As Reformas de Augusto

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Artigo

Donald L. Wasson
por , traduzido por Rogério Cardoso
publicado em 25 maio 2016
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, alemão, espanhol
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O imperador Augusto (r. 27 a.C. – 14 d.C.) realizou muitas coisas durante o seu período no trono romano, bem mais do que muitos dos seus sucessores. De acordo com a historiadora Mary Beard, no seu livro SPQR, ele transformou as estruturas do Império Romano, incluindo a sua política e exército, bem como a própria aparência da cidade. Diferentemente de muitos dos seus sucessores que sucumbiriam a uma morte precoce (por suas próprias mãos ou pelas mãos de alguém), Augusto conseguiu sobreviver até uma idade avançada, longa o bastante para escrever uma história pessoal do seu reinado, a Res Gestae Divi Augusti ou Atos do Divino Augusto. Próximo do fim da sua longa vida, o imperador redigiu duas simples sentenças que resumem o seu período no trono: "Eu encontrei uma cidade construída com tijolos secos. Eu a deixo revestida em mármore". Há aqueles que, no entanto, creem que o seu sucesso se deveu em parte não só à sua longa vida, mas também à sua capacidade de fazer mudanças essenciais.

O Primeiro Imperador de Roma

As prolongadas guerras civis haviam finalmente terminado. Marco Antônio e Cleópatra haviam sido cabalmente derrotados. Lépido estava no exílio. Otaviano, enteado e herdeiro de Júlio César, marchou à cidade de Roma como um herói. Embora tenha entrado como um campeão, ele teve de encarar a difícil tarefa de reconstruir uma cidade decadente, mas o Senado Romano o tinha por salvador e o laureou graciosamente, dando-lhe o título de Augustus. Pelas próximas quatro décadas, as suas reformas transformariam uma cidade e um império.

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Augustus of Prima Porta
Augusto de Prima Porta
Andreas Wahra (original), new version by Till Niermann (CC BY-SA)

Assim que retornou a Roma após as suas lutas nas guerras civis, Augusto compareceu diante do Senado, em 13 de janeiro de 27 a.C., e abdicou dos poderes que a Antônio, a Lépido e a ele haviam sido concedidos no Segundo Triunvirato. Aos três havia sido dada uma autoridade que lhes permitia promulgar leis sem a aprovação do Senado Romano. Então, para honrar a sua liderança e lealdade a Roma, o Senado lhe concedeu um poder quase ilimitado - maius imperium, poder superior àquele tido por qualquer magistrado ou procônsul -, e ele se tornou Imperator Caesar divi filius Augustus ("Imperador César Augusto, filho do Divino"), embora preferisse o simples título de princeps, "o primeiro". O Senado também o laureou com poderes tribunícios (os poderes do tribuno) para a vida toda - a prerrogativa de convocar o Senado, propor legislações nas assembleias populares e veto a qualquer legislação promulgada pelas mesmas assembleias. De acordo com o historiador romano Suetônio nas suas Vidas dos Doze Césares, Augusto exclamou:

Que eu seja privilegiado a ponto de construir firmes e duradouras fundações para o governo de Roma. Que eu possa alcançar a recompensa a que aspiro: a de ser reconhecido como o autor da melhor Constituição possível e de carregar comigo, quando eu morrer, a esperança de que tais fundações permanecerão seguras. (66)

Augusto aprendeu com as experiências do seu padrasto, rejeitando o título de dictator; ele não queria que a sua vida terminasse da mesma maneira. Para alguns, geralmente seus detratores, ele se esforçaria para manter a ilusão de que a sua autoridade e o seu poder derivavam e dependiam da vontade do povo. Para manter tal ideia, ele exerceria vários mandatos de cônsul seguidos, terminando em 23 a.C. após uma breve enfermidade. Para os cidadãos de Roma, ele se tornou pater patriae ou pai da pátria. Na verdade, embora ele desse crédito ao Senado, o poder foi gradualmente tirado do povo, tornando as assembleias populares insignificantes, e, conquanto ao Senado fossem dadas honras e respeito suficientes, eles se tornaram apenas uma extensão da administração do imperador, a serviço de Augusto. O poder estava concentrado na mão de um único homem, o imperador - uma supremacia em casa e no estrangeiro.

