As Rotas Orientais de Comércio da Roma Antiga

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Artigo

James Hancock
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 02 junho 2021
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
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A vida dos romanos abastados era repleta de artigos exóticos, tais como canela, mirra, pimenta e seda, todos adquiridos através do comércio internacional de longa distância. Produtos do Leste longínquo chegavam a Roma por intermédio de dois corredores – do Mar Vermelho e do Golfo Pérsico. O uso de diferentes rotas comerciais assegurava ao Império Romano um fluxo constante destes artigos exóticos.

Roman Banquet Fresco
Afresco de Banquete Romano
Ferrari et. al. Le collezioni del museo nazionale di Napoli (Public Domain)

O corredor do Mar Vermelho requeria uma viagem marítima de 4.500 quilômetros da Índia até as cidades portuárias da região, seguida por uma rota terrestre de 380 quilômetros através do deserto do Egito, e então outros 760 quilômetros de navio do Nilo até o Mediterrâneo, numa distância total de 5.640 quilômetros. Já o corredor do Golfo Pérsico consistia numa rota marítima de 2.350 quilômetros da Índia até a confluência dos rios Tigre e Eufrates, acrescida de uma viagem terrestre pelo deserto da Síria de 1.400 quilômetros, num total de 3.750 quilômetros. Para chegar à Índia, a seda chinesa viajava outros 5.000 quilômetros, cruzando o terreno acidentado e montanhoso da China Central até os portos indianos.

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Artigos de Luxo

Os romanos abastados adornavam-se com cosméticos e perfumes feitos com canela de Sri Lanka, mirra da Somália e olíbano do Iêmen e vestiam roupas de seda translúcida da China. Nas ruas pairava a fumaça do olíbano e da mirra, que se elevava dos braseiros na base das estátuas do imperador, e a comida era temperada com pimenta e gengibre da Índia.

O comércio romano pelo corredor do Mar Vermelho começava nos portos italianos de Óstia ou Puteoli, dos quais partiam navios para Alexandria e em seguida para Coptos, no Nilo.

No romance romano do século II intitulado O Asno de Ouro ou As Metamorfoses, de Apuleio, um amante entusiasmado relata: "E agora, com desejo recíproco crescendo num equilíbrio amoroso, exalando de sua boca o odor da canela, ela me deliciou com o toque de néctar de sua língua". Durante outra sedução, uma atraente tentadora admite que "A face adorável do seu irmão, meu marido, ainda permanece em meus olhos, o odor de canela do seu corpo de ambrosia ainda assombra minhas narinas" (Apuleio, O Asno de Ouro ou A Metamorfose, 2.10).

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Grandes braseiros de incenso eram utilizados no Coliseu de Roma para ocultar o fedor do sangue derramado e coagulado que aumentava com o calor do sol. Os romanos homenageavam seus falecidos queimando prodigiosas quantidades de incenso em seus funerais. Quanto mais rico o morto, mais elaborada era a cerimônia. Plínio conta que no funeral da esposa de Nero (r. 54-68), Popeia, o equivalente a um ano do suprimento de incenso de Roma foi consumido; tanto que a economia do Império Romano ficou ameaçada.

No livro de receitas do famoso gastrônomo romano Apício (Apicius), a pimenta é incluída em 349 das 469 receitas. No século I da nossa era, o romano Plínio, o Velho, descreveu a atração e valor da pimenta:

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Por que gostamos tanto dela? Alguns alimentos atraem pela doçura, alguns pela aparência, mas nem a vagem nem o grão da pimenta têm nada a dizer sobre isso. Nós a queremos somente pela ardência - e iremos até a Índia para obtê-la. Quem foi o primeiro a tentá-la com os alimentos? Quem era tão ansioso para desenvolver um desejo maior do que a fome pura e simples? Pimenta e gengibre crescem na natureza em seus países nativos e mesmo assim nós os valorizamos em termos de ouro e prata. (Plínio, o Velho, História Natural, LCL 370, p. 20-21)

A seda se tornou tão popular que o Senado periodicamente lançava proclamações (a maioria em vão) para proibir seu uso como vestimenta, com fundamentos tanto morais quanto econômicos. O poeta Juvenal, escrevendo por volta de 110, mostrava-se chocado “pelas mulheres amantes do luxo que acham a mais fina das túnicas finas muito quente para elas; cuja pele delicada fica irritada pelo mais delicado tecido de seda” (Bernstein, 2). O filósofo romano, Sêneca, o Jovem (3 a.C.-65 d.C.) reclama:

Posso ver roupas de seda, se é que materiais que não escondem o corpo, nem mesmo a decência de alguém, podem ser chamados de roupas… Desgraçados bandos de mulheres trabalham para que as adúlteras possam ser visíveis através de seus vestidos transparentes, pois os maridos não têm maior conhecimento do corpo de suas esposas do que qualquer estranho ou estrangeiro. (Sêneca, LCL 463, 374-375)

