As gladiadoras na Roma antiga (em inglês, segundo a denominação de eruditos modernos, gladiatrix) podem ter sido incomuns mas realmente existiram. As evidências sugerem que algumas mulheres participaram dos jogos públicos de Roma, ainda que esta prática fosse frequentemente criticada por autores romanos. Houve tentativas de regulamentar esta participação através da legislação.
As gladiadoras costumavam ser mencionadas em textos antigos como ludia (ou seja, performers femininas num ludi, um festival ou entretenimento) ou como mulieres (mulheres), mas não com frequência como feminae (senhoras), o que sugere a alguns estudiosos que somente mulheres de classes mais baixas eram atraídas para a arena. Entretanto, existem evidências significativas de que mulheres das classes mais elevadas também participaram. O termo gladiatrix jamais foi utilizado na Antiguidade; é uma palavra moderna aplicada pela primeira vez às gladiadoras no século XIX.
As mulheres que optavam por uma vida na arena – aparentemente, uma escolha disponível a elas - podem ter sido motivadas por um desejo de independência, a oportunidade de conquistar a fama e pelos ganhos financeiros, incluindo o perdão de dívidas. Embora pareçam ter perdido toda a respeitabilidade ao entrarem na arena, há evidências indicando que as gladiadoras eram tão homenageadas quanto seus companheiros masculinos.
Papel das Mulheres em Roma
As mulheres em Roma - seja durante o período da República ou o Império posterior - tinham poucas liberdades e eram definidas por seu relacionamento com os homens. O estudioso Brian K. Harvey assinala:
Em contraposição às virtudes masculinas, as mulheres eram louvadas por sua vida doméstica e matrimonial. Suas virtudes incluíam fidelidade sexual (castitas), senso de decência (pudicitia), amor pelo marido (caritas), harmonia matrimonial (concordia), devoção à família (pietas), fertilidade (fecunditas), beleza (pulchritude), jovialidade (hilaritas) e felicidade (laetitia)... Como demonstrado pelo poder do paterfamilias (marido ou pai, chefe da casa), Roma era uma sociedade patriarcal. (59)
Fossem de classes elevadas ou inferiores, esperava-se que as mulheres aderissem às expectativas tradicionais de comportamento. Sua condição transparece nas várias obras de escritores que abordavam o tema em profundidade, assim como por muitos decretos legislativos. Não se sabe como elas se sentiam sobre sua posição, já que quase toda a literatura romana que sobreviveu é redigida por homens. Harvey destaca que "não temos quase nenhuma fonte literária que revele uma perspectiva feminina sobre sua vida ou sobre o papel das mulheres em geral".
Uma exceção é a poesia de Sulpícia (século I a.C.). Em seu primeiro poema, ao celebrar ter se apaixonado, ela diz que não quer esconder seu amor em "documentos selados", mas sim expressá-lo em verso e acrescenta: "É ótimo ir contra a corrente, pois é cansativo para uma mulher constantemente adaptar sua aparência para manter sua reputação" (Harvey, 77). Esta reputação, é claro, era estabelecida para as mulheres por homens; em primeiro lugar, seu pai e, mais tarde, pelo marido.
Sulpícia era filha de Sérvio Sulpício Rufus (c. 106-43 a.C.), um escritor, jurista e orador famoso por sua eloquência. É provável que ele tenha encorajado as experiências literárias da filha, mas isso dificilmente era o caso para a maioria das mulheres. Sulpícia, além disso, ainda estava sob o controle do seu pai e do seu tio, Marco Valério Messala Corvino (c. 64 a.C.-8 d.C.). Em seu segundo poema, Sulpícia reclama do controle de Messala sobre os seus planos de aniversário, afirmando que seu tio "não me permite viver de acordo com minha vontade". (Harvey, 77).
Messala Corvino, como seu irmão, também era escritor e importante patrono das artes. Sulpícia, portanto, provavelmente cresceu num lar esclarecido, no qual mulheres poderiam exercer atividades literárias e, conforme seus poemas, ela parece ter tido a liberdade de desfrutar de um caso de amor com um homem, a quem ela chama de Cerinto, sem a aprovação da família. Mesmo neste ambiente "liberado", no entanto, ela ainda se sentia oprimida e podemos assumir que em lares mais conservadores as mulheres dispunham de uma liberdade de escolha ainda menor.
Legislação Referente às Gladiadoras
Devido ao bem estabelecido patriarcado de Roma e ao lugar da mulher nele, há eruditos que encontram dificuldades em aceitar o conceito das gladiadoras. As referências aos ludia são frequentemente interpretadas como se referindo a atrizes em festivais religiosos - e isso é uma interpretação precisa -, mas o contexto do termo em algumas inscrições deixa claro que algumas mulheres escolheram seu próprio caminho como gladiadoras, o que parece ter sido uma opção aberta a elas durante um considerável período de tempo.