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Pax Romana

Logo depois de aparecer ante o Senado em 27 a.C., o novo imperador saiu de Roma em direção à Gália e à Espanha, não retornando até 23 a.C. Durante a sua ausência, ele forçou a submissão de inúmeras tribos rebeldes ao longo dos Alpes, de modo que muitas províncias pelo império em breve aprendessem a viver em paz com Roma, a Pax Romana. Embora o seu objetivo primário fosse manter a lealdade, as viagens de Augusto através do império mostraram às províncias que Roma "governava o mundo". Infelizmente, durante o seu reinado, Augusto não conseguiu expandir o império para além do que já existia durante a República. Ao retornar à cidade, o imperador embarcou nas reformas que mudariam tanto a cidade quanto o império, estabelecendo um precedente para aqueles que se seguiram.

Moralidade e Lex Julia

Uma das maiores preocupações do novo imperador era reconstruir a decadente moral de Roma. Muitos em Roma, especialmente pessoas como o poeta estadista Cícero, acreditavam que uma das razões para o declínio da República foi a erosão da moral pública, e as décadas seguintes a Júlio César, sem uma liderança propriamente, pouco haviam ajudado a mitigar a situação. Na sua biografia do imperador Augusto, o historiador Anthony Everitt escreveu que muitos cidadãos romanos sentiam que "... as suas virtudes tradicionais de dever austero e pobreza saudável estavam sendo erodidas...". Esse decaimento era a razão tanto para a violência quanto para "o egoísmo da vida política em Roma" (18). Augusto percebeu que, para reconstruir a cidade de Roma, ele tinha de restaurar a fé e os valores da velha Roma - a necessidade de reavivar os costumes e as tradições do passado - um retorno ao "conservadorismo à moda antiga". Grande parte do seu foco estava nas vidas privada e pública das classes superiores - a elite - e, com os poderes concedidos a ele pelo Senado, ele tinha a autoridade para fazer justamente isso. Posteriormente, no entanto, Augusto percebeu que algumas dessas novas leis não poderiam ser facilmente impostas. Suetônio escreveu:

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Sendo a sua lei de casamento mais rigorosamente concebida do que as outras, ele se viu impossibilitado de torná-la efetiva por causa de uma revolta aberta contra várias de suas cláusulas. Ele foi, então, obrigado a retirar ou emendar certas penas... (70).

As duas novas leis júlias, a serem depois revisadas, foram promulgadas em 18 a.C., visando tanto à fidelidade das mulheres quanto à taxa de natalidade; a lex Julia de adulteriis coercendis ("lei júlia sobre a coerção de adultérios") tornou crime o adultério feminino, e a lex Julia de maritandis ordinĭbus ("lei júlia sobre as ordenações de matrimômio") (depois revisada em 9 d.C. como lex Papia Poppaea) penalizava homens não casados e casais sem filhos, numa tentativa de aumentar a taxa de natalidade. Curiosamente, a revisão dessa última lei foi feita por dois cônsules não casados, Marco Pápio Mutilo e Caio Popeu Sabino. Além disso, quase numa violação da sua própria lei, embora Augusto tivesse uma filha com a sua segunda esposa, ele e a sua terceira esposa Lívia (ela tinha dois filhos de um casamento anterior) não tinham descendentes.

