidade. A estudiosa Patricia Buckley Ebrey comenta a respeito:

Durante o período Han, a esperança pela imortalidade encontrou sua expressão no culto à deusa chamada Rainha Mãe do Ocidente. Seu paraíso era retratado como uma terra de maravilhas onde árvores da imortalidade cresciam e os rios da imortalidade fluíam... Pessoas de todos os níveis sociais expressavam sua devoção a ela, e santuários foram erguidos sob patrocínio do governo em todo o país (71).

A Rainha Mãe do Ocidente era por vezes representada como uma mulher velha e não atraente, com dentes agudos como um tigre e uma corcunda, e outras vezes, como uma bela mulher, de longos cabelos. Ela guardava com ciúmes os segredos da imortalidade, o seu jardim e pessoas que fossem abatidas tentando adentrar o local. Ela era gentil com seus seguidores, no entanto, e os abençoava enquanto a agradassem.

A chegada do budismo

No primeiro século da era cristã, o budismo chegou na China pelo comércio na Rota da Seda. De acordo com a lenda, o Imperador Ming, da dinastia Han (que reinou entre 28 e 75 d.C) teve uma visão de um deus dourado voando pelos ares e perguntou ao seu secretário quem poderia ser. O assistente lhe disse que havia ouvido falar de um deus na Índia que brilhava como o sol e voava pelos ares. Então Ming enviou emissários para trazer os ensinamentos budistas à China. O budismo rapidamente se combinou com a religião primitiva e incorporou o culto aos ancestrais e a veneração a Buda como um deus.

White Horse Temple
Templo do Cavalo Branco
Guo Qi (CC BY-NC-ND)

O budismo foi bem recebido na China e tomou o seu lugar junto com o confucionismo, taoísmo e a religião popular misturada como uma grande influência na vida espiritual das pessoas. Quando a dinastia Han caiu, a China ingressou em um período conhecido como Os Três Reinos (220-263 d.C.), similar ao Período dos Estados Combatentes em derramamento de sangue, violência e desordem. A brutalidade e insegurança do período influenciou o budismo na China, que lutava para atender às necessidades espirituais do povo no período desenvolvendo rituais e práticas de transcendência. As escolas budistas de Ch'an (mais conhecida como Zen), Terra Pura e outras tomaram forma nessa época.

O budismo introduziu um novo tipo de fantasma na China, o egui ("Fantasma Faminto"), que se tornou um dos mais temidos. O atual Festival dos Fantasmas (ou Festival do Fantasma Faminto) surgiu dessa crença. Fantasmas famintos eram espíritos daqueles que tinham sido assassinados, queimados impropriamente ou que haviam pecado sem terem sido perdoados. Eles podiam ser também pessoas que nunca estavam satisfeitas com nada na vida e que não estavam mais felizes na morte. As pessoas deixavam comida para eles no Mês do Fantasma ou os apaziguavam e iam aos túmulos de seus ancestrais para sacrificar alimentos, de forma que não se tornassem fantasmas famintos.

A dinastia Tang e a Religião na China

As maiores influências religiosas na cultura chinesa aconteceram no período da dinastia Tang (618-907), mas havia mais por vir. O segundo Imperador, Taizong (626-649), era um budista que cria na tolerância com outras crenças, e permitiu o maniqueísmo, o cristianismo e outras religiões a estabelecerem comunidades de fé na China. Sua sucessora, Wu Zeitian (que reinou entre 690 e 704), elevou o budismo e apresentou-se como Maitreya (uma futura Buda), ao passo que seu sucessor, Xuanzong (que reinou entre 712 e 756), rejeitou o budismo como sendo divisivo e fez do taoísmo a religião do estado.

Embora Xuanzong permitisse e encorajasse que todos os credos cultuassem no país, por volta de 817 o budismo foi condenado como uma força divisiva que minava valores tradicionais. Entre 842 e 845, freiras e sacerdotes budistas foram perseguidos e assassinados, e templos foram fechados. Qualquer religião que não fosse o taoísmo era proibida, e perseguições afetaram comunidades de judeus, cristãos e de qualquer outra fé. O Imperador Xuanzong II (que reinou entre 846 e 859) acabou com essas perseguições e restaurou a tolerância religiosa. As dinastias que se seguiram à Tang até os dias de hoje tiveram cada uma sua própria experiência com o desenvolvimento da religião e com os benefícios e as desvantagens que vêm com ela, mas a forma básica daquilo que eles lidaram ficou estabelecida até o fim da dinastia Tang.

Confucionismo, taoísmo, budismo e a religião popular antiga se combinaram para formar a base da cultura chinesa. Outras religiões adicionaram suas próprias influências, mas essas quatro estruturas de crença tiveram o maior impacto no país e na cultura. Crenças religiosas sempre foram muito importantes para o povo chinês, mesmo que a República Popular da China inicialmente tenha proibido a religião quando tomou o poder, em 1949.

A República Popular via a religião como desnecessária e divisiva, e durante a Revolução Cultural, templos foram destruídos, igrejas queimadas ou convertidas para uso secular. Em 1970 a República Popular relaxou seus padrões sobre religião e desde então trabalhou para encorajar a religião organizada como uma "higiene psicológica" e influência estabilizadora nas vidas dos cidadãos.

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Sobre o tradutor

Pedro Lerbach
Pedro Lerbach é tradutor freelance. Estudou ciência política na Universidade de Brasília e fala português, inglês, espanhol e francês.

Sobre o autor

Emily Mark
Emily Mark estudou história e filosofia na Universidade de Tianjin, na China, e inglês na SUNY New Paltz, em Nova York. Publicou poesia e artigos de história. Seus relatos de viagens estrearam na Timeless Travels Magazine. É formada pela Universidade do Estado de Nova York em Delhi, em 2018.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, E. (2016, abril 21). Religião na China Antiga [Religion in Ancient China]. (P. Lerbach, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-891/religiao-na-china-antiga/

Estilo Chicago

Mark, Emily. "Religião na China Antiga." Traduzido por Pedro Lerbach. World History Encyclopedia. Última modificação abril 21, 2016. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-891/religiao-na-china-antiga/.

Estilo MLA

Mark, Emily. "Religião na China Antiga." Traduzido por Pedro Lerbach. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 21 abr 2016. Web. 20 jan 2025.