No ano 11 da nossa era o Senado Romano aprovou uma lei proibindo mulheres livres menores de 20 anos de participarem dos jogos na arena. Isso sugere que a prática vinha ocorrendo há algum tempo. Deve ser notado que o decreto especifica "mulheres livres", não escravas, o que permite assumir que estas ainda podiam participar. O imperador Sétimo Severo (193-211) declarou ser ilegal a participação de quaisquer mulheres na arena no ano 200, justificando que tais espetáculos levavam a uma falta de respeito pelas mulheres em geral.
Ele também se preocupava com o fato de que as mulheres, se autorizadas a treinar como atletas, iriam querer participar dos Jogos Olímpicos, na Grécia; uma perspectiva que ele encarava como desagradável e ameaçadora para a ordem social. O mais interessante é que este decreto parece ter sido motivado pela participação de mulheres de classes mais elevadas nos jogos - aquelas que tinham todas suas necessidades materiais atendidas - e que podem ter preferido a vida de gladiadora a ter suas escolhas limitadas por seus parentes masculinos.
A despeito do decreto de Severo, as mulheres lutavam em arenas ainda no século III, como demonstra uma inscrição encontrada em Óstia, a cidade portuária próxima de Roma. Esta inscrição registra que o magistrado da cidade, um certo Hostiliano, era o primeiro a permitir que mulheres lutassem na arena desde a fundação de Óstia. O palavreado da inscrição especifica que Hostiliano permitiu mulieres a lutar, não feminae, o que pode indicar que o magistrado foi capaz de contornar a legislação de Severo com o uso de algum artifício legal por meio do qual as senhoras das classes mais altas continuavam vetadas, mas que permitia a participação nos jogos das mulheres de classes mais baixas e escravas.
Os Jogos de Gladiadores
Os jogos de gladiadores começaram como uma parte dos serviços funerários. Acompanhando o enterro e os rituais funerários, lutadores pagos participavam de jogos nos quais reproduziam cenas da literatura e das lendas - ou da vida do falecido – para homenageá-lo. Harvey assinala que "o termo para estes jogos era munus (plural munera), o que denotava tanto um dever ou obrigação quanto um presente" (309). Estes jogos tornaram-se um entretenimento cada vez mais popular junto à população e, com o tempo, perderam sua associação com os ritos funerários. Os aristocratas - especialmente aqueles disputando cargos eletivos - começaram a patrocinar jogos para ganhar apoio e estes eventos desenvolveram-se para incluir celebrações do aniversário do imperador, coroação ou outras celebrações estatais.
Os primeiros jogos de gladiadores registrados foram promovidos em 264 a.C. pelos filhos do senador Bruto Pera, com o objetivo de homenagear seu falecido pai durante seu funeral. A tradição iria continuar durante os próximos séculos, até que finalmente os jogos foram colocados na ilegalidade por Honório, em 404. Durante este período, milhares de pessoas e animais iriam morrer na arena como uma forma de entretenimento.
Porém, ao contrário da crença popular e do que mostram os filmes, os gladiadores não eram enviados à arena para morrer. A maioria das lutas não terminava em morte. Criminosos condenados (damnati) eram executados na arena, mas a maioria dos que lutavam nelas eram escravos altamente treinados e bastante valiosos para seu proprietários.
O escritor romano Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) descreve um espetáculo na arena ao meio-dia, que acontecia durante o intervalo entre as sessões matinais e vespertinas. Esta seria a hora do dia em que os criminosos eram executados. Entre eles se incluíam os condenados por crimes graves, desertores do exército e os que incitavam a sedição ou eram culpados de blasfêmia ou vários outros crimes contra o estado. Mais tarde, os cristãos seriam adicionados a estes espetáculos:
Estes lutadores do meio-dia eram enviados sem armaduras de nenhum tipo; eram expostos a todos os golpes e nenhum errava o alvo... A multidão exigia que o vitorioso que tivesse morto seu oponente deveria enfrentar o que iria matá-lo a seguir; e o último conquistador é reservado para outra matança. O resultado para os combatentes é a morte; a luta é realizada com espada e fogo. (Epístolas Morais VII.3-5)
A descrição de Sêneca ficou impregnada na imaginação popular como o paradigma dos jogos na arena. Os verdadeiros jogos de gladiadores (Ludum gladiatorium) eram significativamente diferentes e o resultado não era sempre a morte. Os oponentes eram escolhidos de acordo com seu porte e iriam lutar até que um deles largasse escudo e arma, erguendo um dedo para sinalizar a rendição. O indivíduo que estivesse patrocinando os jogos (conhecido como munerarius) faria então uma pausa na luta. Neste momento, a famosa pollice verso ("virada do polegar") era dada.