Reformas Religiosas

Junto com a sua ênfase na deterioração moral de Roma, Augusto tratou da necessidade de reavivar a importância da religião entre os cidadãos. Durante as prolongadas guerras civis, muitos templos por todo o império haviam entrado em decadência, pois o povo aparentemente tinha perdido a fé nos deuses antigos. Para Augusto, uma restauração da "antiga religião" e uma fé renovada nos deuses tradicionais ajudariam a restaurar a confiança do povo. Ele se encarregou do retorno de muitos festivais antigos e populares e aumentou o número de jogos públicos, reinstituindo os Jogos Seculares, ou Ludi Saeculares, em 17 a.C. Só no seu primeiro ano, ele reconstruiu ou reparou 82 templos, incluindo, em Roma, o Templo de Júpiter no Monte Capitolino, o Templo de Apolo no Monte Palatino, perto da sua residência pessoal, e o Templo de Marte Vingador, localizado no novo Fórum de Augusto. Por fim, para simbolizar os seus sucessos na Espanha, o Senado encomendou, em julho de 13 a.C., a construção no Campo de Marte do Ara Pacis Augustae, o Altar da Paz Augusta.

Ara Pacis Augustae
Ara Pacis Augustae
Manfred Heyde (CC BY-SA)

Em 12 a.C., Augusto havia feito de si próprio, com a morte de Lépido, o Pontifex Maximus ou sumo sacerdote, e mais tarde, após a sua própria morte, um culto imperial seria estabelecido: a ideia da deificação do imperador. Embora ele tenha resistido às tentativas do Senado de nomeá-lo deus durante o seu reinado, com a sua morte, o Senado o laureou com a deificação, uma honra que seria dada a muitos dos seus sucessores. Sua esposa Lívia inclusive recompensaria um homem que jurou ter visto o imperador ascender em direção aos céus.

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Reformas Financeiras

Augusto impôs um censo regular - o dever do censor - para fazer uma avaliação equitativa da carga tributária provincial, resultando numa coleta mais equitativa da receita fiscal. Outra grande mudança concernia ao tesouro romano, o Aerarium, localizado no Templo de Saturno, no Fórum Romano, no Monte Capitolino. Ele era gerido por dois pretores. Augusto empreendeu uma reforma completa da estrutura financeira. O tesouro central estava ligado aos tesouros de todas as províncias. Junto com a expansão e o aprimoramento da cunhagem romana, dois novos impostos foram criados - um imposto de votação e um imposto fundiário - que financiavam completamente o sistema imperial. Esse novo sistema proveu um estímulo ao comércio por todo o império, levando à estabilidade, à segurança e à prosperidade. Augusto, é claro, assegurou que a sua imagem estivesse em todas as moedas.

Burocracia e Ordem Pública

Augusto estabeleceu a ordem por todo o império. as suas reformas promoveram uma burocracia mais eficiente e puseram fim à corrupção dos dias anteriores às guerras civis.

Junto com o seu bom amigo e leal comandante Marco Agripa, que também vinha a ser o segundo marido da filha do imperador, Augusto estabeleceu a ordem por todo o império. Até a sua morte precoce, Agripa frequentemente administrava os assuntos da cidade quando o imperador estava longe de Roma. Muitas das suas reformas promoveram uma burocracia mais eficiente e puseram fim a boa parte da corrupção que existira desde os dias anteriores às guerras civis. Embora Augusto não tenha interferido nas administrações locais e municipais, ele dividiu a Península Itálica em onze departamentos; essa mudança foi feita para que o censo e a coleta de impostos fossem mais eficientes, bem como a regulação de terras públicas. A própria Roma foi dividida em 14 regiões administrativas. Os distritos da cidade ou bairros foram postos sob a jurisdição de um supervisor que organizava vigilantes não só para dar avisos de incêndio, mas também para prevenir possíveis enchentes. Do mesmo modo, eles ajudavam a limpar o lixo do rio Tibre.