O Comércio Romano no Corredor do Mar Vermelho

O comércio romano através do corredor do Mar Vermelho começava em Óstia ou Puteoli, de onde os navios viajavam para Alexandria e em seguida para Coptos, no Nilo. Levava cerca de 20 dias para os navios que saíam da Itália alcançarem Alexandria e outros 11-12 dias para transportar os produtos Nilo abaixo. Uma cornucópia de produtos romanos fluía para Coptos, incluindo sacos de moedas de ouro e prata, estanho, cobre, ferro, cevada produzida localmente, trigo e óleo de gergelim, vasos de vidro alexandrinos, suco de uva e vinho da Itália ou Síria, além de roupas púrpuras da Fenícia. Coptos era um centro de trocas comerciais e transporte, e reunia uma verdadeira coleção de mercadores e financistas de Roma, Egito, Arábia e Índia.

As mercadorias que chegavam em Coptos eram transportadas por via terrestre através de caravanas de camelos até os portos de Berenice e Myos Hormos, no Mar Vermelho. Levava cerca de sete dias para as caravanas alcançarem Myos Hormos (177 quilômetros) e doze dias para chegarem em Berenice, localizado mais ao sul (370 quilômetros). Embora Myos Hormos fosse mais próximo de Coptos do que Berenice, os fortes ventos setentrionais do alto Mar Vermelho faziam as viagens para os portos ao sul mais lentas e difíceis. Berenice estava abrigada destes ventos pela península de Ras Banas e com o tempo tornou-se o principal entreposto comercial do Mar Vermelho. Permaneceu como um centro comercial de grande porte por quase 800 anos, ligando a bacia do Mediterrâneo, Oriente Próximo e o Egito com a costa africana, Índia, China e sudeste da Ásia.

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Ancient Indian Maritime Trade Routes
Antigas rotas comerciais marítimas indianas
George Tsiagalakis (CC BY-SA)

Incrivelmente, uma descrição detalhada de uma testemunha ocular das viagens antigas para a África e Índia chegou até nós na obra Périplos do Mar Eritreu, escrito no século I por um autor egípcio desconhecido e fluente em grego. O Mar Eritreu era o nome dado na Antiguidade para a massa de água situada entre o Chifre da África e a Península Arábica. Neste extraordinário relato, as condições das rotas são descritas, bem como os entrepostos comerciais e ancoradouros ao longo do caminho, a aparência dos locais e as maiores importações e exportações.

A partir dos portos do Mar Vermelho, os romanos viajavam em duas direções. Havia uma rota africana meridional que descia a costa do Mar Vermelho, através do Estreito de Bab el-Mandeb e então ao longo da costa leste da África para Rhapta, próximo à atual Dar es Salaam. A outra rota também seguia até o Estreito de Bab el-Mandeb, mas então desviava-se para o leste, através do Oceano Índico para os portos ao longo da costa indiana. Eles aproveitavam os ventos de monção através das águas do Oceano Índico para o sudoeste da Índia. Percorriam então os portos da costa, desde Barbarikon, no Rio Indo a Muziris (Cranganur), a sudoeste de Malabar, chegando a Sri Lanka.

O porto de Muziris, no estado indiano de Kerala, na costa sudoeste, tornou-se o primeiro centro majoritário do comércio de especiarias no mundo. Sua localização exata é desconhecida. Provavelmente fundado por volta de 3.000 a.C., permaneceu um dos mais importantes centros comerciais através do período romano. A pimenta-do-reino era a principal exportação deste grande entreposto, que também comercializava pérolas e marfim coletados localmente e pedras semipreciosas e seda das regiões do Vale do Ganges e do leste do Himalaia.

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Uma vez carregados os navios, os mercadores retornavam aos portos egípcios de Myos Hormos e Berenice. As cargas eram então enviadas por terra em caravanas de camelos e então embarcados para o centro comercial do Egito romano, a cidade de Alexandria. A diversidade dos produtos enviados através do deserto do Norte da África é de tirar o fôlego – olíbano árabe; canela chinesa e cingalesa; pimenta, pérolas e pedras preciosas indianas; porcelana e seda chinesas; mirra, marfim, chifres de rinoceronte e carapaças de tartaruga africanos.

O Comércio Romano no Corredor do Golfo Pérsico

Conhecida popularmente como “Noiva do Deserto”, Palmira foi fundada num oásis a meio caminho entre o Mediterrâneo e o Rio Eufrates.

Os artigos de luxo do sudeste da Ásia também viajavam para Roma através do Golfo Pérsico. Seda e pimenta eram transportadas primeiro por marinheiros indianos e depois por navios persas até os portos do centro do golfo, e a seguir levadas por caravanas ao norte, em direção ao Mediterrâneo, até Antioquia. Parte da seda e outros artigos exóticos também chegavam à Síria central através das antigas rotas terrestres da Rota da Seda, mas, no século I, a seda chinesa estava sendo levada aos portos do subcontinente indiano para a última etapa de transporte marítimo até o Mediterrâneo.