Não está claro se o "polegar para baixo" significava morte e tem sido sugerido que este gesto seria o polegar do munerarius atravessando a garganta. O munerarius consideraria a opinião da multidão antes de sua decisão e havia a possibilidade de conceder missio (permissão para o gladiador viver) e anunciar uma decisão de stans missus (“enviado de pé”), o que significava um empate. Mais gladiadores eram poupados neste momento do que mortos porque, se o munerarius escolhesse a morte, seria obrigado a compensar o lanista (proprietário do gladiador) pela perda.
Gladiadores certamente podiam ser mortos em sua primeira luta na arena, mas há memoriais e inscrições revelando que muitos lutaram e viveram por vários anos. Foi aventado, de fato, que as gladiadoras eram frequentemente as filhas dos gladiadores aposentados que as treinavam. Escolas de gladiadores abundavam em Roma desde que as primeiras surgiram, por volta de 105 a.C., e elas proliferaram nas colônias e províncias, à medida que o império se expandia.
Após ingressar numa escola de gladiadores, o novato jurava permitir ser chicoteado, queimado ou morto com aço, concedendo todos os direitos sobre sua vida. O gladiador tornava-se propriedade do senhor da escola, que regulava cada aspecto da sua vida, desde a dieta até os exercícios diários e, naturalmente, o treinamento para a luta em si.
Ao mesmo tempo, não parece que mulheres treinavam com homens nas escolas e não há registro de uma mulher enfrentando um oponente masculino em nenhum espetáculo. É mais provável que as gladiadoras fossem treinadas por seus pais ou em lições privadas com um lanista. Empregavam-se espadas de madeira no treinamento tanto de homens quanto de mulheres após a revolta do gladiador Espártaco (73-71 a.C.), que usou as armas de ferro da escola onde treinava para lançar a insurreição. Homens e mulheres eram treinados em diferentes tipos de combate. Havia quatro tipos de gladiadores:
O Myrmillo (Murmilo) portava um elmo (com uma crista de peixe), escudo oblongo e espada.
O Retiarus (Retiário, que geralmente lutava com um Murmilo): armado somente com uma rede e um tridente ou adaga.
O Samnita portava uma espada, elmo com proteção lateral e escudo oblongo.
O Trácio: armado com uma lâmina curva (uma sica) e escudo redondo.
Cada gladiador era ensinado a lutar em uma destas quatro categorias e a recompensa pela excelência em combate poderia vir na forma de fama, fortuna e um estilo de vida que uma mulher "respeitável" em Roma jamais sonharia. Em uma passagem posterior das Epístolas Morais citadas acima, Sêneca reclama que o povo sempre precisava de ter alguma forma de entretenimento acontecendo nas arenas além dos espetáculos tradicionais. Esta necessidade pode ter sido atendida por mulheres lutando com anões (Adkins & Adkins, 348). Com o tempo, entretanto, as mulheres abandonaram estes tipos de shows para se tornarem gladiadoras.
Evidências Físicas de Gladiadoras
Descobertos em 1996 e anunciados em Setembro de 2000, os remanescentes da Mulher da Rua Dover (em inglês, Great Dover Street Woman, também mencionada como "Garota Gladiadora"), escavados em Londres, fornecem evidências físicas para sustentar as provas literárias substanciais da Antiguidade de que mulheres lutaram como gladiadoras na arena. Somente a pélvis da mulher permaneceu após a cremação do corpo, mas a abundância de dispendiosas lâmpadas a óleo, junto com outras evidências de uma grande e suntuosa festa e a presença de pinhas (queimadas na arena para purificá-la após os jogos) contribuíram para a conclusão de que se tratava do túmulo de uma gladiadora respeitada.
Além da Mulher da Rua Dover, outra evidência física de gladiadoras é encontrada num relevo do segundo século da nossa era, descoberto em Bodrum (Turquia), o qual claramente retrata duas lutadoras, a já mencionada inscrição de Óstia, um caco de cerâmica (acredita-se ter sido de um pingente) de Leicester (Inglaterra) e uma estátua de gladiadora (cuja origem é desconhecida, mas esculpida no estilo da península italiana) que integra o acervo do Museu de Artes e Ofícios, em Hamburgo (Alemanha).
O relevo retrata duas mulheres - claramente gladiadoras - e informa seus nomes artísticos sob seus pés: Amazona e Aquília. Elas eram mais provavelmente gladiadoras que encenavam a famosa história de Aquiles e a rainha das Amazonas, Pentesileia (da Biblioteca de Pseudo Apolodoro, século II), na qual Aquiles, após derrotar a rainha num combate em Troia, apaixona-se por ela e se arrepende de suas ações.