Augusto tinha mais de 600 escravos que serviam como bombeiros e até estabeleceu uma força policial. É claro, para a sua própria proteção, ele estabeleceu a Guarda Pretoriana. Acerca das muitas mudanças internas da cidade, Suetônio escreveu:

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Para dar a mais homens alguma experiência nos deveres governamentais, ele criou postos encarregados da manutenção dos edifícios públicos, das estradas e dos aquedutos; da limpeza do canal do Tibre, da distribuição de grãos ao povo... (71).

Para manter o apoio e o respeito dos senadores, ele os laureou com numerosas honras, estabelecendo inclusive uma idade de aposentadoria.

Projetos de Construção

Augusto fez várias outras mudanças essenciais; para tornar mais rápida a comunicação entre as províncias, ele construiu postos de transmissão para correios e criou funcionários públicos providos de carruagens e cavalos. Ele construiu várias estradas e aquedutos novos, incluindo o Aqua Julia e o Agua Virgo. Para o povo de Roma e em honra do seu sobrinho, ele renovou o Circo Máximo. Para supervisionar muitas dessas mudanças, o imperador estabeleceu duas comissões senatoriais, os curatores viarum ("curadores das vias"), que inspecionavam a manutenção das estradas, e os curatores locorum publicorum ("curadores dos locais públicos"), que faziam a manutenção dos edifícios públicos e dos templos. Como não havia serviço civil, escravos e homens libertos eram usados para cumprir uma rotina de tarefas administrativas.

Theatre of Marcellus, Rome
Teatro de Marcelo, em Roma
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

Augusto também acreditava que Roma deveria ser uma referência e um símbolo para que todas as cidades ao longo do império a emulassem. Ele empreendeu a construção de uma nova casa ao Senado, do Teatro de Marcelo, de um salão público ou basílica, de novos pórticos e passarelas, usando sempre o melhor mármore do norte da Itália.

Legado

O historiador romano Tácito fez uma avaliação não tão favorável de Augusto nos seus Anais da Roma Imperial, nos quais ele disse:

Ele seduziu o exército com bonificações, e a sua política de alimentos baratos foi uma isca bem-sucedida para os civis. De fato, ele atraiu a boa vontade de todos por meio da agradável dádiva da paz. Depois, ele gradualmente avançou e absorveu as funções do Senado, dos funcionários e até mesmo da lei. Não existia oposição. A guerra ou o assassinato judicial haviam eliminado todos os homens de espírito. [O sistema legal] era inteiramente incapacitado pela violência, pelo favoritismo e - mais do que tudo - pelo suborno. (32).

Não obstante esse relato mais lúgubre das suas quatro décadas, Augusto ainda deve ser lembrado por ter erigido o império no rescaldo dos anos de guerra civil, quando a cidade estava degradada. Ele foi o primeiro imperador de Roma, e todos os outros seriam comparados a ele.

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Sobre o tradutor

Rogério Cardoso
Rogério Cardoso nasceu em Manaus, Brasil, onde inicialmente obteve um grau em Letras Portuguesas, e mais tarde se mudou para São Paulo, onde obteve um grau de mestre em Filologia Portuguesa. Ele é um entusiasta da História.

Sobre o autor

Donald L. Wasson
Donald ensina História Antiga, Medieval e dos Estados Unidos no Lincoln College (Normal, Illinois) e sempre foi e sempre será um estudante de História, dedicando-se, desde então, a se aprofundar no conhecimento sobre Alexandre, o Grande. É uma pessoa ávida a transmitir conhecimentos aos seus estudantes.

Citar este trabalho

Estilo APA

Wasson, D. L. (2016, maio 25). As Reformas de Augusto [Reforms of Augustus]. (R. Cardoso, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-905/as-reformas-de-augusto/

Estilo Chicago

Wasson, Donald L.. "As Reformas de Augusto." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. Última modificação maio 25, 2016. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-905/as-reformas-de-augusto/.

Estilo MLA

Wasson, Donald L.. "As Reformas de Augusto." Traduzido por Rogério Cardoso. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 25 mai 2016. Web. 21 dez 2024.