A cidade de Palmira controlava a maior parte do comércio via caravanas através da Síria para Roma. Conhecida popularmente como “Noiva do Deserto”, foi fundada num oásis a meio caminho entre o Mediterrâneo e o Rio Eufrates. Evidências arqueológicas e de inscrições das primeiras décadas do século II dão conta da enorme variedade de produtos que passavam pela cidade – escravos, sal, alimentos secos, roupas púrpuras, perfumes, prostitutas, seda, jade, musselina, especiarias, ébano, incenso, mármore, pedras preciosas e vidro.

A ascensão de Palmira sobreveio em grande parte devido à situação instável entre os antagônicos Roma e Império Persa. Como os mercadores palmirenses mantinham-se politicamente neutros, conseguiram controlar a rota das caravanas que ligavam as cidades do Mediterrâneo oriental aos portos do Golfo Pérsico e da costa ocidental da Índia. Devem ter sido mestres em fazer acordos, uma vez que precisavam lidar com uma vasta gama de autoridades políticas que representavam Roma, Pártia, o Reino de Kush e as tribos nômades do deserto.

Map of Roman & Parthian Trade Routes
Mapa de Rotas Comerciais Romanas e Partas
Jan van der Crabben (CC BY-NC-SA)

Os palmirenses eram muito hábeis no seu relacionamento com os parceiros comerciais. Eles evitavam o uso de intermediários e em vez disso criaram colônias em pontos críticos do trajeto das longas rotas comerciais. Havia enclaves de mercadores palmirenses espalhados através dos cantos longínquos do mundo antigo, de Babilônia, na Mesopotâmia a Coptos, no Egito, passando por Merv, na fronteira da Pártia. Eles inclusive navegavam com suas mercadorias pelo Mar Vermelho.

O imperador Tibério (r. 14-37 d.C.) incluiu oficialmente Palmira na província romana da Síria por volta do ano 14 e o imperador Adriano (r. 117-138) a declarou uma cidade livre em 129. Durante o reino de Sétimo (ou Septímio) Severo (r. 193-211), foi elevada à condição de colonia romana, o maior status cívico concedido a uma cidade do império; com isso, seus habitantes desfrutavam da cidadania romana total dali por diante.

Qual Caminho para Roma?

Ainda que a rota do Mar Vermelho do sudeste da Ásia fosse mais longa do que o corredor do Golfo Pérsico, tornou-se a melhor opção para os romanos por dois motivos principais. Em primeiro lugar, ainda que a distância total da rota Mar Vermelho-Nilo fosse cerca de um terço maior do que a alternativa do Golfo Pérsico-Deserto Sírio, requeria uma viagem menor por terra, e, portanto, ficava mais barata. A distância mais curta das caravanas através do Egito em relação à Síria reduzia os custos. Em segundo lugar, os romanos tinham controle quase total do corredor do Mar Vermelho para a Índia nos séculos II e III, o que não ocorria no Golfo Pérsico a não ser em breves períodos. Isso significava que os produtos obtidos pelos romanos através do corredor do Golfo eram sujeitos a tarifas cobradas pelos intermediários de Palmira e dos Partos.

A despeito destas vantagens, os romanos nunca pararam de utilizar os dois corredores. Manter duas conexões comerciais de longa distância os protegia da falta de produtos causada pelo clima e por questões políticas. Devido aos ventos de monção, a viagem através dos oceanos era possível apenas uma vez por ano em ambas as rotas. Os romanos tinham essencialmente duas estações de entrega, a de primavera em Antioquia e a do fim do verão em Alexandria. Produtos destinados ao corredor do Mar Vermelho deixavam a Índia entre Dezembro e Janeiro, atingiam o Mar Vermelho em Fevereiro e chegavam em Alexandria em Agosto. Pelo corredor do Golfo Pérsico, os produtos eram embarcados na Índia em Novembro, chegavam ao golfo entre Janeiro e Fevereiro e alcançavam Antioquia entre Abril e Maio. O uso de uma rede comercial formada por múltiplas rotas garantia que os mercados romanos receberiam as importações do Oceano Índico em diferentes épocas do ano e por intermédio de várias fontes.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

James Hancock
James F. Hancock é um escritor freelancer e professor emérito da Michigan State University. Possui especial interesse na pesquisa da evolução da cultura agrícola e história do comércio. Seus livros incluem "Spices, Scents and Silk" (CABI) e "Plantation Crops" (Routledge).

Citar este trabalho

Estilo APA

Hancock, J. (2021, junho 02). As Rotas Orientais de Comércio da Roma Antiga [The Eastern Trade Network of Ancient Rome]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1761/as-rotas-orientais-de-comercio-da-roma-antiga/

Estilo Chicago

Hancock, James. "As Rotas Orientais de Comércio da Roma Antiga." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação junho 02, 2021. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1761/as-rotas-orientais-de-comercio-da-roma-antiga/.

Estilo MLA

Hancock, James. "As Rotas Orientais de Comércio da Roma Antiga." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 02 jun 2021. Web. 21 dez 2024.