Acima das figuras há uma inscrição indicando stans missus, significando que as lutadoras tinham atingido um empate honrado. Elas seriam gladiadores no estilo Murmilo ou Samnita, conforme seus escudos e espadas. Acredita-se que os dois objetos redondos próximos dos pés das figuras seriam seus elmos, mas não está claro de qual espécie seriam. A dupla deve ter sido popular o suficiente para justificar a despesa do trabalho.
O caco de cerâmica contém a inscrição Verecunda Ludia Lucius Gladiator, o que pode ser traduzido como "Verecunda, a performer e Lúcio, o Gladiador". Observe-se que ludia pode ser interpretado como "gladiadora" e a cerâmica tem sido apresentada como prova de que esta Verecunda atuava como uma delas. Porém, uma interpretação diversa pode ser a de que se tratava de uma atriz e namorada de Lúcio, o gladiador.
A estátua de Hamburgo, que por anos se pensou representar uma mulher limpando-se com um strigil (um instrumento curvo para passar no corpo durante o banho), é agora entendida como sendo mais provavelmente uma gladiadora portando uma sica erguida. A figura encontra-se de pé, numa pose triunfante, com a sica mantida no alto, com o peito nu e somente uma tanga. Este retrato combina com as descrições das gladiadoras que, como seus companheiros masculinos, lutavam com o peito nu e somente com uma tanga, com armadura mínima protegendo as pernas e braços e um elmo.
Acredita-se que a estátua represente uma gladiadora trácia que retirou seu elmo ao se sair vitoriosa (como era prática comum) e levantou sua arma em triunfo. Os críticos desta interpretação argumentam que a figura não está vestindo uma greave (proteção para a canela) e, portanto, provavelmente não é uma gladiadora, mas a faixa em volta do joelho esquerdo da figura pode ser uma fascia, a faixa empregada para proteger o joelho debaixo da armadura.
Evidência Literária de Gladiadoras
Há também ampla evidência literária para apoiar a existência de gladiadoras. O satirista romano Juvenal (séculos I e II), o autor sobre medicina Celso (século II), os historiadores Tácito (54-120), Suetônio (69-130) e Cássio Dio (155-235), entre outros, escreveram sobre o assunto, sempre de forma crítica.
Em suas Sátiras, Juvenal afirma:
Que senso de vergonha pode ser encontrado numa mulher portando um elmo, que afasta a feminilidade e adora força bruta... Se um leilão é realizado dos pertences de sua esposa, quão orgulhoso você ficará de seu cinturão, proteção de braço e plumas e sua metade de armadura da perna esquerda! Ou, por outro lado, ela prefere uma forma diferente de combate, quão feliz você estará quando a sua garota do coração vender suas armaduras peitorais! Ouça como ela rosna enquanto pratica golpes conforme ensinado pelo treinador, vergada sob o peso do elmo. (VI.252)
Tácito assinala:
Muitas senhoras distintas, entretanto, e senadores, desgraçam a si mesmos ao aparecer no Anfiteatro. (Anais, XV.32)
Cássio Dio expande a descrição de Tácito:
Houve outra exibição que foi ao mesmo tempo a mais embaraçosa e mais chocante, quando homens e mulheres, não somente da ordem equestre, mas mesmo senatorial, apresentaram-se na orquestra, no Circo e no [Coliseu], como aqueles da mais baixa categoria. Alguns tocaram flauta e dançaram em pantomimas ou atuaram em tragédias e comédias ou cantaram com a lira; eles dirigiram bigas, mataram bestas selvagens e lutaram como gladiadores. (História Romana LXI.17.3)
Conclusão
O consenso entre os eruditos sobre a existência de gladiadoras está longe de ser unânime, mas a evidência de fontes romanas fortalece muito a crença de que foram uma realidade histórica. Os argumentos contrários dependem largamente da interpretação de antigos textos latinos e sobre a que certos termos - como ludia - podem ou não ter se referido. Mesmo assim, é difícil entender como alguém pode descartar o relevo de Amazona e Aquília ou as obras literárias e legais que claramente indicam a participação feminina nos jogos como gladiadoras.
As mulheres podem ter sido consideradas como cidadãs de segunda classe pelo patriarcado, mas isso não significa que todas aceitavam esta condição. Muitas mulheres da aristocracia eram capazes de exercer um considerável controle sobre seus maridos, lares e mesmo nos tribunais. Juvenal, no mesmo livro de suas Sátiras, mencionado acima, deixa claro exatamente o quão poderosas as mulheres poderiam ser, de fato, ao controlar na prática homens que acreditavam ser os senhores. No caso das gladiadoras, parece que algumas mulheres não estavam contentes mesmo com este nível de autonomia, porém, e buscaram seu próprio destino na arena.